Benjamin Romeo revela os bastidores dos vinhos laureados com nota 100 de Robert Parker
por Benjamin Romeo Por Christian Burgos
Nos mês de março, antes de uma excelente degustação, encontrei Benjamin Romeo para uma entrevista exclusiva. Este produtor, nascido em uma família de viticultores espanhóis e duas vezes laureado com 100 pontos de Robert Parker, chegou a pé, vestido de colete e boina e com um quê de timidez, como que ainda não acostumado com o assédio da imprensa. Sua conversa franca e permeada por ensinamentos revelou, de maneira agradável, os bastidores dos vinhos laureados com a nota máxima do mais poderoso crítico do mundo.
Como iniciou seu contato com o vinho?
Levo o vinho no sangue, porque desde pequenino meu pai e meu avô sempre me levaram aos vinhedos. Meus primeiros contatos foram com as vinhas. Minha família nunca se dedicou a comercializar vinhos. Produzíamos uva e as vendíamos a outras vinícolas em La Rioja, que compravam a matéria prima, em uva ou em vinho elaborado, faziam suas assemblages e vendiam em diversas marcas.
Quando começaram a comercializar vinhos próprios?
A partir dos meados dos anos 80 se iniciou uma revolução com a criação de novas vinícolas. Eu fui estudar enologia em Madri de 1981 até 1984. Em 1986 comecei a trabalhar na vinícola Arcadi, em um projeto muito interesante. Acredito que fizemos uma transformação na elaboração e no estilo do vinho. Neste ponto, estava matriculado na Universidade de Bordeaux, pois sempre segui estudando.
Como nasceu seu projeto solo?
Em 1996, por ocasião da aposentadoria de meu pai, continuei o trabalho nas terras que ele possuia. De 1996 a 2000 estive fazendo ensaios, microvinivicações, para ver onde poderíamos chegar com a matéria-prima que tínhamos e com o objetivo de produzir um grande vinho.
Como conseguiu fazer isto?
Por cinco anos alternei minha atenção entre Arcadi e meu projeto pessoal até sentir que era o momento de me dedicar somente ao novo projeto. Consegui, pois Arcadia ficava em La Guardia, a 15 Km de meu povoado San Vicente.
Mas conheço bons vinhos seus já em 1998 e 1999.
Desde 1996 planejei meu projeto em três fases fundamentais. A primeira foi começar a fazer vinhos, criar uma marca e comprar vinhedos. Além do vinhedo de minha família, fiz um processo de investigação de vinhedos interesantes para meu projeto por seu potencial.
Ouvi dizer que você ficava andando de moto pelas estradas para localizar vinhedos.
Sim, é verdade. (risadas) Houve vinhedos que pude comprar e outros não. Foi muito positivo. Comprei vinhedos que em geral as pessoas naquele momento não desejavam, pois eram de difícil manejo. Mas eu sabia a qualidade das matérias-primas que podiam sair dalí.
Qual a similaridade entre eles?
Sobretudo a idade. Eram vinhedos muito antigos que, quando comprei, tinham entre 70 e 100 anos. Ficavam em áreas muito escarpadas: em ladeiras, terras difíceis e com acesso complicado. Então foi relativamente fácil comprá-los. Ocorre que são vinhedos pequeninos e pressupõe muito trabalho e esforço, com tudo sendo feito manualmente - tratamentos, poda. Mas o resultado é uma materiaprima espetacular!
Como são as castas?
Era muito interesante, porque os habitantes de San Vicente, em meu povoado, foram muito habilidosos em conservar a casta Tempranillo. As grandes vinícolas acabam por comprar em diferentes viveiros, mas com menos raça, menos autenticidade. Em San Vicente foi feita uma seleção dos próprios vinhedos. Se meu avô tinha um vinhedo de que gostasse, em setembro, no último momento de maturação, ia marcando as diferentes vinhas que tinham racimos de sua preferência. Após isto, colhíamos os racimos e fazíamos o enxert, e assim ia se mantendo a casta.
Era uma seleção baseada na experimentação?
Na experiência e na observação. Para mim isto é fundamental para manter a autenticidade do produto. Hoje há a tendência mundial de fazer vinhos standard, utilizando variedades importadas como Merlot, Chardonnay, Sauvignon Blanc. Eu acredito que se em uma região, você trabalha suas próprias variedades e tira delas seu máximo, você cria diferenciação.
Quantos vinhedos tem hoje?
Agora mesmo, tenho 25 hectares em 27 vinhedos. Vinhedos em altitudes que variam de 420 a 460 metros. Orientações sul-norte, norte-leste, oeste, de tudo. Um total de sete ou oito terroirs. Clones distintos de tempranillo intercalados com outras variedades em pequena quantidade. Em setembro, quando chega o outono e o colorido forma um mosaico impressionante, supõe muito mais esforço na hora da colheita. Há vinhedos em que fazemos quatro passadas de colheita. Primeiro colhemos Garnacha Branca, depois Viura, depois Tempranillo e por fim Garnacha. Uma vez que os momentos de maturação são distintos, é mais trabalho. Mas se quer colher cada varietal no momento certo, tem de ser assim.
Você faz a seleção no próprio vinhedo. Por quê?
Eu dou muitíssima importância ao vinhedo. E meus colaboradores mais especializados trabalham nele. Por isto fazemos a seleção no campo, na presença de meu pai, minha ou do responsável pelo o campo. Ainda no vinhedo, marcamos as caixas com cores distintas, de acordo com o vinho para que se destina.
Você os remunera por produção?
Não, remunero por hora de trabalho. Pois fazem poucos quilos por dia, mas muito bem feitos.
E a segunda fase?
Foi também fundamental. Trabalhar com muita liberdade é essencial para mim. Iniciei em uma garagem de 180 m² com uma pequenina produção e fui sentindo o mercado, apresentando uns vinhos, vendo a resposta do mercado e da imprensa especializada. Se as três partes se entendem, é mais fácil que tenha sucesso. Eu sempre tive isto muito claro e estava pronto a aplicar três, quatro, cinco anos trabalhando e aguardando a resposta. E esta foi muito positiva, tanto do mercado, quanto da imprensa especializada.
E depois?
Uma vez que eu tinha a matéria-prima 100% controlada e boas respostas do mercado e da imprensa especializada, a terceira fase foi a construção da nova vinícola. Uma ferramenta de trabalho para elaborar um grande vinho, um bom instrumento para que eu possa desenvolver minhas idéias. Parece besteira, mas poucos projetos na Espanha seguem estas fases que mencionei. Usualmente as pessoas querem ter uma vinícola, contratam um arquiteto famoso e depois pensam: "agora tenho que fazer vinhos aqui". E então descobrem que para fazer vinhos precisam de uvas. O processo completamente inverso. Quis ter certeza do sucesso antes dos passos de maior investimento e, assim, pude evitar a presença de sócios capitalistas me pressionando.
Muitos de seus companheiros enólogos dizem que há um número ideal de garrafas a produzir, um limite de produção. O que pensa disto?
Para mim isto está claro em produtos muito exclusivos - no meu caso pode ser Contador ou La Vinã de Andres Romeo. Nestes estou mantendo os mesmos volumes de antes, de quatro a cinco mil garrafas de Contador nos anos em se elabora. Em Que Bonito Cacareaba, o branco, estou fazendo entre três e quatro mil garrafas. Já para Predicador quero produzir umas 100 mil garrafas por ano, e fazer um vinho com estilo, mas que seja acessível a mais pessoas. Esses são volumes que, com a equipagem e pessoal que tenho, posso desenvolver com grande qualidade, certa tranquilidade e segurança.
Você não produziu Contador em 2006?
Comecei o Contador em 1999. Fiz La Cueva del Contador pela primeira vez em 1996 e não produzi em 1997 por considerar a safra ruim. Hoje, com a pressão do recente investimento de cinco milhões de Euros na vinícola e com duas notas 100 consecutivas de Parker, eu poderia ter dito: "o vinho está bom, vamos vendê-lo". Mas quero estar no mundo do vinho para a vida toda e conquistar credibilidade do mercado para meus vinhos e minha pessoa. Então, se a qualidade não é o suficiente, tenho que dizer: "este ano não há vinho".
Nestes anos você faz o quê?
Quando considero que a qualidade não está no nível de elaborar Contador melhoro La Cueva, com La Cueva melhoro o Predicador e não produzo Contador. Quando um vinho tem reconhecimento internacional, você mesmo, se é inteligente, tem que autoexigir-se mais nível. Não pode bancar o bobo. Tem um compromisso com o mercado.
Por que está fazendo este movimento com o Predicador?
Eu sou uma pessoa muito sentimental. Foram muitos os jornalistas e fóruns de debate na Internet que me taxaram de aplicar uma política de preços muito altos. Isto me atinge. Não sou louco. Acredito que elaboro bons vinhos, não são baratos, reconheço. Mas tenho obsessão por produzir bons vinhos. Então, para provar que posso fazer vinhos com boa relação custo versus benefício e estar em mais lugares com meus vinhos, decidi criar um vinho com estas características. Além disso, quando estava comprando os vinhedos de senhores que se aposentavam, às vezes, junto com o vinhedo que eu buscava tinha que comprar um lote de outros vinhedos da mesma pessoa que não tinham nível para o Contador. Espero que, com o passar do tempo, quem compre meus vinhos tenha sempre certeza de que não vou falhar com eles e saibam o que estão comprando.
Como você recebeu os 100 pontos de Robert Parker?
Nas duas vezes eu chorei muito, fiquei muito emocionado. Porque, afinal, é o reconhecimento de seu trabalho. Não deixa de ser uma opinião subjetiva, é claro. Se você é Robert Parker, não é Deus. Mas está claro que se o vinho recebe este reconhecimento é porque é bom.
Ele é o melhor crítico de vinhos do mundo?
Para você pode ser e para outro não. É uma opinião subjetiva. Mas não vamos nos enganar, hoje em dia, o que Robert Parker fala tem uma trancendência e influência terrível.
Qual foi a primeira safra premiada?
Meu primeiro reconhecimento de Parker aconteceu em Arcadi, com Pisón 95, quando recebi 99 pontos. O primeiro Contador, em 99, não foi avaliado, pois enviei apenas 90 garrafas para os EUA. Em 2000, foi o primeiro Contador avaliado com 98 pontos e 96 pontos para La Cueva del Contador. Em 2001, deu 98 para Contador, 97 para La Viña e 96 para La Cueva. Em 2002, os três receberam, respectivamente, 97, 96 e 95 pontos. Em 2003, deu 99 a Contador, 98 a La Viña e 96 a La Cueva. Em 2004, deu 100 a Contador, 98 a La Viña e 96 a La Cueva. Em 2005, novamente deu 100 pontos a Contador, 98 a La Viña, 97 a La Cueva e 93 a Predicador. O que marca é a nota 100, mas por trás dela há muito trabalho, uma trajetória.
Como recebeu a informação?
As duas vezes o importador me ligou.
Como isto afetou o preço do vinho e tudo mais?
Nas duas vezes recebi a informação e já não tinha mais nenhuma garrafa comigo para vender. Havia vendido tudo.
Que pena.
Vou te dizer uma coisa. O reconhecimento de Parker para mim tem duas partes. Uma de êxtase e felicidade, mas outra negativa pela especulação que se cria com o vinho. Posso entender, pois o mercado é assim. Mas não gosto do fato de um vinho que se vende a ? 100 seja remarcado para ? 600 da noite para o dia. Gosto que meus clientes ganhem dinheiro, mas não gosto da especulação.
Como deveria ser?
Deve haver um equilíbrio. Os vinhos viajam, vendidos pela Internet vão do Brasil para a Inglaterra, de lá para os Estados Unidos, de lá para a Áustria. Isto não é bom, vendo no Brasil para que se consuma no Brasil. Eu não considero um vinho vendido até que seja aberto. Porque aqui (aponta a garrafa) há meu nome. Eu sou o responsável pelo vinho até que se saque a rolha. Se um vinho viaja para cima e para baixo pode se estragar. Quero que você compre seu vinho na loja, leve para casa, tome uma garrafa, guarde as outras em sua adega e possa apreciá-las perfeitas. Quando há muita especulação, o vinho se desvirtua.
Conhece Robert Parker pessoalmente?
Não. Nunca o encontrei. Em uma ocasião recebi um convite para ir degustar com ele, mas declinei, pois tinha muito trabalho a fazer nos vinhedos.
Você tem sentido efeitos do aquecimento global?
Em certo aspecto estou muito preocupado. Estou plantando vinhas autóctones com ciclos de vida maiores, que custem mais tempo a amadurecer, como a Garnacha. Estas variedades terão Ph mais baixo e mais acidez. Pretendo, assim, equilibrar naturalmente a acidez sem o uso de ácido tartárico ou outros químicos. Vemos ano a ano menos chuvas, menos frio e mais calor. Oxalá seja um ciclo, mas estou tomando estas medidas para seguir elaborando vinhos com grande longevidade.
Como é sua preocupação com a questão natural?
Todo meu cultivo é orgânico, biodinâmico. Mas não estou em nenhuma associação de biodinâmica. Para eu ter respeito aos vinhedos, não preciso de nenhum censor. E, por outro lado, te dou um exemplo: se tenho um filho saudável, não tenho que fazer nada, apenas tratá-lo bem e deixá-lo evoluir. Mas se meu filho é doente tenho que acolhê-lo diferente e tratar dele. Se precisar, devo dar-lhe remédios, levar ao médico. Se tenho uvas sãs ou doentes é o mesmo. Para isto fui adquirir conhecimento, fui à universidade. Sem deixar de ser o primeiro a querer trabalhar meus vinhos com o mínimo de intervenção.
Você utiliza ciclos lunares neste processo. Como faz isto?
Quando comecei a trabalhar neste mundo, eu era jovem. Comecei aos 21 anos e isto me parecia uma bobagem. Mas fui me dando conta que não é. Meu pai me dizia: "vamos comparar". O primeiro uso dos ciclos lunares é na poda. Os vinhedos que preciso mecanizar, podo na lua crescente. Os ramos nascem mais verticais e com melhor aeração. Os vinhedos que estão, por exemplo, com face norte e não recebem tanto sol, podo na minguante, pois os ramos se esparramam mais e faciliatam a entrada do sol. Apesar de menor aeração, como estão face norte, recebem mais ventos e isto compensa.
E os compostos?
No tema dos adubos com matéria orgânica, estes recebem um tratamento de fermentação um ano antes de serem utilizados, pois contêm urina e esta tem amoníaco, que deve de ser eliminado para não queimar as raízes jovens. Então, quando revolvo o esterco em lua minguante, estes se tornam mais pastosos, com mais atração à terra. Se o faço na lua crescente, há mais espaços de oxigênio onde se criam fungos que, depois, vão à terra e desta para a uva.
Há mais?
Muito mais. Interfere na colheita e na elaboração do vinho. Procuro sacar o vinho dos tonéis sempre na lua minguante de janeiro a fim de ter um vinho muito mais limpo e brilhante. Normalmente, os vinhos sãos sofrem menos influência. Mas, no final, a diferenciação de um bom vinho está nos pequenos detalhes.
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