Entrevista

Un italiano vero

O entusiástico Fiorenzo Dogliani, da Batasiolo, conta as peripécias dos vinhos do Piemonte (Barolos, Barbarescos, Barberas etc) no Brasil

por Por Christian Burgos

É difícil apresentar alguém que é muito conhecido. Com Fiorenzo Dogliani acontece isso. Ele anda pelo Brasil apresentando seus vinhos e fazendo amigos desde 1976. São 35 anos nos quais poderíamos dizer que pessoas como Dogliani pavimentaram o caminho da cultura do vinho em nosso País.

E como um amigo íntimo, este italiano fala sem papas na língua e concedeu esta entrevista exclusiva em um português razoável, que nos momentos mais apaixonados dava espaço ao seu idioma natal, ao mesmo tempo que parecia que ia saltar sobre a mesa. Fiorenzo Dogliani é um representante de um tempo em que ter muitos filhos significava ter muitos braços; e muitos braços significavam muita riqueza. Ele é o gestor da Azienda Beni di Batasiolo, enquanto seus irmãos gerenciam outras empresas da família.

Nota da Redação: tomamos a "liberdade literária"
de traduzir como "caçarola" algumas das
intervenções mais apaixonadas de Dogliani.

  • Há quantos anos você vende os vinhos da Batasiolo no Brasil?
    Começamos a trabalhar no Brasil há quase 35 anos, em 1978. Tenho certeza de que trouxemos as primeiras garrafas de Barolo para o País.
  • E como começou?
    Meu antigo importador um dia nos contatou e disse: "Vi seus Barolos na França e gostaria de comprar umas caixas para o Brasil". Nos reunimos em família e dissemos: "Brasil? Bom, vamos enviar, mesmo que seja por caridade. Se perdermos tudo, perdemos..." [risos]. E hoje o Brasil é nosso terceiro mais importante mercado.
  • Batasiolo
    O problema é que, há 30 anos, os brasileiros até tomavam vinho, mas não conheciam vinho realmente. Hoje a população brasileira bebe vinhos de alta qualidade”
    Naquela época as pessoas bebiam pouco vinho no Brasil?
    Quase nada. Recordo que ninguém conhecia Barolo no Brasil. O que aconteceu aqui é maravilhoso. Naquela época, conhecia-se muito pouco de Chianti e um pouco de Bolla. O resto dos vinhos italianos não se conhecia nada.
  • E valeu a pena começar tão cedo em um país que não conhecia vinho italiano?
    Sem dúvida, isso fez com que a Batasiolo se tornasse uma marca conhecida no Brasil e ajudou as pessoas que conhecem vinho no País a conhecerem os vinhos italianos. Muitos brasileiros foram à Itália visitar nossos vinhedos, nossas caves...
  • Quando a Batasiolo começou como produtora de vinhos?
    Em 1964 começamos a exportar vinhos etiquetados com nossa marca, enviando com as primeiras etiquetas de Barolo e Barbera em todo o mundo. Hoje estamos em 68 países do mundo.
  • Qual seria o seu segredo?
    O cliente Batasiolo é um amigo. Não é um cliente somente por preço, por dinheiro... Porque o vinho ancora a lealdade ao produtor. Alguém toma uma taça de vinho, gosta e logo pergunta: "Quem faz este vinho?". E isso é importantíssimo.
  • No passado, a Batasiolo trabalhava mais os vinhos de entrada e agora o foco está mudando. Está certo?
    Agora o foco para o Brasil está nos vinhos de alta qualidade. O problema é que, há 30 anos, os brasileiros até tomavam vinho, mas não conheciam vinho realmente. Tomavam um vinho alemão doce de garrafa azul porque era fácil de beber. Hoje a população brasileira bebe vinhos de alta qualidade. De alta qualidade e, muito importante, que seja bom preço. É muito importante ter muita qualidade associada a bom preço.
  • Existe ainda muito espaço para reconhecimento de várias regiões italianas no Brasil. Como enxerga o conhecimento dos vinhos do Piemonte?
    Temos 128 hectares em produção, sendo 75 hectares apenas com Nebbiolo de Barolo, os demais com Barbera, Dolcetto, Moscato e outros. A visão do Piemonte, região de Barolo, não é Asti, não é Monferrato; a região de Barolo é Monforte d'Alba, La Morra, Serralunga d'Alba, Castiglione Falletto, Novello, que é a produção verdadeiramente de Barolo. Uma região pequena, com uma produção muito elegante para o vinho.
  • Batasiolo
    Na cantina, pode-se fazer muito, mas, se não vem da videira, não se faz nada. Esse é o problema que o mundo não entende. O vinho não é uma coca-cola. O vinho vem da na-tu-re-za”
    Sei que você tem vinhedos em algumas dessas regiões, mas por que escolheu se estabelecer em La Morra?
    Porque a Batasiolo têm nove "aziendas agrícolas". As colinas de Barolo não são todas iguais. Não é porque é Barolo que é tudo igual. As colinas são muito diferentes por causa da face ao sol, seu posicionamento e altitude. Muda o clima. Hoje temos quatro Crus single vineyard de Barolo e são muito diferentes. Sempre Barolos, mas muito diferentes, pois a terra e o clima são diferentes.
  • Dentro do Piemonte os consumidores encontram Barolo, Barbaresco, Barbera e Dolcetto. Qual a diferença de personalidade de cada um desses vinhos?
    Há muita diferença. Dolcetto é um vinho suave, fácil de beber, para tomar com antepasto, com massa. É para beber todos os dias. Um Barbera também, com um pouco mais de acidez. Um Barolo é um vinho para comer bem. Não é para tomar ao meio dia com um prato normal. O Barolo se bebe à noite, com as carnes, com a bisteca. Você pode tomar uma taça de Dolcetto, Barbera ao meio-dia. Vai muito bem! Mas você não vai tomar uma taça de Barolo ao meio-dia com um prato de massa e depois sair para trabalhar. O Barolo é um grande vinho, "um vinho de reis e o rei dos vinhos!". É um vinho diferente.
  • Fala-se muito da Denominação de Origem de Barolo...
    A DOCG é uma garantia. Não quer dizer que o vinho esteja bom, melhor ou pior. Por exemplo, tenho 180 mil litros de Barolo. Não posso engarrafá-lo simplesmente. Tenho que enviar amostras que passam por três comissões que o degustam e dizem: "Barolo 98, ok, este é 100% Barolo". Aí posso engarrafar. É uma garantia do governo ao consumidor final. Se o produto não passa pela análise da comissão, não se pode engarrafá-lo com o nome Barolo. Isso é importante.
  • Houve um aprendizado grande na Itália com o caso dos Brunellos adulterados?
    Tenho duas histórias para contar. No caso do Brunello, um grande produtor, para fazer um vinho mais fácil de ser bebido por todo mundo, ao invés de fazer um Brunello 100% com Sangiovese, utilizou Syrah, Cabernet etc. Está tudo bem em fazer um vinho distinto, mas não poderia dizer que era 100% Sangiovese. Foi uma falha muito grande. Tomando como exemplo um produtor do Piemonte: Gaja faz um vinho internacional, mas não o chama de Barolo, chama de Langhe Rosso. Porque, neste vinho, ele optou por não fazer com 100% de Nebbiolo. Justíssimo! Não se pode enganar o consumidor. "Caçarola!"
  • Batasiolo
    Dolcetto é um vinho suave, fácil de beber, para tomar com antepasto, com massa. É para beber todos os dias. Um Barbera também, com um pouco mais de acidez. Um Barolo é um vinho para comer bem. Não é para tomar ao meio dia com um prato normal. O Barolo se bebe à noite, com as carnes, com a bisteca”
    O que você acha desses vinhos?
    Acho que é fácil fazer um vinho que se bebe em todo o mundo. Você pode fazê-lo na França, Califórnia, Austrália, Chile, Argentina... Mas o desafio é fazer um vinho 100% Nebbiolo. Não pode se fazer um vinho porque é fácil de beber...
  • Agora com o abandono do termo DOCG, ficando apenas em DOC, muda alguma coisa?
    O vinho é bom quando o consumidor gosta dele, ou seja, quando, depois de tomar uma taça, você quer tomar outra - quando você experimenta e diz: "Deste vinho eu beberia uma garrafa!". Quer seja piemontês, quer seja toscano, quer seja emiliano, quer seja siciliano... Não é pela etiqueta ou pelo nome escrito na garrafa.
  • O produtor ainda é a garantia de um estilo, de um nível de qualidade?
    Lembre que o importante é a natureza. Que o bom Deus lhe manda o clima. Na cantina, pode-se fazer muito, mas, se não vem da videira, não se faz nada. Esse é o problema que o mundo não entende. O vinho não é uma coca-cola. O vinho vem da na-tu-re-za, se há sol, se há chuva, se há calor...
  • Falamos do Barolo e do Barbera, mas não falamos do Barbaresco. se o Barolo é o "rei dos vinhos", quem é o Barbaresco?
    A uva utilizada é a mesma, a Nebbiolo. A diferença está na mudança da terra, no terroir. É um terroir menos agressivo que o do Barolo, menos argiloso. Digo sempre que o Barbaresco é a fêmea do Barolo. Praticamente a mulher do Barolo. É um vinho fácil de beber, menos agressivo que o Barolo, gentil. Volto a frisar a questão das colinas, da altitude, a exposição solar.
  • O sistema de produção dentro da cantina difere entre um Barbaresco e um Barolo?
    O processo é igual. Em Batasiolo, muda que o Barbaresco é envelhecido em tonel grande, ao passo que o Barolo vai uma parte em barrica e uma parte em tonel grande de carvalho esloveno. Mas a análise correta não está no envelhecimento, está no lugar onde nasce o vinho, na videira. Barrica e tal não interessa. Bebo vinho de uva, não de madeira.
  • Hoje sentimos que os Barolos estão prontos para ser consumidos mais cedo do que antes. o que mudou?
    Para mim, voltamos às colinas. Se pego um Barolo de La Morra, é muito fácil bebê-lo mais jovem, com três ou quatro anos. Um Serralunga não. Precisa de 15 anos para bebê-lo bem. E não há problema nisso. Um Barolo de La Morra está muito bom em três anos e, se pegar um Serralunga com três anos, vou dizer: "Um pouco de tânico ainda..."
  • Você já tem uma área invejável de vinhedos em uma DoCg restrita como Barolo, onde cada hectare é avaliado em cerca de 2,5 milhões de euros. há mais vinhedos para comprar em Barolo?
    Adoraria comprar mais terra, mas não há para vender. São produzidos 10 milhões de garrafas de Barolo por ano e cada garrafa é vendida. Pouca terra para produzir Barolo é o que faz o vinho ter tanto prestígio.
  • E o que faz o nebbiolo especial?
    Nada. O que faz é a terra.

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