Dá, sim, para pensar em vinho ao lado dos tradicionais petiscos de bares
por Arnaldo Grizzo
Fim de tarde, hora do happy hour, encontrar a turma no bar para beber algo enquanto come e joga conversa fora. Mas esse “beber algo” precisa ser somente cerveja, chope ou caipirinha como estamos acostumados aqui no Brasil?
Alguns dirão que as opções são estas devido ao nosso clima ou então devido ao tipo de comida (quase sempre gordurosa) e que, por isso, o vinho não caberia. Desculpe, mas melhor rever seus conceitos.
Aqui não temos enraizada a cultura do vinho, mas passe um fim de tarde pelas tabernas de Barcelona, por exemplo, e veja o que as pessoas estão bebendo junto com suas “tapas”. Entre seus “tragos”, muitos certamente estarão desfrutando de um vinho (Jerez é um clássico, mas os estilos podem variar). O mesmo vale para os bares de Paris, Roma, Lisboa e tantas outras cidades. Ou seja, há sim muito espaço para o vinho, independentemente do tipo de comida.
Obviamente que, na maioria dos casos, não vamos optar por tintos encorpados, mas por vinhos, sejam espumantes, brancos, rosés ou tintos, mais leves, perfeitos não somente para acompanhar a comida, mas também para “sustentar” a conversa. Algo fresco, que se bebe fácil, quase sem pensar, apenas para desfrutar do humor do dia e dos sabores dos petiscos. Sendo assim, fizemos uma seleção de algumas iguarias típicas de botecos brasileiros e sugerimos vinhos para acompanhar.
Onipresente, a coxinha é o quitute mais famoso dos bares e padarias do Brasil.
A origem é incerta, há lendas sobre o preparo ter sido feito na época do império brasileiro, mas independentemente de onde veio, o que importa é seu status atual, que beira o cult. Além das tradicionais coxinhas de frango, há uma infinidade de novos recheios de acordo com o gosto dos fregueses e também, é claro, dos chefs que as preparam.
Nem é preciso dizer que essa massa frita vai ficar melhor se acompanhada de um belo espumante. Seja eclético, você pode experimentar a lado de um leve Prosecco, mas também de um Brut nacional, ou ainda um Cava, quem sabe um Crémant, talvez um Sekt (espumante alemão). As opções são variadas.
Este espumante elaborado pelo método Charmat (6 meses de maturação) é composto majoritariamente a partir de Chardonnay. No mesmo estilo fácil de beber e de agradar dos espumantes da marca. Leve, descompromissado e refrescante, tem boa acidez, textura cremosa e final com toques cítricos e de maçãs.
Impossível resistir, não é mesmo?
Só de ver aquela pele crocante, geralmente com um pouco de carne e gordura do porco, já dá para sentir água na boca. Torresmo (ou chicharrón como chamam os espanhóis) é uma tradição que remonta aos tempos da colonização e escravidão, e é uma iguaria que se alastrou por aqui. Ele vem ganhando variações e novos preparos ultimamente, mas sua essência ainda é o toucinho frito.
Espumante? Sim, mas aqui podemos partir para brancos também, muito frescos, especialmente os sem madeira, talvez um Chardonnay. Se você quiser um tinto, pode acompanhar com um leve Gamay ou ainda um fresco e saboroso Chianti.
Este100% Chardonnay, sem passagem por madeira, traz nariz intenso e de boa tipicidade, com aromas de frutas tropicais e brancas, florais e de ervas. Tem bom volume de boca, textura cremosa, acidez afiada e persistência média, com toques cítricos e de abacaxi.
Prato típico dos bares brasileiros, o frango cortado em pequenos pedaços e frito – e por isso conhecido como frango à passarinho –, é também um quitute bem gorduroso, de sabor intenso, especialmente devido às peles que são fritas junto com a carne. Há quem acrescente alho e outros temperos, como maionese ou molho tártaro para acompanhar.
Toda essa untuosidade (que fica inclusive nos dedos das mãos) vai clamar por um branco de extremo frescor e leveza. Vamos pensar obviamente em Riesling ou ainda em Pinot Gris, mas não podemos nos esquecer dos saborosos Chenin Blanc, geralmente com seus toques cítricos.
Este 100% Chenin Blanc, sem passagem por madeira, mas mantido em contato com as borras finas por alguns meses, é cativante e de boa tipicidade. Num estilo mais vertical e refinado, chama atenção pela textura firme e tensa, pela acidez vibrante e pelo final persistente, com toques salinos e cítricos.
Outra “especialidade” dos botecos brasileiros, a calabresa frita com cebolas é um dos acompanhamentos mais pedidos no happy hour pelo país. Um prato simples e geralmente para ser compartilhado, saboreando a linguiça com pão ou ainda vinagrete, ou ao natural.
Pode-se optar por espumantes, com certeza, mas a pungência da calabresa vai abrir possibilidades para tintos (um pouco de tanino para equilibrar) como um Malbec, ou ainda um Tempranillo, quem sabe um Cabernet Franc. A pegada gastronômica (combinação de acidez e taninos) de um Chianti também deve fazer um belo par.
Este clássico é composto de 85% Sangiovese, 10% Canaiolo e 5% Cabernet Sauvignon, com estágio de 24 meses em botti de carvalho do leste europeu. Mostra ameixas e cerejas maduras, taninos firmes e granulados e acidez refrescante, que trazem sustentação ao aporte de madeira e a sua fruta madura.
Há quem diga que a origem do bolinho de arroz seja japonesa, outros afirmam ser italiana.
Mas independentemente de onde surgiu esse petisco, a verdade é que ele faz sucesso tanto nos bares quanto em casa (quem não pega as sobras de arroz da semana e não faz um bolinho?). Não tem muito segredo, basta juntar o arroz com farinha e queijo (salsinha também) e fritar. Há quem coloque recheios, quem desfrute junto com molhos variados...
Mas uma boa companhia para os bolinhos de arroz podem ser alguns brancos mais herbáceos, tais como um Sauvignon Blanc, um Viognier ou ainda um Trebbiano.
Este blend de 90% Viognier e 10% Chardonnay, com estágio de 3 a 6 meses em contato com as borras em tanques de aço inoxidável é franco e fragrante, apresenta frutas de caroço e cítricas maduras, floral e ervas. Tem acidez vibrante, deliciosa textura e final fresco e agradável.
Esse prato nasceu em São Paulo. É uma das criações mais emblemáticas do chef Rodrigo Oliveira, um fenômeno da cozinha com seu restaurante Mocotó.
Seus dadinhos de tapioca hoje são mundialmente copiados. Crocante por fora, macio por dentro e com o sabor inconfundível do queijo de coalho.
Os dadinhos fazem uma gostosa combinação com alguns brancos clássicos como os Vinhos Verdes, com sua refrescância a toda prova. Mas também casariam com um aromático Torrontés. Por fim, ouse no melhor estilo espanhol e vá com um Jerez.
Elaborado exclusivamente a partir da uva Loureiro, cultivadas na sub-região de Lima, com fermentação e posterior estágio de 6 meses em barricas borgonhesas usadas. Tenso e vibrante, impressiona pelo volume de boca, pela textura cremosa e pela acidez elétrica. Muito gostoso de beber, tem final com toques de limão siciliano.
Não tem uma feira livre no Brasil que, ao meio dia, não fique lotada de gente ao redor das barracas de pastéis.
E haja sabor de recheio diferente. Da carne ao cará, do queijo ao angu. A lista é quase infinita. Mas, enfim, não tem quem não se delicie com um pastelzinho, seja ele na feira ou no boteco.
E para acompanhar, em vez do caldo de cana (talvez não seja mesmo a melhor harmonização), vamos de espumantes – melhor se for brasileiro e, quem sabe, um rosé. Também pode-se optar por um leve Alvarinho ou ainda um refrescante Gruner Veltliner, ou algum branco de mesmo estilo.
Elaborado pelo método Charmat, este é um blend de 40% Pinot Noir, 40% Chardonnay e 20% Riesling Itálico. Mostra notas terrosas, de ervas secas e de especiarias envolvendo sua fruta vermelha de perfil mais maduro e de maior sensação de dulçor, com sua ótima acidez e sua textura firme e cremosa trazendo equilíbrio ao conjunto. Tem final agradável e cativante, com toques cítricos e de morangos.
Seria essa uma invenção brasileira? Talvez não.
O bolovo parece ser uma versão do “Scotch Egg”, ou “Ovo à Escocesa”, um salgado típico da Grã-Bretanha. Ele é feito com um ovo cozido coberto por carne moída, empanado e frito. É um petisco quase tão comum quanto os fish and chips nos bares ingleses. Aqui no Brasil também é um dos queridinhos.
Essa mistura de carne com ovo não é das harmonizações mais fáceis, mas pode ser equilibrada pela acidez de um espumante, assim como um rosé de bastante presença, sem deixar de lado o frescor. Por último, se o ovo não tiver gema mole, dá até para arriscar tintos leves.
Elaborado exclusivamente a partir de Malbec, sem passagem por madeira, é refrescante e gostoso de beber, mostra notas florais e de ervas envolvendo sua fruta vermelha e branca de perfil mais fresco. De corpo médio, tem acidez vibrante, textura cremosa e final atrativo, com toques cítricos e salinos.
Frituras. Não tem quem não se renda a elas. Batatas, polentas, mandiocas fritas estão em todos os cardápios de botecos e fazem sucesso, independentemente de receitas mais ou menos elaboradas, e acompanhamentos etc. Aquela crocância, contrastando com o interior macio, é irresistível.
Para acompanhar com vinho, a escolha óbvia seriam os espumantes. Mas não somente os secos. Aqui você pode desfrutar, sem receios, daquele Moscatel, por exemplo. Mas se prefere manter a “crocância”, vá com um típico Vinho Verde. Outra boa alternativa de aporte de acidez é um Sauvignon Blanc sem passagem por madeira.
Corte de Verdejo e Sauvignon Blanc, sem passagem por madeira, é um vinho que exibe frutas brancas e cítricas maduras, ervas e florais. Tem acidez afiada, gostosa textura e final médio/longo e refrescante, com toques de toranja e de flor de limoeiro.
Uma moda que pegou. A carne frita sobre uma chapa quente, direto na mesa, também virou um must dos cardápios de todos os bares pelo país. O conceito todo é muito simples: jogar a carne sobre a chapa de ferro quente e esperar assar. Apesar de a picanha ser o corte mais pedido, pode-se variar com outros, como filé mignon, fraldinha, ancho etc.
E como estamos quase diante de um churrasco, por que não harmonizar com um suntuoso tinto? Malbec é a primeira variedade que vem à mente, mas tente outras também refrescantes como Cinsault ou ainda um blend no melhor estilo bordalês.
Elaborado exclusivamente a partir de um blend de uvas Malbec advindas de Luján de Cuyo e do Vale do Uco, fermentadas 40% em cachos inteiros sem leveduras exógenas, com estágio de 18 meses em barricas novas e usadas de carvalho francês. Fluido e gostoso de beber, chama atenção pela textura fina e firme de seus taninos e pela refrescante acidez. Tem final cheio e persistente, com toques especiados, de violetas e de ameixas.
Diz-se que esse é um prato tipicamente brasileiro apesar de as origens serem bastante incertas.
A casquinha de siri é basicamente na carne refogada do siri em combinação com outros ingredientes para formar uma espécie de massa extremamente delicada e saborosa. O prato leva esse nome porque é servido dentro da carapaça do siri.
E nada melhor do que apreciar essa iguaria à beira mar provando um Alvarinho, por exemplo. Outros vinhos com tons salinos como Riesling ou Chenin podem fazer pares extraordinários com essa receita.
Este 100% Riesling, com uvas cultivadas no Vale de Osorno, na Patagônia chilena, é franco e de boa complexidade, mostra aromas de frutas brancas e cítricas, florais, ervas e químicos. Tem bom volume de boca, vigorosa acidez, textura cremosa e final longo, com toques salinos e de limão siciliano.
Diz que a receita “original” é feita com um purê de mandioca, que “esconde” um refogado de carne seca, e é gratinado com manteiga de garrafa e queijo coalho. Mas a verdade é que o escondidinho já possui uma infinidade de variações e recheios. Caso você opte por um que “esconde” algum tipo de carne, aproveite para acompanhar com tintos leves.
Uma boa opção de harmonização para o recheio de carne seca com pimentão seria um Carménère, por exemplo, que vai casar tanto nos sabores quanto nos aromas. Mas invista ainda em Merlot ou quem sabe em um Barbera.
Este 100% Carménère, com estágio de 18 meses em barricas de carvalho francês. Mesmo num ano mais quente em Cachapoal, como foi o de 2019, mostra notas florais e de ervas envolvendo sua fruta vermelha e negra madura no ponto certo, tudo sustentado por refrescante acidez e taninos firmes e de boa textura. Tem final persistente, fluido e gostoso de beber, com toques terrosos e de ameixas.
Esse “antipasto” italiano se popularizou no Brasil e é encontrado como aperitivo em milhares de bares e restaurantes devido à facilidade com que é preparado (era uma comida camponesa) e também pela variedade de “toppings” que essa fatia de pão tostada pode receber. Há quem diga que as bruschettas originais são de tomate. Outros dizem que são apenas com azeite e azeitona. Outros acrescentam queijos. Outros, embutidos.
Diante de tantas opções, e caso você peça um mix, opte pelo ecletismo de um espumante, talvez um belo Champagne. Outra pedida bem eclética é um rosé. Entre os brancos, pode ir para os italianos com Pinot Grigio e Roero, por exemplo.
Este extra brut é composto de uvas 60% Chardonnay e 40% Pinot Noir advindas somente de vinhedos premier e grand cru, mantido por, pelo menos, 3 anos em contato com as leveduras. Mostra harmonia entre cremosidade, frescor e fruta, com as notas tostadas e de especiarias doces. Gostoso de beber, tem acidez vibrante, ótima textura e final profundo.
O queijo é de origem italiana, mas a ideia de empanar e fritar talvez não tenha vindo da Itália. De qualquer forma, esse é outro petisco que “pegou” nos botecos brasileiros. A receita é simples, basta cortar e empanar o queijo, e depois fritar. Há quem use outros queijos sem ser o provolone, mas não tem problema.
A crosta crocante e o recheio derretido trazem à imaginação algo efervescente, um lindo espumante, não é mesmo? Mas você também pode aproveitar a gordura do queijo para combinar com alguns tintos bem leves e frescos. Experimente um Pinot Noir ou qualquer outra casta que tenha um corpo não tão intenso e privilegie a acidez frutada.
Este 100% Pinot Noir é feito com uvas cultivadas em solos de origem vulcânica, com estágio de 14 meses em barricas usadas de carvalho. Esbanja frutas vermelhas frescas e crocantes, como cerejas e groselhas, seguidas de notas florais, especiadas e de ervas secas. Austero e vertical, chama atenção pelos taninos firmes e tensos, pela pulsante acidez e pelo final persistente.
Boteco à beira mar sempre vai ter uma porção de peixe ou frutos do mar fritos. Há ainda os que investem nas influências portuguesas e apresentem um irresistível bolinho de bacalhau. Mas, enfim, todas essas “fritadas” com peixes pedem vinhos de grande refrescância, com toques cítricos e salinos de preferência.
Experimente algo da região dos Vinhos Verdes, mas não se prenda ao local, pois há diversos brancos portugueses com esse tipo de caráter fresco, do Douro ao Alentejo. Para quem aprecia a influência espanhola, vale um Albariño ou ainda um Jerez.
Composto de Antão Vaz e Viosinho, fermentadas em tulipas de cimento e lá mantido por 4 meses em contato com suas lias. Entre as melhores, senão a melhor safra desse vinho até o momento, esbanja frutas brancas e de caroço maduras seguidas de notas florais, de ervas e de especiarias doces, tudo sustentado e equilibrado por ótima acidez, textura firme e cremosa e final médio/longo, com toques salinos, de pêssegos e de limão siciliano.