A proximidade física com a Toscana faz com que os vinhos Sangiovese da Romagna sejam frequentemente comparados com seus vizinhos. Mas eles têm estilo e vigor próprios
por Silvia Marcella Rosa
A Emilia-Romagna é, na verdade, a combinação de duas regiões que se distinguem muito pelo que produzem. A Emilia, mais ao norte e em direção dos Apeninos e da Lombardia, é conhecida pelas denominações de origem para produtos alimentícios. A Romagna, mais ao sul com um território que termina no mar Adriático, é a região dos vinhos mais elaborados e elegantes, cujas terras já pertenceram em parte à Toscana, sua vizinha ao sul.
Essas terras, em algumas zonas bastante férteis e, em outras, um pouco mais pobres, permitindo o cultivo das vinhas, produzem um tinto da Sangiovese muito apreciado pelos italianos, embora pouco conhecido dos estrangeiros, que faz dele o acompanhamento perfeito para a gastronomia da região, a mais rica de toda a Itália.
Foi Benito Mussolini quem alterou o mapa da Itália e separou as terras da Romagna das da Toscana, na década de 1920, criando um problema de identidade para os vinhos da região.
As uvas Sangiovese plantadas em ambas as zonas têm uma raiz comum na região entre Florença e Bologna, mas, com o passar dos anos, os toscanos foram fazendo seleções de clones até descobrirem os que melhor se adaptavam ao seu território, menos fértil e mais pedregoso, e chegarem aos especialíssimos Brunellos de Montalcino (preparados à partir da variedade Sangiovese Grosso).
Durante muito tempo os toscanos acreditavam que a variedade usada na Romagna era inferior, mas as pesquisas dos ampelógrafos descobriram que a variedade de grãos mais delicados (Sangiovese Piccolo) da zona mais ao norte era ainda mais característica da cepa do que alguns clones toscanos. A grande diferenciação de qualidade devia-se ao tratamento dado às uvas e ao terroir onde elas estavam inseridas.
Foi em meados da década de 1960 que a Romagna começou a levar seus vinhos mais a sério (como já faziam os vizinhos do sul) e criou, em 1962, o Consórcio dos Vinhos da Romagna. Sob suas regras estão nove cooperativas, 87 produtores e mais sete empresas. Com esse trabalho eles conseguiram que, em 1967, seus vinhos obtivessem uma Denominação de Origem Controlada.
Estão inseridos nela os vinhos feitos com as uvas Sangiovese cultivadas desde as colinas de Imola, no extremo oeste, até o extremo leste, na cidade de Rimini, que inclui as províncias de Bologna, Ravenna, Forli-Cesena e a própria Rimini.
Os vinhos produzidos nessas regiões seguem regulamentos que não permitem a utilização de outras uvas além da Sangiovese em razão superior a 15%, a produtividade máxima de 11 toneladas por hectare (que pode ser muito menor de acordo com o estilo do vinho) e a classificação em três tipos, o Novello (vinho jovem com, ao menos, 50% de maceração carbônica), o Superiore e o Riserva.
Ao longo das décadas, mas mesmo com todo o controle e fiscalização implementados pelo Consórcio, os bons vinhos da Romagna ainda não conseguiam atingir o potencial que seus produtores sabiam que eles tinham.
Assim, nasceu em 2001 o "Convito di Romagna", uma espécie de consórcio voluntário e auto-patrocinado que une oito produtores comprometidos com a alta qualidade dos produtos. Os participantes são as vinícolas Calonga, Drei Donéa (Tenuta La Palzza), Fattoria Zerbina, Stefano Ferrucci, Poderi Morini, San Patrignano, San Valentino e Tre Monti, que entenderam que, para uma área de produção ser valorizada, é preciso que os produtores estejam unidos com propósito comum.
Quem assumiu a presidência desse Convito em 2008 foi o jovem Enrico Drei Doná, que também dirige a Associação dos Jovens Empreendedores do Vinho Italiano.
Sua família é uma das que têm vinhedos na área que já pertenceu à Toscana e sua luta, hoje, é para que os vinhos da uva Sangiovese di Romagna sejam reconhecidos pelo mercado: "Nos últimos anos, o nosso vinho tinto vem atingindo sua máxima expressão e construindo sua nova identidade. Nosso desafio é aumentar a qualidade e fazer com que isso seja percebido pelo mercado", explica Doná.
Da mesma forma que o Convito di Romagna vem trabalhando para reforçar a imagem e controlar a qualidade dos vinhos produzidos com a Sangiovese, o Consorzio Vini di Romagna resolveu estreitar ainda mais as suas regras, e também reposicionar a DOC, mudando-a de nome a partir da colheita de 2011, quando passou a se chamar Romagna Sangiovese.
Segundo o presidente do consórcio, Giordano Zinzani, esta nova safra também selecionará e controlará os vinhos de 12 novas sub-regiões, que serão chamadas de Menções Geográficas Adjuntas.
"Percebemos que a região da Romagna cresceu e se diferenciou desde que a DOC foi constituída em 1967, assim as sub-regiões vêm exaltar essa diferenciação e impor novas regras de controle", explica Zinzani.
Todo o trabalho que vem sendo feito na região é não somente para marcar as diferenças que a região tem da vizinha Toscana, mas principalmente para sepultar definitivamente a imagem de que os Sangiovese da região são vinhos de alto volume, que não suportam o envelhecimento e ideais para consumidores que não prestam atenção ao que bebem.
O olhar zeloso da enóloga Cristina Geminiani, provavelmente a mais discreta e festejada produtora de Sangiovese di Romagna, se espalha pelos 80 hectares de vinhedos e oliveiras comprados pelo avô há mais de 50 anos.
A Fattoria Zerbina ocupa uma área de cultivo de uvas de mais de 200 anos, que, segundo Cristina difere da Toscana por conta da proximidade do oceano, da maior fertilidade da terra menos pedregosa e do manejo cuidadoso dos cinco clones que vêm sendo testados por ela nos últimos cinco anos.
Cuidadosa, Cristina e seu marido, Alessandro Magnetti, utilizam mapas dos vinhedos que mostram cada videira como um ponto colorido e, durante o período de colheita, vão fazendo marcações para saberem exatamente quais uvas serão colhidas a cada dia. "Nosso Sangiovese é diferente, mais frutado, de estrutura mais leve e, algumas vezes, com taninos mais desenvolvidos", explica Cristina.
Ela conta que, nos últimos anos, as mudanças climáticas já têm marcado seus efeitos nos vinhos da região, que sofrem com as altas temperaturas, por vezes deixando as uvas sobremaduras e pouco vivazes, característica muito apreciada para vinhos normalmente mais ácidos, mesmo que encorpados. Mas, se os tintos correm riscos com essa mudança, os brancos ganham.
A única DOCG da Romagna, reconhecida desde 1987, é precisamente de um vinho branco, da uva Albana que, na Fattoria Zerbina se traduz por um branco de uvas passificadas de nome Scacco Matto. A uva dessa DOCG é 100% Albana e os vinhos podem ser secos, meio-secos, doces ou passificados.
Na mesma região também existe uma DOC para os vinhos brancos (tranquilos ou espumantes) feitos com a uva Trebbiano. Obtida em 1973, essa DOC só agora começa a mostrar vinhos com mais expressão, de uma uva que é bastante utilizada em mesclas e pode ser bem discreta nos aromas. A vinícola Tre Monti é uma exceção, pois produz um Trebbiano chamado Vigna Rio, com grande vigor e aromas florais e cítricos bem apresentados.
Nos últimos seis anos, a cooperação entre o Convito di Romagna, o Consórcio de produtores e a Enoteca Regional da Emilia-Romagna tem resultado num evento que atrai atenções de compradores e jornalistas de vários países. O Vini ad Arte é realizado dentro do Museu de Cerâmica da cidade de Faenza e reúne produtores da Romagna (neste ano foram 35) que apresentam não somente seus vinhos de Sangiovese e de Albana, mas também de outras variedades internacionais e locais, como a Longanesi e a Centesimino.
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