O composto do vinho

O que se sabe sobre o resveratrol e seus potenciais benefícios? Ele seria a resposta para tudo?

Muitas pesquisas chegaram a um composto que até hoje é considerado uma das chaves para a boa fama da bebida: o resveratrol. Mas ele age sozinho?

O resveratrol é encontrado em diversas plantas e frutas, incluindo uvas
O resveratrol é encontrado em diversas plantas e frutas, incluindo uvas

por Arnaldo Grizzo

Pesquisas médicas quase sempre abordam hábitos de consumo dos pacientes para tentar inferir alguma tendência, encontrar explicações para possíveis desenvolvimentos de doenças, assim como descobrir os porquês de algumas pessoas viverem mais do que outras e de forma mais saudável.

Se antes os marcadores eram mais amplos, baseando-se apenas em um alimento genérico (tipo leguminosas, por exemplo), cada vez mais foi-se diminuindo o escopo (para soja, por exemplo) até chegar a compostos moleculares específicos encontrados nesses alimentos. 

No caso do vinho, esse movimento foi bastante notório. As pesquisas envolvendo a bebida geralmente a ligavam à um tipo de alimentação, ou seja, a dieta mediterrânea e o Paradoxo Francês (estudo dos anos 1980 que demonstrou que a dieta rica em frutas, castanhas, vegetais, azeite, vinho etc. estava vinculada à maior longevidade). Com o tempo, o vinho foi isolado nessa equação e mostrou que tinha seus benefícios específicos. Mais adiante, separou-se alguns elementos, como o álcool – o que, de certa forma, levou a alguns resultados contrastantes (mas com o consumo moderado quase sempre sendo mais indicado do que abstinência e excesso). Até que estudado de maneira ainda mais específica, apontaram-se os compostos fenólicos e, mais detalhadamente ainda, somente a atuação de alguns deles. 

E nessa busca em descobrir o porquê dos benefícios do vinho à saúde, muitas pesquisas chegaram a um composto que até hoje é considerado uma das chaves para a boa fama da bebida: o resveratrol. Ele, obviamente, não age sozinho, mas, segundo diversas pesquisas, tem um papel fundamental, tanto que vem sendo isolado e administrado em vários testes para compreender melhor sua atuação e como ela pode ajudar no tratamento ou até mesmo prevenir algumas doenças. Sendo assim, nós também vamos analisar mais de perto esse composto.

O que é?

O resveratrol é um composto quimicamente conhecido como estilbenoide, que é uma fitoalexina, ou seja, para facilitar, um composto químico com propriedades antimicrobianas produzidos pelas plantas quando sob ataque. As fitoalexinas exercem múltiplas atividades e têm efeitos anti-inflamatórios, antiproliferativos e antioxidantes. O resveratrol foi isolado pela primeira vez em 1939 das raízes do heléboro branco (Veratrum grandiflorum). Essa é uma planta medicinal perene e venenosa encontrada principalmente na Ásia. E, presumivelmente, o resveratrol recebeu seu nome pelo fato de ser um derivado do benzeno-1,3-diol resorcinol e isolado da espécie Veratrum. Mais adiante, ele foi isolado de várias outras plantas e frutas, e seus derivados, como o vinho, por exemplo. 

O resveratrol é um composto químico com propriedades antimicrobianas produzidos pelas plantas quando sob ataque
O resveratrol é um composto químico com propriedades antimicrobianas produzidos pelas plantas quando sob ataque

Mas o grande momento do resveratrol ocorreu quando se descobriu que os compostos fenólicos, como os estilbenos, têm propriedades antioxidantes e de eliminação de radicais; e isso foi ligado à pesquisa do Paradoxo Francês. Mais tarde, assumiu-se que o consumo moderado de vinho tinto por um período de tempo pode proteger contra doenças cardíacas e ser a causa desse achado paradoxal. A partir daí, novos estudos foram sendo realizados e descobriu-se a ligação do composto com a menor incidência de alguns tipos de câncer, prevenção de diabetes e doenças neurodegenerativas ligadas ao envelhecimento, por exemplo. 

De repente, o resveratrol parecida ter se tornado a resposta para tudo e uma série de estudos passaram a ser feitos com base nos seus possíveis benefícios à saúde humana de forma geral. No entanto, com o tempo, a maioria das atividades terapêuticas ainda não foi confirmada em ensaios clínicos. Ou seja, os cientistas acreditam que o composto tem uma função primordial, mas, em vários casos, ainda não conseguiram descobrir exatamente o mecanismo de funcionamento. 

Resveratrol no vinho

O resveratrol é encontrado em diversas plantas e frutas, incluindo uvas, framboesas, mirtilos, ameixas e amendoins. As concentrações mais altas são encontradas numa erva japonesa conhecida como Polygonum japonicum. Isso inspirou os cientistas a estabelecer uma série de estratégias para isolamento e purificação de até 1 g de resveratrol a partir de 100 g de extrato. Além do resveratrol purificado, extratos de outras plantas também são comercializados como suplementos e são geralmente feitos de vinho tinto ou extratos de uva. Variedades de uvas e vinhos tintos contêm cerca de 3 a 10 vezes mais resveratrol do cepas brancas. 

Vale apontar que o resveratrol tem dois isômeros, cis e trans, ou seja, compostos que têm a mesma fórmula molecular, mas são estruturalmente diferentes. Nas uvas, ambos são sintetizados quase inteiramente na casca. Uma enzima é ativada por fatores de estresse como luz UV, sinais químicos de fungos patogênicos etc., liberando o composto. Portanto, o teor de resveratrol pode diferir significativamente entre países, áreas de cultivo e safras, e também métodos de produção. Apesar dessa variação, a concentração de cis-resveratrol é geralmente proporcional à concentração de seu isômero trans. O vinho tinto pode conter aproximadamente 1,9 ± 1,7 mg de trans-resveratrol/L. 

Como a concentração de resveratrol nos alimentos é altamente variável, é difícil estimar a ingestão média diária. Mas, um estudo espanhol apontou que a ingestão alimentar média estimada de resveratrol e seu principal glicosídeo, transpolidatina piceid, é de 100 e 933 μg/d, respectivamente, e as principais fontes na vida cotidiana são os vinhos (98,4%) e as uvas ou sucos de uva (1,6%). 

Dosagem

Desde que o resveratrol foi apontado como uma espécie de “vitamina”, uma série de medicamentos foram sendo desenvolvidos e lançados no mercado como “soluções mágicas”. As recomendações para o consumo diário de resveratrol vêm sendo baseadas principalmente na controversa conversão de dosagem animal para humano. Sem estudos mais aprofundados sobre quantidades, muitos rótulos de fármacos apontam sugestões de ingestão diária bastante altas. As quantidades recomendadas (1 g/d) geralmente equivalem a uma dosagem de 12,5 mg/kg de peso corporal de um adulto de 80 kg, por exemplo. Essas concentrações são justificadas por extrapolações grosseiras de experimentos com animais. 

Variedades de uvas e vinhos tintos contêm cerca de 3 a 10 vezes mais resveratrol do cepas brancas
Variedades de uvas e vinhos tintos contêm cerca de 3 a 10 vezes mais resveratrol do cepas brancas

Estudos mostraram que o consumo de resveratrol em uma faixa diária de 700-1000 mg/kg de peso corporal é bem tolerado. Com base nessas e em outras descobertas, alguns apontam que uma dosagem diária de 1 g/d seria “eficaz”. Todavia, pesquisas indicam que uma dose ideal de resveratrol ainda não foi estabelecida para humanos apesar de relatórios descrevem os benefícios terapêuticos e de promoção da saúde. Aponta-se que a maioria das atividades benéficas terapêuticas só foi estabelecida, até o momento, em cultura de células ou em modelos pré-clínicos. Ou seja, há ainda um bom caminho para estabelecer dosagens para possíveis tratamentos com resveratrol, mesmo sabendo dos seus possíveis ganhos. 

Mas, tomando por base a medida de 1 g/d, por exemplo, sem “suplementação” seria possível alcançar isso somente com a ingestão de alimentos? Baseando-se na dieta mediterrânea e nas possíveis concentrações de resveratrol (lembrando que elas podem variar bastante) nos alimentos, não é possível absorver a dose recomendada através da absorção de quaisquer nutrientes ou combinações deles, caso não sejam ingeridos em quantidades que vão muito além do que, em teoria, um humano deveria consumir por dia. Isso inevitavelmente levanta a questão: como os cientistas justificam o paradoxo francês apenas bebendo vinho tinto ou consumindo outros alimentos ou bebidas ricos nesse composto? 

Caminhos

Os cientistas sabem que muitos dos alimentos contêm compostos moleculares mais elevados (como o citado glicosídeo transpolidatina piceid, por exemplo), que geralmente ocorrem em altas concentrações e mostram potência semelhante ou, às vezes, maior em cultura de células e estudos em animais. Mas, infelizmente, o conhecimento sobre esses fatores ainda é baixo e as propriedades farmacológicas desses compostos são desconhecidas. Daí a necessidade de mais estudos para compreender certos mecanismos. 

Outro ponto importante a ser citado é que pesquisas mostraram consistentemente que a disponibilidade do resveratrol após a ingestão oral é bastante baixa, ou seja, talvez a complementação com suplementos não seja a forma mais eficaz de garantir a “quantidade diária ideal”. Ainda hoje, um dos principais desafios na pesquisa do resveratrol é determinar se os efeitos de promoção da saúde observados em modelos pré-clínicos são transferíveis para os seres humanos. É esse, no entanto, o caminho que está sendo trilhado e futuramente saberemos se o resveratrol é mesmo o composto “mágico” que tanto se propagou. As respostas parecem cada vez mais próximas. 

Possíveis efeitos benéficos do resveratrol 

Baseados na pesquisa Resveratrol: How Much Wine Do You Have to Drink to Stay Healthy?, de Sabine Weiskirchen e Ralf Weiskirchen.

Doenças cardíacas

Há vários estudos apontando os efeitos benéficos do resveratrol na melhora da disfunção cardíaca, insuficiência, calcificação e sobrecarga pressórica, bem como na atenuação da hipertrofia miocárdica em virtude de suas atividades antioxidante, anti-hipertensiva e vasodilatadora coronariana.

Câncer de mama

O impacto do resveratrol no câncer de mama é controverso. Embora algumas pesquisas tenham mostrado que a suplementação de resveratrol preveniu a carcinogênese mamária, outros estudos descobriram que baixas concentrações de resveratrol promoveram câncer de mama. Mas, em geral, estudos mostram que o resveratrol diminui a proliferação de células de câncer de mama. 

Homeostase óssea 

Viu-se efeitos favoráveis do resveratrol na homeostase óssea. Em um estudo, ele induziu a osteogênese, preveniu a osteoartrite e neutralizou a perda óssea relacionada à idade. Dados sugerem que o resveratrol medeia a construção óssea por estimulação de atividades osteoblásticas e inibição de atividades osteoclásticas.

Pâncreas e metabolismo da glicose

Estudos com camundongos sugerem que este polifenol pode ser útil no tratamento do diabetes tipo 2, protegendo contra a disfunção das células pancreáticas. Em humanos, há relatos que mostraram que o resveratrol melhora a homeostase da glicose, diminui a resistência à insulina e os distúrbios metabólicos, sugerindo que ele tem potencial para tratar o diabetes.

Sistema renal 

Com relação ao rim, estudos mostraram que o resveratrol atenua a lesão renal, fibrose, toxicidade indesejada de drogas e danos oxidativos e associados ao diabetes. O resveratrol potencializa a sinalização da vitamina D e do receptor nuclear, possivelmente elucidando uma possível via molecular da atividade do composto. 

Sistema visual

Efeitos positivos foram relatados nos olhos, com o resveratrol protegendo o cristalino e o epitélio da córnea, bem como as células fotorreceptoras da retina, de complicações diabéticas e outros tipos de danos. Sugere-se que o resveratrol é uma droga potencial adequada para o tratamento da vitreorretinopatia proliferativa, uma doença marcada por descolamento de retina e trauma ocular. 

Fertilidade

Com relação aos ovários, o resveratrol demonstrou ser uma terapia eficaz para condições associadas ao excesso de andrógenos, protegendo assim contra o declínio da fertilidade dependente da idade, aumentando a reserva folicular ovariana, a expectativa de vida ovariana e prevenindo a apoptose do oócito. Outros relatos mostraram que o resveratrol restaura a função erétil em modelos experimentais de ratos com diabetes. 

Sangue

A atividade do resveratrol é útil na prevenção da ativação indesejada de plaquetas humanas durante o armazenamento para fins de transfusão. Um estudo mostrou que as plaquetas humanas tratadas com resveratrol liberaram menos tromboxano B2 e PGE2 do que as plaquetas de controle, mostraram diminuição da apoptose plaquetária no armazenamento e tiveram uma meia-vida mais longa após a transfusão.

Sistema pulmonar

Nos pulmões, o resveratrol demonstrou ser eficaz na prevenção de disfunção, fibrogênese, crescimento de câncer e apoptose celular induzida por lesão e ainda na exibição de efeitos antiasmáticos e na modulação da atividade de enzimas metabolizadoras de drogas. 

Neuroproteção 

Vários efeitos neuroprotetores do resveratrol foram relatados ao longo dos anos, incluindo proteção contra danos neuronais e toxicidade de amônia, anulação da depressão, melhora da disfunção cognitiva e aumento da capacidade de aprendizado espacial e memória. Acredita-se que resveratrol é uma substância neuroprotetora com potencial terapêutico e os efeitos são duradouros, protegendo contra danos cerebrais, reduzindo o volume do infarto e melhorando a perda de mielinização. Diversas pesquisas ligam sua atuação com prevenção do Alzheimer, por exemplo.

Sistema hepático

Estudos investigaram o potencial terapêutico do resveratrol em modelos de doença hepática. Experimentalmente, há indicações claras de que o resveratrol melhora o acúmulo de lipídios hepáticos e a progressão da esteato-hepatite não alcoólica pela regulação negativa das vias de sinalização inflamatória e regulação da autofagia. Embora achados possam sugerir que o tratamento com resveratrol tem atividades preventivas, mas não curativas na patogênese das doenças hepáticas, a suplementação diária com 500 mg de resveratrol por 12 semanas melhorou os resultados em um ensaio clínico randomizado. Foi demonstrado que o resveratrol protege o fígado da lesão mediada pelo ferro, que é causadora da formação de doenças adquiridas e genéticas por sobrecarga de ferro. O potencial terapêutico do resveratrol também foi comprovado com sucesso em modelos de câncer colorretal e de próstata. 

Músculo

Vários estudos independentes encontraram efeitos favoráveis do resveratrol na função muscular e lesões. Em experimentos, o composto preveniu as manifestações de danos patológicos induzidos por compressão e melhorou danos oxidativos. Da mesma forma, a ingestão dietética combinada de 500 mg de resveratrol e 10 mg de piperina por 4 semanas mostrou aumentar a capacidade mitocondrial do músculo esquelético após treinamento de exercícios de baixa intensidade. Estudos também indicam que o resveratrol é um suplemento para aumentar o crescimento de animais em diferentes ambientes agrícolas. 

Pele

A administração tópica de resveratrol é uma via de aplicação conveniente para o tratamento de diferentes distúrbios cutâneos. O resveratrol é conhecido por seus efeitos benéficos na terapia de doenças proliferativas da pele e é um eficiente agente anti e fotoenvelhecimento. 

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