Vinho na antiguidade

"O vinho romano tinha gosto de especiarias e frutas secas"

Arqueologistas estudaram os vinhos romanos de dois mil anos atrás e afirmam que sabores deviam ter um toque de especiarias

Villa Regina Boscoreali, em Pompéia, com os dolia no solo - Francesco Pizzimenti, cortesia da Soprintendenza Archeologia, Belle Arti e Paesaggio per le province di L'Aquila e Teramo
Villa Regina Boscoreali, em Pompéia, com os dolia no solo - Francesco Pizzimenti, cortesia da Soprintendenza Archeologia, Belle Arti e Paesaggio per le province di L'Aquila e Teramo

por Silvia Mascella

A frase título desta notícia é do pesquisador Dimitri Van Limbergen, arqueólogo romano especializado em agricultura e economia, principalmente relacionadas aos vinhedos e aos vinhos. Com PhD duplo em Arqueologia Clássica, ele vem pesquisando a Itália e o oeste do mediterrâneo num projeto em Verona chamado ArcheoAdWine e na Universidade de Gand.

Junto da pesquisadora Paulina Komar eles publicaram em janeiro último (na revista Archeology da Cambridge University Press) os resultados do estudo: "Fazendo vinho em recipientes de cerâmica: um estudo comparativo da vinificação dos Romanos". A pesquisa fez uma comparação entre os dolia , recipientes de barro utilizados pelos romanos para fermentar o vinho 2 mil anos atrás, e os qvevri, ainda utilizados pelos georgianos na atualidade, mas que remontam há milênios.

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A escolha da comparação teve um motivo forte: a região do Cáucaso é considerada o berço de nascimento do vinho, com evidências de peças de cerâmica utilizadas para vinho da época do período Neolítico (6 mil anos antes de Cristo). Essas peças de cerâmica eram enterradas para a vinificação e muitas delas foram encontradas na Armênia, principalmente num sítio arqueológico datado entre 4000-3500 antes de Cristo.

qvevri
Qvevri georgiano, utilizado para fazer vinho nas montanhas do Cáucaso

Os historiadores acreditam que tanto as técnicas de produção, as peças necessárias e até mesmo algumas variedades de uvas sairam da região da Geórgia (e do Cáucaso) pelas mãos dos fenícios e etruscos, chegando ao Império Romano, com evidências espalhadas por Byblos e na costa do Líbano.

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Estudando os qvevri georgianos e os dolia romanos, os historiadores encontraram similaridades na produção, pois ambas dependiam unicamente das leveduras presentes nas cascas das uvas, com evidências de que os recipientes eram deixados abertos durante a primeira parte da fermentação, conhecida como 'fermentação tumultuosa'. Depois os recipientes eram fechados com uma tampa de terracota ou madeira ou simplesmente com uma pele de animal. O vinho permanecia no dolia pro vários meses, até o equinócio da primavera. Entre os georgianos os qvevri eram tampados com uma pedra e cobertos com terra.

Urna georgiana de cerâmica
Urna para fazer vinho de antes da era cristã. D. Van Limbergen/Georgian National Museum/Antiquity (2024)

 Os pesquisadores avaliam que uma boa parte do aroma e do sabor desses vinhos feitos há milênios tinham a influência do barro com que eram feitos os qvevri e os dolia, pincipalmente pelo fato de alguns dos solos serem muito ricos em minérios. Como eram peças porosas, a vinificacão era sempre oxidativa e, para que o vinho não estragasse nesse processo, eram utilizados cera de abelha ou piche dentro das peças. A oxidação controlada resultava em bons vinhos, concentrado as cores e trazendo sabores de frutas secas, castanhas e um toque oleoso, assim como alguns dos vinhos feitos até hoje na Geórgia.

Os vinhateiros romanos entenderam também que se enterrassem os dolia, a temperatura seria melhor controlada e constante, permitindo que o vinho amadurecesse com maior estabilidade. Eles também descobriram que o tamanho e o formato dos dolia influenciava na velocidade da fermentação e nas características finais do vinho, como extração de taninos e a cor. 

As pesquisas anteriores já comprovaram que os vinhos romanos de mais alta qualidade eram feitos com uvas sobremaduras, muito ricas em açúcar e isso combinado com a formação de um véu de leveduras (chamado 'flor') resulta em vinhos com compostos químicos que dão sabores de especiarias, aromas de maçãs, pão tostado, nozes e até aroma como o do curry (a mistura indiana de especiarias). Nas regiões mais frias da Itália, poderiam existir aromas como o do de caramelo. Quanto à cor, os vinhos romanos eram, provavelmente âmbar. "Acreditamos que os romanos produziam vinhos muito secos, muito complexos mas ao mesmo tempo muito fáceis de beber", finaliza do arqueólogo Dimitri Van Limbergen.

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