Os vitivinicultores enfrentam quatro tipos de “inimigos” nesse campo: doenças virais, doenças fúngicas, doenças bacterianas e pragas
por Arnaldo Grizzo
Ao observar um vinhedo verdejante, nossa única “preocupação” é admirar a paisagem, mas esquecemos das pragas
Definitivamente não é algo que costumamos ver em visitas a vinícolas pelo mundo. Ao passear pelos vinhedos, estejam eles carregados de folhas e frutas, estejam hibernando, nenhum tour vai se focar nos métodos de controle de doenças. Mas, apesar de nossa preocupação como consumidores estar quase sempre somente no resultado final, ou seja, no vinho, há muita coisa envolvida na produção, muitos cuidados, dos quais não estamos plenamente cientes – principalmente quando se trata da viticultura propriamente dita.
Ao observar aquele vinhedo verdejante no verão, nossa única “preocupação” é admirar a paisagem, sentir os aromas, “conectar” com a natureza. Mas um produtor estará sempre atento. Passará os olhos em busca de insetos, ficará ressabiado se perceber bandos de pássaros ou outros animais circundando, analisará potenciais manchas nas folhagens e quaisquer possíveis alterações que, aos olhos de um turista, por exemplo, passam completamente despercebidas.
Apesar de as videiras serem extremamente resistentes – capazes de sobreviver em locais considerados inóspitos para a maioria das outras plantas –, isso não significa que elas não possam ser afetadas, às vezes de maneira fatal, por pragas e doenças. Mesmo quando algo não leva a vinha à morte, pode comprometer seus frutos e, assim, colocar tudo a perder da mesma forma. Ou seja, a pressão por doenças em vinhedos está sempre sendo monitorada para evitar prejuízos.
Os vitivinicultores enfrentam quatro tipos de “inimigos” nesse campo: doenças virais, doenças fúngicas, doenças bacterianas e pragas. Sendo assim, vamos listar alguns dos principais problemas dos vinhedos ao redor do mundo, que estão sendo regularmente combatidos pelos produtores.
Talvez a praga mais conhecida do mundo do vinho seja a filoxera. Esse inseto, uma espécie de pulgão, quase acabou com os vinhedos da Europa em meados do século XIX. Ele ataca as raízes das plantas e suga sua seiva.
Filoxera, a praga mais conhecida do mundo
Só foi possível controlar a infecção quando os produtores começaram a enxertar cepas vitis viníferas em porta-enxertos de uvas americanas, resistentes à praga. Hoje, a filoxera está totalmente controlada. Mas é sempre uma preocupação para produtores que possuem vinhedos em pé-franco, ou seja, sem porta-enxerto. Uma contaminação pode acabar com séculos de história.
Assim como a filoxera, esses vermes microscópicos também se alimentam das raízes das plantas. E o uso de porta-enxertos resistentes também é a alternativa encontrada para o combate. Outra estratégia seria deixar o vinhedo sem plantar por vários anos (sem alimentos, os nematoides morrem). Mas quem pode se dar esse luxo?
Nematoides se alimentam das raízes das plantas
Como os nematoides gostam de água, alguns produtores regulam sua população ajustando a irrigação. Um sistema radicular mais profundo e complexo também colabora no controle desse tipo de praga.
Os ácaros se alimentam da clorofila e isso pode atrapalhar a fotossíntese. Muitos produtores, contudo, apenas controlam a praga – sem eliminá-la definitivamente –, usando de acaricidas juntamente com outros tratamentos (fúngicos geralmente) ou ainda colocando outro tipo de ácaros para controlar os predatórios.
Alguns poucos pássaros ou morcegos, por exemplo, não são um problema, aliás, podem ser até uma solução, controlando insetos nocivos ao vinhedo, mas e quando são bandos e bandos? Eles se alimentam das uvas e podem arruinar uma colheita.
Bandos de pássaros podem ser um problema para os produtores
Algumas formas de controle são as redes de proteção ou “espantalhos”, que podem ser caixas de som ou outros equipamentos que afastam os bichos. Além dos bichos voadores, outros como javalis na Itália ou cangurus na Austrália, por exemplo, também podem ser um problema.
Há algumas espécies de mariposas que põem seus ovos dentro das uvas. Se as mariposas atacam no início do ciclo, as bagas afetadas normalmente murcham e caem, resultando em uma perda mensurável, mas marginal, da safra. Se atacam no fim do ciclo, geralmente os danos são mais graves, pois as bagas afetadas não murcham, porém gotejam, e o resultado é uma podridão azeda. Uma forma de controle é o uso de feromônios para causar confusão sexual e interromper o acasalamento dos insetos.
A Drosophilacostuma ser inofensiva, mas há espécies raras (como a Drosophilasuzukii, conhecida como “asa manchada”) que são terríveis para a cultura da vinha. Elas perfuram a casca das uvas e isso dá início ao apodrecimento. Como gostam de se alimentar na parte sombreada da planta, uma das alternativas de controle é eliminar um pouco das folhas da vinha.
Tratar osbolores é provavelmente um dos aspectos mais importantes da viticultura. Assim, entrando nas doenças fúngicas, que geralmente causam apodrecimento, algumas das mais comuns são o míldio e o oídio. O míldio tende a ser o problema mais comum, poisse propaga em condições frias e úmidas. O oídio, por sua vez, prefere climas secos e mais quentes. Os sintomas geralmente são vistos nas folhagens, com manchas emboloradas como se fosse um pó (oídio) ou amareladas (míldio). O oídioe o míldio não matam a videira, mas podemafetar severamentea saúde da vinha e a qualidade da fruta. Como não podem ser eliminados, precisam ser administrados.
Tratar osbolores é provavelmente um dos aspectos mais importantes da viticultura
Se infectarem uma videira durante a floração ou a frutificação, pode ser impossível removê-los dos cachos. O problema dos bolores pode ser tão danoso que é tratado várias vezes durante o ciclo, independentemente de o vinhedo ser sintomático ou não. O tratamento mais comum é o pó de enxofre, pois ele mata os esporos em germinação, mas há outras alternativas como a famosa “calda bordalesa”, uma combinação de sulfato de cobre e óxido de cálcio, assim como outras técnicas orgânicas além delas.
Quando a botrytis infecta uma uva no momento certo, cria-se o que chamamos de “podridão nobre”. Os açúcares se concentram e dão origem a um verdadeiro néctar. No entanto, se a botrytis chega no momento errado ou em castas inadequadas (a maior parte das tintas), o resultado não é nada bom, causando a podridão cinzenta.
Quando a botrytis chega no momento errado ou em castas inadequadas, o resultado não é nada bom
Para combater o problema, geralmente se ventila melhor o vinhedo e também se ajusta a irrigação.
Além da podridão que atinge a uva, têm-se podridões da madeira, como a Eutypa e Botryosphaeria, mas especialmente a Esca. Elas matam a videira ao cortar o fluxo de seiva no caule. Como esses fungos não podem ser mortos, é preciso se prevenir. Um dos pontos de entrada deles ocorre durante a poda, portanto, produtores tendem a fazer a poda a seco ou então colocar “tintas” nas “feridas”.
Esca são as podridões da madeira
Essas “tintas” podem ser fungicidas ou apenas barreiras físicas entre a ferida e o ambiente. E, se os sintomas forem detectados, as áreas afetadas podem ser cortadas e a videira retreinada.
Chegamos aqui às doenças virais. Como poucos vírus levam à morte das videiras, não há o mesmo afinco de pesquisas para estudá-los. Um dos problemas que mais chama a atenção é a mancha vermelha, descoberta apenas recentemente. Antes ela era confundida com um vírus que causa o enrolamento das folhas – que não afeta o rendimento, mas o amadurecimento. A mancha vermelha, como se pode presumir, deixa as folhas vermelhas, também limita o amadurecimento dos frutos, mas, afeta o sabor – apesar de os especialistas estimarem que a influência é de apenas 5%.
Um dos problemas que mais chama a atenção é a mancha vermelha
Acredita-se, por exemplo, que o álcool “baixo” dos Cabernets californianos dos anos 1970 se deva à presença maciça desse vírus na região. Por isso, há produtores que consideram o vírus parte de seu terroir. Como os vírus geralmente proliferam por meio de outras pragas, especialmente insetos, o controle costuma ser feito combatendo o vetor. Mas, dependendo do caso, a remoção de parte do vinhedo pode ser necessária.
Infecções bacterianas são frequentemente as doenças mais mortais que uma videira pode sofrer. Uma das mais comuns é a galha da coroa, um tumor descolorido que se forma quando a bactéria Agrobacteriumtumefaciens, que está nos solos de quase todo o planeta, entra na parte lenhosa da planta – geralmente por meio de uma lesão nas madeiras.
A Galha da coroa “atrofia” a planta como um todo
Ela “atrofia” a planta como um todo. O único tratamento conhecido é a remoção da videira.
Acredita-se que esta seja a doença (bacteriana) mais aterrorizante do mundo do vinho nos últimos tempos. Os sintomas mais notórios são folhas amareladas e frutos secos. As infecções geralmente levam à perda total da safra. Uma cruzada tem sido travada para evitar sua disseminação pelos governos, especialmente na França, pois ela não tem cura.
Flavescência dourada, a doença bacteriana mais aterrorizante do mundo do vinho
O vetor é a Scaphoideus titanus, uma cigarrinha de videiras americanas, e muitos viticultores têm sido obrigados a pulverizar pesticidas para contê-las – o que andou causando revolva em produtores orgânicos e naturais.
Newton B. Pierce diagnosticou o problema nos anos 1850 na Califórnia, daí o nome. Causada pela bactéria Xylella fastidiosa, ela também se espalha por meio de insetos. A doença atua cortando o sistema vascular da planta, o que a impede de absorver água. Os cachos desidratam, assim como os caules. Em certos casos, as videiras podem viver com uma pequena infecção por algum tempo, mas acabam por morrer.
Mal de Pierce foi nomeada devido a Newton B. Pierce, pesquisador que descobriu a doença
É uma doença geralmente não muito propagada, mas isolada em pontos específicos de certas regiões. O combate é através do vetor, mas há pesquisas para criar variedades de uvas resistentes a esse mal.
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