Almanaque do vinho

Sangue de boi é o vinho que dá força sobre-humana a quem toma

Ele nasceu numa uma batalha no século 16, na Hungria. A lenda resiste até hoje

por Arnaldo Grizzo

A lenda em torno do Sangue de Boi nasceu durante o cerco otomano à cidade em 1552

“Quando a lenda se torna fato, publica-se a lenda”.

A famosa frase do desenlace do filme O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, com John Wayne, 1962) talvez possa ser usada quando se retoma a história de um célebre vinho tinto húngaro.

E não estamos falando dos icônicos Tokaji, mas outro rótulo lendário produzido não muito distante de lá.

Há cerca de 100 quilômetros do centro da região de Tokaji fica a vila de Eger, onde teria nascido o vinho Egri Bikavér, o “Sangue de Boi” original, afinal Egri é o gentílico de Eger e Bikavér significa literalmente “sangue de boi”. 

Acredita-se que o surgimento da lenda em torno do Sangue de Boi tenha ocorrido durante o cerco otomano à cidade em 1552.

A vila de Eger fica há 100 quilômetros do centro da região de Tokaji

Na época, o castelo local, uma de suas principais atrações até hoje, teria resistido bravamente ao cerco inimigo, repelindo os ataques e, por fim, forçando os turcos a recuarem. Diz-se que as batalhas e o cerco foram exaustivos e que István Dobó, então senhor do castelo, mandou trazer vinho tinto de suas caves para encorajar os soldados desanimados com as lutas. 

De acordo com a lenda, os soldados recuperaram o vigor e continuaram a lutar após sorver o vinho, protegendo as muralhas a todo custo.

Os turcos, impressionados com a resistência, não entendiam o que ocorria, e teriam notado um líquido vermelho escorrendo pela barba dos soldados húngaros.

Espalhou-se então o boato de que os combatentes em Eger bebiam vinho com sangue de touro e assim ganhavam a força do animal – cujo sangue passava então a correr em suas veias. 

Acredita-se que, graças a esse “tônico milagroso”, cerca de 2 mil homens resistiram a um exército invasor 40 vezes maior por mais de um mês. 

O Egri Bikavér é feito com as variedades Kadarka e Kekfrankos e pelo menos mais uma das 13 uvas autorizadas

Com isso, a fortaleza de Eger não foi tomada. Não desta vez: mais tarde, 40 anos depois, ela seria conquistada pelos turcos. A lenda, no entanto, ficou! E nasceu, assim, o vinho Egri Bikavér.  

Será?

Apesar da lenda heroica, a história do “Sangue de Boi” húngaro certamente não surgiu aí.

Um fato que já mata a lenda é que não há relatos de plantações de uvas tintas na Hungria antes da ocupação turca.

Há quem sustente que o nome Bikavér é bem mais recente e estaria ligado a János Garay, poeta húngaro, e seu poema de poema de 1846:

“Despeje-o em seu copo e você verá um milagre!

Sua cor é como o sangue do touro, mas a pérola que dela brilha é como a neve, branca.

E a videira que a produziu é verde como um prado.

Onde mais você pode encontrar uma tricolor (bandeira) mais bonita de nossa bela pátria?”

Eger e além

Lendas a parte, o vinho “sobrevive” ainda hoje. 

Os cerca de 5,4 mil hectares de vinhedos da área vinícola de Eger estão na encosta sul das montanhas Bükk, no nordeste da Hungria.

Kékfrankos e Pinot Noir são as tintas mais plantadas na região, mas a Syrah também é muito popular 

A região está dividida em dois distritos de denominações protegidas: Eger e Debrő, abrangendo assim a cidade de Eger e outras 19 vilas. 

A área mais visitada em Eger é chamada de Szépasszony-völgy (“O Vale das Mulheres Bonitas”), um vale ao sul da cidade, que acolhe inúmeras vinícolas.  

Grande mistura

O vinho Egri Bikavér é geralmente feito com uma mistura das variedades Kadarka e Kekfrankos e pelo menos mais uma das 13 uvas autorizadas.

Em ordem alfabética entre conhecidas e desconhecidas estão Bíbor Kadarka, Blauburger, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Kadarka, Kékfrankos, Kékoportó, Menoire, Merlot, Pinot Noir, Syrah, Turán e Zweigelt. 

Kékfrankos e Pinot Noir são as tintas mais plantadas na região, mas a Syrah também é muito popular em Eger. 

Desde 2004 foi introduzido o Egri Bikavér Superior, uma tentativa de garantir um pouco mais de qualidade a vinhos que costumam variar muito em estilo.

Neste caso, deve-se utilizar pelo menos cinco das 13 variedades, com um rendimento máximo 60 hl/ha e envelhecimento mínimo de 12 meses em barrica de madeira e seis meses em garrafa antes de ser lançado no mercado. 

A fama de Egri Bikavér é tão grande que, na região, ofusca a produção de uvas brancas, cujas origens são anteriores e teriam sido plantadas por monges cistercienses, alguns dos primeiros a promover a viticultura no local ainda no século XIII.

Mas como competir com um vinho com poderes sobre-humanos?

Se um tiver a oportunidade de provar, beba uma taça e veja se ele lhe inspira a bravura.

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