Durante séculos, os sabores e aromas do vinho certamente lembravam muito mais um vermute
por Arnaldo Grizzo
Mosaico mostra que o vinho já era consumido há muitos anos
Acredita-se que já são mais de 9 mil anos de experimentações. Sim, o homem produz vinho desde tempos imemoriais.
Quando consideramos a abundância de estilos que temos atualmente – desde tintos potentes até os mais sutis, de brancos encorpados aos mais ligeiros, fortificados, rosés, laranjas... – podemos ter certeza de que o ser humano já provou de tudo um pouco ao longo dos milênios.
Enfim, sabemos como os vinhos são hoje. Mas como eles chegaram até esse estágio? Por quais evoluções eles passaram? Como eram as bebidas nos primórdios?
Para se ter uma ideia, no livro Ancient Wine: The Search for theOriginsofViniculture, Patrick McGovern – a maior autoridade em pesquisas arqueológicas ligadas ao vinho – revela que a bebida do período neolítico raramente era feita somente de uvas.
Eram bebidas fermentadas mistas, geralmente com uva, arroz e hidromel. Diz o pesquisador, essa mistura de ingredientes servia para aumentar o teor alcoólico.
Então, com tantas possibilidades de mesclas de ingredientes, os sabores e aromas desse vinho podiam ser os mais variados.
Evidências em diferentes partes do mundo mostraram vinhos feitos com resinas de árvores, figo, mel, ervas, cevada, trigo, romãs, avelãs, alecrim, tomilho, absinto entre outros ingredientes.
Patrick McGovern, a maior autoridade em pesquisas arqueológicas ligadas ao vinho
O azeite de oliva também era ocasionalmente usado para proteger contra a oxidação já que flutuava na superfície do vinho, fazendo uma camada natural.
Acredita-se que tudo isso era usado não apenas por uma questão de gosto ou para “mascarar” a qualidade ruim da bebida, mas por fins medicinais, porque o álcool extrai melhor certos componentes botânicos do que a água.
Mesmo com o desenvolvimento da agricultura, os vinhos continuaram a ser mesclados, especialmente com resinas, até a Idade Média. Ou seja, durante séculos, os sabores e aromas do vinho certamente lembravam muito mais um vermute.
Com certeza, não havia o “sabor do terroir”, máxima tão decantada atualmente.
A explicação para o uso das resinas não se deve somente ao sabor, todavia, mas principalmente, à conservação, dando ao vinho uma maior resistência microbiana.
Além desse caráter certamente herbáceo, os vinhos antigos, na maioria das vezes, eram doces, parcialmente devido ao pouco controle sobre a fermentação (o açúcar não era consumido integralmente pelas leveduras), mas também por uma predileção da humanidade em si por sabores adocicados.
Outro ponto importante era o “serviço” do vinho.
Produção de vinho vem evoluindo com o tempo
A não ser os povos bárbaros – gauleses, germânicos etc. –, o mundo civilizado (gregos e romanos) raramente bebia vinho “puro”.
Era costume misturar água.
Na verdade, na maioria dos casos podia-se dizer que era costume misturar vinho na água, uma vez que a maior parte era de água.
Por mais estranho e herético que isso possa parecer para um enófilo atualmente, esse hábito perdurou até quase os nossos dias.
Como o vinho tendia a ser bastante denso, turvo, quase como um xarope, uma das formas de torná-lo palatável era misturando-o em água. E, durante muito tempo, essa foi uma das maneiras de “purificar” a água, fazendo com que o álcool matasse os microrganismos possivelmente causadores de doenças. Durante séculos, o que era considerado impuro era a água.
Pouco se sabe sobre o vinho da Idade Média, mas acredita-se que ele era consumido o mais brevemente possível para evitar que estragasse – ninguém sabia como mantê-lo por muito tempo.
Durante muitos e muitos anos até a era moderna, os vinhos eram claretes leves – porque maceravam por pouco tempo. A partir do século 17, contudo, surgiram os tintos mais encorpados. Criou-se o hábito de amadurecê-los e envelhecê-los. Isso graças a três fatores: a adição de enxofre, a produção de garrafas escuras e o uso da rolha de cortiça como vedante.
Além disso, descobriram-se os benefícios da fortificação (uso da aguardente para cessar a fermentação) na conservação (nasciam os Vinhos do Porto, Madeira, Jerez, Marsala etc.), além do método de segunda fermentação em garrafa dos espumantes.
Ou seja, quando pensamos em sabores diferentes para o vinho não precisamos viajar muito no tempo. Na maior parte da nossa história a bebida foi consumida de forma bastante diversa da atual.
E que continue evoluindo.
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