A acidez é um dos pilares da qualidade dos vinhos. Saiba como essa característica chega à sua taça
por Cláudia A. Stefenon (*)
A acidez do vinho pode ser vista como uma elegante companheira ao degustarmos um refrescante espumante nacional em um belo entardecer de verão, ou como uma desagradável vilã ao provarmos um vinho tinto que ainda não amadureceu e mostra sua juventude com vigor excessivo. Porém, uma coisa é certa: a acidez do vinho é um dos pilares da qualidade em cada taça.
A acidez do vinho é uma expressão complexa que abrange, no mínimo:
Em relação aos hidroxibenzóicos, o ácido gálico é o composto mais importante. Sua concentração nos vinhos varia em função da maceração, sendo que a hidrólise da epicatequina-3-Ο- galato é uma das suas principais fontes, pois na uva é encontrado principalmente nas sementes.
A acidez total (fixa + volátil) é medida através de titulação com solução alcalina e é usualmente expressa em g/100mL de ácido tartárico e g/100mL de ácido acético, respectivamente. O pH é uma medida escalar da acidez, ou seja, para um pH = 7,0 temos uma solução neutra. Abaixo disto tem-se uma solução ácida. Uma solução alcalina é determinada acima deste ponto até o máximo de 14.
Para vinhos e sucos, espera-se encontrar, geralmente, valores que vão de 3,2 a 3,8. Como o pH é uma função exponencial (base 10), pequenas diferenças numéricas estão correlacionadas a grandes alterações gustativas.
As variações climáticas de cada região e/ou as diferenças de safra influenciam o desenvolvimento do fruto, interferindo no volume da baga e no grau de maturação da uva. E a acidez fixa varia principalmente em função destes parâmetros.
Portanto, o ácido tartárico, que é característico das uvas e geralmente não é encontrado em outras frutas, e o ácido málico têm a concentração modificada em função do processo de respiração celular.
Em regiões quentes ou em safras com temperaturas acima da média, obtém-se uma vindima de elevado grau brix (concentração de açúcar), menor acidez e pH mais elevado. Em outras palavras, pode-se dizer que o fato de termos uma uva madura não é garantia de um produto de qualidade. Um vinho de elevada graduação alcoólica possuirá paladar adamado, mas é necessário que haja equilíbrio, pois uma queda excessiva na acidez tornará o vinho chato, mole, sem frescor gustativo.
Além disto, a elevação no pH o deixará mais suscetível a alterações químicas e microbiológicas danosas à qualidade final, modificando, por exemplo, a habilidade de crescimento de bactérias, solubilidade dos sais e proteínas, ação do SO2 e substâncias clarificantes, atividades enzimáticas, polimerização da cor, reações de oxidação etc.
Portanto, o gosto característico, a proteção indireta à oxidação dos compostos e sua relação direta com a cor são os principais fatores que tornam a acidez dos vinhos tão importante sensorial e qualitativamente.
Em certas situações de desenvolvimento e maturação da uva ou mudanças físico-químicas e microbiológicas durante o processo de elaboração, pode ocorrer um desequilíbrio na acidez dos vinhos, tornando necessários alguns ajustes. O tratamento dos vinhos com ácido tartárico ou carbonato de cálcio está previsto nas Legislações Americana, na CEE e também no Mercosul.
Entretanto, a assemblage de diferentes vinhos e/ou a realização de uma fermentação malolática (degradação biológica da acidez) são técnicas úteis para atingir os mesmos objetivos de forma mais tradicional. Elas trazem consigo, além do ajuste na acidez, mudanças nos demais parâmetros sensoriais que podem tornar o vinho ainda mais único.
Enfim, é na complexa sinergia entre as substâncias presentes no vinho que reside o seu “encanto”. É impossível tratar de qualquer assunto inerente a ele de forma isolada. É simples, vinho é sinônimo de amizade e companhia.
*Cláudia A. Stefenon é enóloga, mestre em biotecnologia e diretora da ABE
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