O uso de Dióxido de Enxofre tem papel fundamental na produção dos vinhos
por Cláudia A. Stefenon*
As diferentes regiões produtoras de uva no mundo são responsáveis por matérias-primas de perfil qualitativo, aptidão enológicas diferenciadas e, conseqüentemente, produtos próprios para as mais diferentes ocasiões e paladares.
Mas nem só o terroir e as características genéticas varietais definem a qualidade do produto final. Os vinhos podem ter seu perfil sensorial modificado em função das diversas práticas enológicas utilizadas no mundo, além da filosofia adotada por cada vinícola.
Nesta direção, a tecnologia enológica exerce um papel fundamental no sentido de reduzir deficiências e/ou potencializar as qualidades da uva.
O uso do dióxido de enxofre (SO2) para a elaboração de vinhos se iniciou ao final do século XVIII. Suas numerosas propriedades, a facilidade de emprego e o baixo custo o colocam como um indispensável auxiliar na produção vinícola.
A ação eficaz do dióxido de enxofre depende do meio e das condições de conservação de cada produto. Aos sais liberados em solução aquosa (como o vinho) denominamos SO2 Livre, e ao íon bissulfito HSO3 – associado com outras substâncias (aldeídos, dextrinas, pectinas, proteínas, cetonas e certos açúcares) –, SO2 Combinado. A proporção Livre/Combinado forma o chamado SO2 Total, e todo este conjunto depende de diversos fatores, tais como, teor de açúcares, nível de acetaldeído, pH e temperatura.
Inicialmente, o SO2 exerce uma ação seletiva que varia em função do microrganismo, ou seja, bactérias são mais sensíveis do que leveduras autóctones, e estas sofrem mais a ação deste conservador do que as leveduras selecionadas (comerciais). Posteriormente, sua atividade antioxidásica bloqueia a ação de enzimas oxidantes, principalmente no início do processo de elaboração (obtenção do mosto), evitando reações de oxidação e o consequente escurecimento do vinho.
As lipoxigenases são responsáveis por reações de oxidação dos ácidos graxos insaturados e lipídios de membrana. Este efeito prejudicial nos alimentos pode ser percebido sensorialmente através dos odores da degradação oxidativa dos lipídios (rancificação), tornado-se importante na enologia em etapas como, por exemplo, obtenção do mosto, maceração, fermentação malolática e estágios de amadurecimento.
Além desta classe de enzimas, as fenolases atuam oxidando os compostos fenólicos, dando lugar a compostos pigmentados – tanto em vinhos brancos como em tintos –, que posteriormente, são substituídos pelas moléculas inestáveis (quinonas), capazes de causar turvações e/ou precipitações prejudiciais à qualidade.
O dióxido de enxofre ainda reage fortemente com o oxigênio devido a alta afinidade do dióxido de enxofre por este substrato. Ao impedir a reação do oxigênio com os compostos orgânicos do vinho, ele protege polifenóis e ésteres de processos de oxidação, preservando a qualidade geral e a longevidade dos vinhos.
Enfim, sua ação conservadora (papel principal) se deve à inibição de bactérias (láticas, se não desejarmos proceder à fermentação malolática e, principalmente, acéticas, para evitar a formação de quantidades expressivas de ácido acético – avinagramento dos vinhos), atuando de forma preponderante sobre o perfil sensorial final dos vinhos. Portanto, conforme comentado anteriormente, a quantidade aplicada depende da sanidade da uva e do tipo de vinho a ser elaborado.
Seu uso, entretanto, deve ser racional, pois em doses elevadas pode retardar ou provocar paradas de fermentação, diminuir a intensidade de cor dos vinhos tintos e rosados, promover o surgimento de aromas desagradáveis e, o mais importante, oferecer riscos à saúde – em especial para pessoas com alergia a este produto.
Em virtude disto, sua presença na composição é informação obrigatória nos rótulos – expressão “contém sulfitos” – de qualquer produto que contenha mais de 10mg/L (F.D.A./ EUA).
Considerando a Dose Diária Admissível (D.D.A.) de 0,7 mg/kg/dia determinada pela Organização Mundial da Saúde, as doses aceitáveis para o consumo humano encontram-se entre 42 a 56 mg/dia para um peso corpóreo entre 60 e 80 Kg. Na Comunidade Européia, o limite autorizado para vinhos é de 160 mg/L para vinhos tintos e 210 mg/L para vinhos brancos.
Estes dados, entretanto, não devem causar preocupação, pois as técnicas enológicas disponíveis e a consciência de enólogos e empresários do vinho fazem com que os valores médios usuais girem em torno de 100 mg/L, sendo que o setor vitivinícola brasileiro vem utilizando doses cada vez menores, favorecendo a relação de confiança que deve existir entre o produtor e o consumidor.
Portanto, em doses moderadas, o vinho continuará sendo, cada vez mais, amigo da saúde, da cultura e do bem-viver. Saúde!
*Cláudia A. Stefenon é enóloga e Mestre em Biotecnologia
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