Durante a produção da bebida, barris são usados na fermentação alcoólica, na malolática e no envelhecimento
por por Eduardo Milan
A influência da madeira no vinho é um assunto interessante e controverso. E quando se fala em madeira, automaticamente se pensa em carvalho. Não que outros tipos de madeira definitivamente não sejam utilizados na vinicultura – a cerejeira, por exemplo, é usada no Vêneto para envelhecimento dos Valpolicella Ripasso, por suavizar os polifenóis sem adicionar notas de baunilha –, mas o carvalho, por suas características, é a espécie mais apropriada. De fato, o carvalho é suficientemente flexível para a montagem de barris, pouco poroso, apresenta nível de taninos aceitável e traços aromáticos suaves, que não maculam o vinho com seu poder.
Na produção da bebida, barris são usados durante a fermentação alcoólica, malolática e o envelhecimento. Seu papel é enriquecer a bebida com novos componentes, agregando complexidade, e permitir que reações físicas específicas aconteçam. Os barris de carvalho não só agregam aromas e taninos ao vinho, mas também, por conta de sua porosidade, permitem que a bebida respire, desenvolva-se e amadureça. A forma como são utilizadas pelo enólogo é crucial e, a partir da mesma “ferramenta”, eles podem obter variados resultados.
“O uso do carvalho na vinicultura chega a ser cultural, vem de um conjunto de tradições, já que, no passado, os vinhos eram colocados em barris de madeira para transporte e proteção”, conta Rodrigo Perez Nambrard, gerente comercial para Espanha e América do Sul da Seguin Moreau, uma das maiores tonelarias do mundo.
O carvalho é uma árvore da família das Faias, de folha caduca, nativas das zonas temperadas da Europa, América do Norte e Ásia, cujos frutos são ricos em taninos. Dentre as mais de 250 espécies, as que melhor se prestam à fabricação de barris são: Quercus alba, também chamado de “carvalho americano” – os melhores estão na Pensilvânia, Minnesota e Wisconsin –, Quercus robur e Quercus petraea ou Quercus sessilis, encontrados na maioria das florestas francesas.
As duas espécies europeias usadas na indústria tanoeira têm características singulares. O Quercus robur, ou carvalho pedunculado, é rico em taninos, seu melhor descritivo aromático seria “feno” e sua granulação é larga. Já o Quercus petraea, ou carvalho séssil, é tido como o mais refinado, devido à granulação mais fina e à riqueza de compostos aromáticos, especialmente pelas notas de baunilha e especiarias, além de ser pobre em taninos.
A França é considerada a melhor fonte de carvalho na Europa. Desde o século XIX, o país é referência e isso se dá provavelmente porque lá estão as maiores e mais variadas reservas. Além disso, os franceses contam com um órgão próprio para cuidar da manutenção e gerenciamento das florestas, a Agência Florestal Francesa – ONF. A partir desse trabalho, garante-se não só a longevidade da produção de carvalho, mas também a qualidade. Na França, nenhuma árvore é considerada apta para a indústria tanoeira antes de completar 150 anos de idade. Essa padronização e a fiscalização têm relação direta com a boa fama do “carvalho francês”, pois a estrutura granular e a qualidade dos compostos fenólicos, que influenciarão o vinho produzido, estão garantidas. O carvalho francês é fino, rico e aromático, com taninos suaves.
“A atuação da ONF é bastante real e séria, tanto que as tanoarias, a exemplo da Seguin Moreau, devem, todos os anos, primeiro aguardar que o órgão informe quais parcelas de floresta de carvalho estão liberadas para extração, para somente então estudar a qualidade – espécies, diâmetro, idade das árvores etc – e planejar sua produção naquele ano”, afirma Nambrard. A partir daí, as áreas definidas vão a leilão dos quais participam as tanoarias.
Entretanto, bons carvalhos europeus são encontrados em diversos países, tais como, Hungria, Romênia, Rússia e Polônia. E os tanoeiros levam mais em consideração a origem geográfica do carvalho do que sua espécie, já que cada um apresenta características diferentes. O húngaro costuma agregar sensação de volume e textura, enquanto o do Cáucaso dá taninos moderados e notas aromáticas ao vinho. Uma das regiões preferidas é a Slavonia (comumente confundida com a Eslovênia), localizada na Croácia, cujo carvalho é mais granuloso, o que proporciona uma maior micro-oxigenação e auxilia a integração dos diversos elementos do vinho, além de aumentar sua longevidade.
O “carvalho americano” é reconhecido por seu caráter aromático. Costuma agregar notas de baunilha, coco, manteiga e outros aromas adocicados ao vinho. Quando a tosta se dá em temperaturas muito altas, essas notas doces e frutadas dão lugar a traços de açúcar mascavo, caramelo e xarope de bordo.
Falando em tosta, ela é parte do processo de fabricação de barris e tem relação direta com o sabor do vinho que passará pelo recipiente. Existem três níveis: leve (light), média (medium) e forte (heavy). Barris de tosta leve são usados por enólogos que buscam o caráter mais natural do carvalho. As de tosta média variam entre “true medium”, apropriada para a maioria dos tintos, e “medium plus”, as preferidas para fermentação de brancos. Por fim, a tosta forte tem caráter defumado-carbonizado e normalmente é usada em compostos de blends, a fim de não predominar.
Ao contrário do que se possa pensar, quanto mais fina a granulação do carvalho, maior a sua porosidade. Quanto maior a porosidade, maior a micro-oxigenação e, consequentemente, maior a ação positiva nos taninos do vinho. Em suma, quanto mais fina a granulação, melhor a reputação do carvalho junto aos enólogos. A maioria dos carvalhos europeus tem granulação bem mais fina do que a do americano. O carvalho das florestas de Tronçais, na França, cujos troncos são mais estreitos, apresenta a mais fina das granulações e portanto a melhor das reputações.
Outra diferença significativa entre os carvalhos francês e americano é a sua estrutura celular. O americano é mais denso e mais impermeável, por isso pode ser serrado. Já o francês precisa necessariamente ser partido, sem o uso de serras, a fim de manter os veios naturais da planta sem o risco de futuros vazamentos ao barril a que dê origem.
Usar ou não barris de carvalho na fermentação e/ou envelhecimento de vinhos mais refinados e de alta gama tem mais relação com o estilo de bebida que se pretende obter do que com questões econômicas. Por outro lado, no caso de vinhos mais básicos e de menor custo, a decisão de se utilizar ou não madeira fatalmente passa pelas finanças, já que barris podem chegar a dobrar o valor do produto final.
De fato, eles não são itens baratos. Um barril de carvalho francês custa, em média, no mínimo US$ 850, dependendo da sua qualidade e capacidade – bons barris feitos a partir de carvalho vindo de florestas das regiões de Alliers, Vosges e Tronçais podem chegar a valer alguns milhares de dólares –, enquanto os de carvalho do leste europeu são comercializados a partir de US$ 550. Os de barris de carvalho americano são comercializados com preços a partir de US$ 400, também dependendo da sua qualidade e capacidade.
O motivo para essas variações de preço, além da região de proveniência da madeira, é a diferença estrutural entre as espécies de carvalho. Lembrando: para preservar sua integridade, o carvalho francês não pode ser serrado – o corte dos troncos é feito quase que manualmente, sempre no sentido das fibras, com cunhas de aço – e, assim, apenas 20% da matéria-prima é utilizada para a tanoaria. Por outro lado, no carvalho americano – de estrutura pouco permeável, que pode ser cortado com serra e em várias direções – o aproveitamento chega a, pelo menos, 40%. Ademais, enquanto, por ordem da ONF, o carvalho francês não pode ser cortado antes de 150 anos de idade, árvores de carvalho americano podem chegar ao ponto de corte já aos 60 anos.
Levando esses custos para a garrafa, de maneira bastante simplificada, um litro de vinho que passa em barrica tem seu custo acrescido do preço da barrica dividido pela capacidade da mesma. Ou seja, se a bebida passou por um barril bordalês de 225 litros que custou US$ 900, poderá haver um acréscimo de US$ 4 no preço final. Então, se, por um lado, esse processo agrega muito valor ao vinho, por outro eleva seu custo de produção.
Dentre as mais de 250 espécies de carvalho, as que melhor se prestam à fabricação de barris são: Quercus alba (carvalho americano), Quercus robur e Quercus petraea
Um litro de vinho que passa em barrica tem seu custo acrescido do preço da barrica dividido pela capacidade da mesma. Ou seja, se a bebida passou por um barril bordalês de 225 litros que custou US$ 900, poderá haver um acréscimo de US$ 4 no preço final. Uma alternativa de custo menor é a utilização de “chips” (lascas) ou “staves” (aparas de carvalho) durante o processo de produção
Por isso, enólogos de todo o mundo se utilizam de alternativas economicamente mais viáveis para que seus vinhos ganhem a complexidade e os aromas da madeira sem sofrer grande impacto de custo. Passar apenas uma parte do vinho por barris novos de carvalho é um dos expedientes disponíveis. Uma alternativa de custo ainda menor é a utilização de “chips” (lascas) ou “staves” (aparas de carvalho) durante o processo de produção.
Nesse caso, os chips ou staves são colocados em contato com o vinho. Isso pode acontecer em diversas fases, desde a fermentação do mosto até quando o vinho já está pronto. Chips e staves também podem variar consideravelmente tanto em relação à procedência (tipo de carvalho, tosta etc) quanto ao tamanho. Ademais, eles tanto são usados no lugar do período de envelhecimento em barris, quanto para suplementá-lo, nos casos em que o barril em questão for usado e se pretenda uma influência mais intensa de madeira.
É importante ressaltar que esse expediente confere atributos aromáticos à bebida, mas não pode ser considerado um substituto total dos barris, já que a passagem do vinho por barricas de carvalho possibilita a micro-oxigenação, processo que permite que moléculas de oxigênio penetrem na madeira e alcancem o vinho, ligando-se aos compostos de tanino mais pesados e fazendo-os precipitar no fundo do recipiente. Como resultado, o vinho tende a ficar mais redondo, aveludado e longevo.
Apesar de um pouco polêmico – e muitas vezes ocultado pelos produtores –, a utilização de chips de carvalho pela indústria vinícola vem de longa data. Há relatos a seu respeito datando de 1961, nos Estados Unidos. Esses expedientes foram e continuam sendo bastante utilizados em países produtores tanto do Velho quanto do Novo Mundo para se obter rótulos competitivos no mercado internacional. Aliás, a despeito do preconceito de alguns, é um artifício válido e, quando usado devidamente e de modo consciente, gera resultados muito mais que satisfatórios. Você, leitor, seria surpreendido pela quantidade de bons vinhos que não estagiam em barris propriamente ditos, mas sim se utilizam de chips ou de staves.
Quanto menos usado o barril, maior a sua influência, maior a transferência de aromas e sabores ao vinho nele armazenado
Barris de carvalho podem, na verdade, ser usados mais de uma vez na produção de vinhos. Obviamente, o fato do barril ser novo ou usado faz diferença no produto final. Costuma-se chamar as barricas novas de “barricas de primeiro uso”, reutilizadas pela primeira vez “de segundo uso”, pela segunda vez “de terceiro uso” e assim por diante. Como regra geral, quanto menos usado o barril, maior a sua influência, maior a transferência de aromas e sabores ao vinho nele armazenado. A partir do terceiro uso, normalmente o impacto aromático do carvalho é muito pequeno, os barris são praticamente inertes e sua principal função passa a ser permitir a micro-oxigenação do vinho.
Assim, quando o objetivo do enólogo é imprimir real toque de carvalho ao vinho, o estágio se dá em barris de primeiro ou segundo uso. Em outros casos, eles chegam a ser usados até três ou quatro vezes. Geralmente, depois disso, são vendidos para outra finalidade como, por exemplo, envelhecimento de destilados.
Dentro desse contexto, é importante ressaltar que a boa higienização das barricas é fundamental antes de sua reutilização. Isso porque, ao final de um uso, uma levedura chamada Brettanomyces pode contaminar o recipiente e, então, quando em grande quantidade, transmitir aromas desagradáveis ao vinho que será armazenado posteriormente.
Outro aspecto interessante sobre os barris é o fato de que costumam perder de 3% a 5% do vinho em seu interior ao ano. Esse volume deve ser completado com o mesmo vinho periodicamente, para manter a constância da superfície de contato do líquido com a madeira.
A despeito das benesses do uso do carvalho tanto em brancos quanto em tintos, o que vem atualmente ganhando corpo e se mostrando uma tendência é o uso mais parcimonioso e consciente da madeira, a fim de ressaltar a fruta e a tipicidade do terroir. De fato, em aspectos gerais, ao se comparar o uso da madeira até meados da primeira década dos anos 2000 com a aplicação atual, é notável a mudança da atuação do carvalho, de personagem principal para uma espécie de coadjuvante, que trabalha em prol das qualidades intrínsecas do vinho, promovendo a fruta, a tipicidade, o equilíbrio e o frescor.
No entanto, no mundo do vinho, nada é absoluto e alguns estilos em que a madeira tem papel fundamental e definidor de estilo mantêm-se inabalados por essa tendência, haja vista os tintos Reserva e Gran Reserva da Rioja, os melhores brancos da Borgonha – Montrachet, Corton-Charlemagne, Chablis Grand Cru, por exemplo –, os tradicionais Chardonnay californianos e, porque não, os memoráveis Porto Vintage, enaltecidos e moldados por carvalho novo e elaborados para durarem por décadas.
Além do tipo de carvalho, de sua origem e de sua tosta, também o tamanho do recipiente por onde o vinho passará é de suma importância para determinar a influência sobre a bebida. Quanto menor o recipiente, maior o contato do líquido com o carvalho e, consequentemente, maior a transferência de aromas e componentes.
De forma genérica, chamamos esse recipiente de barril. Entretanto, de acordo com sua capacidade e também de acordo com a região onde são utilizados, pode haver denominações específicas. As principais delas são: