O sistema de solera é o método de “envelhecimento dinâmico” que dá origem a alguns dos mais celebrados vinhos do mundo
por Arnaldo Grizzo
Há vinhos famosos por manterem uma constância e harmonia de sabores de uma safra para a outra. As mais tradicionais casas de Champagne, por exemplo, vangloriam-se de ter um estilo que perdura há séculos. O mesmo vale para alguns produtores de Vinho do Porto, Madeira e Jerez. Eles possuem rótulos “imutáveis” há séculos. Mas como conseguem?
No caso dos espanhóis (e também dos portugueses), a resposta está no sistema de solera e criaderas. Diz-se que esse famoso método de “envelhecimento dinâmico”, que dá origem a alguns dos mais celebrados Jerez, teria surgido no século XVIII, em Sanlúcar de Barrameda, uma cidade litorânea da região de Andaluzia, na Espanha. Antes, os vinhos Jerez eram vendidos apenas como Vintage, ou seja, com uvas de apenas uma única safra. Mas como funciona esse “envelhecimento dinâmico” do sistema de solera?
Como dissemos no início, a ideia aqui é que vinhos de diferentes níveis de envelhecimento se misturem de forma sistemática para que algumas características de aroma e sabor se perpetuem, independentemente da safra.
Sendo assim, primeiramente um produtor inicia o envelhecimento de um vinho de determinada safra em barricas. No ano seguinte, ele coloca novos vinhos (na verdade, não são novos, como explicamos logo mais) em novas barricas. Estas últimas são colocadas sobre as do ano anterior, que ficam no chão – suelo, em espanhol, daí o nome, solera.
No ano seguinte, os novos vinhos vão para novas barricas, que são posicionadas acima das do ano anterior. E assim por diante, criando uma escala que pode ter vários andares.
Então, se as barricas que estão no chão recebem o nome de soleras, as que estão acima ganham o nome de criaderas. É das soleras que sai o vinho que vai ser engarrafado. Assim, periodicamente, uma parte do vinho contido em cada uma das barricas soleras é extraída em uma operação chamada “saca”.
A parte retirada é prontamente completada (numa operação chamada “rocío” ou “orvalho”) com o vinho proveniente das barricas criaderas que estão logo acima, ou seja, da primeira criadera. Esta fileira de barricas, por sua vez, é reabastecida com vinho da segunda criadera (barricas acima) e assim por diante até chegar à criadera mais jovem. Esta, por fim, é completada geralmente com vinho do sistema de sobretablas – que já passaram por um tipo de envelhecimento oxidativo, ou seja, como avisamos antes, não são vinhos da safra corrente. Há exceções? Sim, mas são poucas. Raramente se começa uma solera do zero.
Com esse processo, nenhuma barrica fica com - pletamente vazia, pois parte do vinho permanece sempre. E esse líquido remanescente, mesmo di - minuto, vai se perpetuando e deixando sua marca nos vinhos que são paulatinamente acrescen - tados. Assim, teoricamente, pode-se encontrar vestígios do primeiro vinho da solera depois de vários anos.
A cata (engarrafamento do vinho velho) e o orvalho (reabastecimento dos barris) costumam ocorrer várias vezes por ano e dependem do estilo do vinho – lembrando que há Jerez Fino, Manzanilla, Amontillado, Oloroso etc. – assim como das opções do produtor. Para se ter ideia, uma solera de Jerez Fino será renovada de duas a quatro vezes por ano. Em Sanlúcar de Barrameda, devido à maior atividade da flor, uma solera de Manzanilla pode facilmente ter seis ou mais “sacas” por ano. Em geral, não mais do que um terço de uma barrica será transferida, mas normalmente entre 10 e 20% da capacidade (de 500 a 600 litros) das soleras serão retiradas e renovadas. Um pouco menos nos Manzanilla.
O tempo médio de envelhecimento no sistema – que é atribuído a um rótulo – é determinado pelo quociente que resulta da divisão do volume total do vinho contido no sistema pelo volume que representa a “saca” anual da solera. De acordo com as regras do Conselho Regulador, este número deve ser superior a três, ou seja, é preciso que tenha ao menos três anos de envelhecimento para atingir o mercado.
O trasfego do vinho após cada cata, o que costumeiramente se chama de orvalho, talvez seja o processo mais delicado do sistema. É preciso cuidado para não alterar o véu de flor que cobre a superfície do vinho, que passa por envelhecimento biológico, e tampouco mexer nos depósitos de borras que se acumulam no fundo das barricas ao longo dos anos – que são chamados de “cabezuelas”.
Vale lembrar que o sistema de solera favorece o envelhecimento biológico sob o véu de flor. A manutenção dessa cultura de leveduras deve-se a micronutrientes essenciais, o que é conseguido pela adição de pequenas frações de vinhos de safras mais jovens, ou seja, a constante renovação do conteúdo dos compostos necessários para a formação do véu. Esse trasfego contínuo também ajuda a dissolver quantidades de oxigênio, que estimulam a regeneração e o crescimento do véu.
Esse oxigênio é rapidamente consumido pela levedura, deixando o vinho protegido sob uma atmosfera inerte. No caso dos vinhos não submetidos a envelhecimento biológico, essas operações de transferência ajudam a acelerar os processos oxidativos de maturação.
Originalmente, esse processo de trasfego era manual, mas hoje, tende a ser mecanizado. E, além disso, o vinho de uma criadera costuma ser misturado em um tanque antes de ser inserido na criadera abaixo ou na solera. Tudo para melhorar o máximo possível a homogeneidade. Algumas das mais antigas soleras ainda em uso são das vinícolas Osborne (Capuchino estabelecido em 1790 e Sibarita em 1792), El Maestro Sierra (1830), Valdespino (1842) e Gonzalez Byass (1847). Assim como a ideia da unicidade de cada terroir, diz- -se que cada solera têm sua personalidade.
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