Tradição e Exclusividade

O Restaurante Marcel é único com seus suflês, mas sua culinária francesa é também destaque na casa que faz sucesso desde 1955 na capital paulistana

por Redação

Vieira grelhada unilateralmente acompanhada de uma fina fatia de jiló empanado em farinha panco

Marcel é um dos mais clássicos restaurantes de São Paulo. Afinal, são mais de 50 anos de tradição levando às disputadas mesas os melhores suflês em terras brasilis. Mas não é só por meio desse tradicional prato francês que a casa mostra seu diferencial. Há algum tempo, a cozinha está sob o comando do jovem Raphael Durand Despirite, neto de Jean Durand, fundador do restaurante. Demerval Despirite, pai de Raphael, é o proprietário e toca o dia-a-dia da casa. Uma dupla de respeito complementada pelo gentil somellier Romero Rodrigues.


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Raphael é fora de série, pois, com seus 24 anos de idade, já morou fora do Brasil, se formou na França pela Ecole Ritz Escoffier e em seguida trabalhou ao lado de um dos maiores talentos de Portugal nos dias de hoje, o criativo Chef Vitor Sobral. Apesar de ter origens e formação na culinária francesa, não deixa de estar sempre atualizado com o resto do mundo. Costuma acompanhar grandes eventos ligados a gastronomia como, por exemplo, Madrid Fusion e Lo Mejor de La Gastronomia, ambos realizados na Espanha.

Em termos de planejamento, provavelmente, este tenha sido um dos mais interessantes enogourmets que realizamos. Negociamos com Demerval que não poderíamos deixar de ter três pratos, os must da casa: salmão defumado fatiado na hora com alcaparras, cebola e salsinha; o suflê salgado Maison, elaborado com camarões, queijo gruyere e champignons fatiados; e o suflê doce de Chocolate.

Os outros quatro pratos deixamos Demerval e Raphael criarem, sempre respeitando a diretriz do propósito dos enogourmets, que é a crescente intensidade dos pratos aliados à crescente evolução dos vinhos à mesa. Sutilmente colocamos o clássico magret de pato com frutas vermelhas como uma sugestão. Pois bem, a dupla pai e filho foi além e propôs mais três obras-primas. Um prato a base Vieira, um Coelho e um Filé de Cordeiro.

Estávamos em sete felizardos em uma fria noite de maio na mesa redonda, no centro do salão do restaurante, que acaba de ser reformado. Ricardo Van Erven (executivo do setor de energia), Felipe Amaral (executivo do setor industrial), André Luis Costa (executivo do setor de comunicação), Jorge Lacerda Rosa (dirigente esportivo), Miguel Cui (executivo setor de comunicação), Christian Burgos (empresário e publisher da revista Adega) e eu, seu editor de vinhos.

A grande noite começava com o clássico Salmão citado acima, nos lembrando os grandes Oysters Bars de Nova York e Londres, onde, em muitos deles, só servem, além de água, três produtos: Champagne, Ostras e Salmão Defumado. A clássica harmonização do Marcel não deixa a desejar para ninguém. A alcaparra moída com o toque crocante da cebola e frescor da salsinha preparam a boca para um pungente champagne da casa Henriot, o Brut Souverain. “Um show de começo”, disse Jorge que, como presidente da Confederação Brasileira de Tênis, seguiria em breve para França, a fim de acompanhar o momento ato da aposentadoria de Guga.


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fotos: Luna Garcia
Coelho assado com espuma de cogumelos e emulsão de mandioquinha

O próximo encontro foi esplendoroso. Raphael preparou uma Vieira grelhada unilateralmente acompanhada de uma fina fatia de jiló empanado em farinha panco (farinha de pão de forma japonesa). O frescor da Vieira com o crocante do jiló deixou o palato de todos preparado para um belo gole de vinho branco. A harmonização foi ousada, pois prestigiamos a parte mais crua da Vieira e colocamos um vinho muito fresco sem madeira, com acidez na medida. O consorte do prato foi o Quinta dos Loridos Alvarinho, elaborado sobre a batuta do versátil enólogo da Bacôlha Vinhos, o carismático Vasco Garcia. A harmonização foi equilibrada com uma pequena sobreposição da Vieira sobre o sutil Alvarinho.

A terceira combinação à mesa foi o clássico suflê Maison (petit). Esse, talvez pelo próprio nome, é um dos mais importantes pratos salgados da casa. Apresenta muita intensidade, presença e força. A harmonização com pratos que levam ovo é sempre desafiante, para não dizer muito difícil. Pois bem, aqui deveríamos ir com um branco encorpado e muita personalidade, caso contrário, estaríamos correndo o risco do prato se sobrepor ao vinho. A escolha foi complexa, pois, além de harmonizar, tínhamos como incentivo sair do óbvio, que seria, por exemplo, um Chardonnay com boa carga de fruta e madeira. A inovação foi grande. Nossa escolha foi um Sauvignon Blanc, mas com muita intensidade, o Steenberg Reserve 2006. Esse vinho, além de ser diferente, com muita personalidade, é um tanto quanto selvagem. Força e presença estavam dos dois lados – tanto do prato quanto do vinho. Felipe exclamou: “esse conjunto pode ser um clássico quando o assunto for harmonização, pois o equilíbrio na boca é marcante”.

Fotos: Luna GarciaFotos: Luna GarciaFotos: Luna GarciaFotos: Luna Garcia
Ricardo Van ErvenJorge Lacerda RosaAndré Luis CostaMiguel Cui
Fotos: Luna GarciaFotos: Luna GarciaFotos: Luna Garcia
Felipe AmaralChristian Burgos

Luiz Gastão
Bolonhez

Após pratos a base de frutos do mar, Raphael decidiu nos mostrar que sua cozinha é muito mais do que seus deliciosos suflês. O próximo casamento foi um coelho assado com espuma de cogumelos e emulsão de mandioquinha. Esse prato francês no estilo, mas com a espuma de cogumelos com um toque espanhol (as espumas são uma das marcas registrada do craque espanhol Ferran Adriá, comandante do El Bulli, no norte da Catalunia) estava reluzente e, por si só, já era uma obra-prima do ponto de vista de harmonia. A média intensidade do coelho cozido (lentamente em panela de ferro) aromatizado com a espuma de cogumelos tinha a emulsão de mandioquinha (um purê de textura muito macia) como contraponto, deixando a boca levemente básica. Para contrapor, decidimos colocar ao lado desse monumento da culinária um tinto com boa acidez, frescor e presença. O Domus Áurea 2004 do Vale do Maipo do Chile casou como uma luva junto ao prato. “Atingimos nosso objetivo de total harmonia e complementaridade entre vinho e comida”, ressaltou Ricardo.

Lombinho de cordeiro levemente grelhado com ervas do jardim e rolinho de legumes tostados

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O penúltimo prato salgado foi o clássico magret de pato da casa acompanhado com frutas vermelhas maceradas. Aqui é necessária atenção na hora de harmonizar. A acidez das frutas vermelhas é elevada e pode se sobrepor ao vinho. Tivemos sorte, nesse caso específico, pois o vinho escolhido, o espetacular Espanhol Blécua, estava muito macio, com taninos de ótima formação e balanceado. Conseguimos tirar uma boa nota, mas a dica nesse caso é sempre colocar à mesa vinhos com personalidade, maciez e boa maturação na garrafa.

Christian Burgos
Vinhos da noite

A próxima etapa foi espetacular. Depois de alguns dias do evento ainda dá água na boca. Raphael preparou um lombinho de cordeiro levemente grelhado, servido rosado, com toques de ervas do jardim acompanhado de um delicioso e inédito rolinho de legumes tostados envoltos por uma folha de papel de arroz. Não houve dúvida à mesa que esse prato é digno de uma medalha de ouro. O rolinho com legumes crocantes causou a todos muita surpresa. Era intenso e ao mesmo tempo delicado, provocando uma sensação deliciosa na boca. Essa sensação foi complementada pela tenra carne do cordeiro. “Um prato espetacular”, assertivamente colocou Christian. Pois bem, e o vinho? A decisão foi colocar ao lado desse prato um Merlot puro, de estirpe. O escolhido foi o Montiano, produzido no Lazio, centro da Itália, pelos irmãos Cotarella, Renzo e Ricardo. Renzo comanda o conglomerado Antinori. Ricardo, ao contrário, se dedica a vinícolas de norte a sul na Itália e com boas passagens também pela França. Ricardo é uma das maiores autoridades na uva Merlot do mundo. O Montiano da quentíssima safra de 2003 estava surpreendentemente bom, equilibrado e elegante. Por ser 2003, todos achavam que o vinho seria mais blockbuster, mas o resultado mostra a mão de Ricardo. A harmonização foi aplaudida por todos, pois tanto prato quanto vinho tiveram seus espaços respeitados, cada um com sua missão, juntos compondo o papel máximo de que estão à mesa para ficar em total sintonia.

Christian Burgos
Suflê de Chocolate

Para finalizar a especial noite, o Suflê de Chocolate recebeu a companhia de um vinho também pouco conhecido por nós brasileiros. O companheiro dessa encantadora sobremesa foi o Recioto della Valpolicella Argille Bianche da Tenuta Sant’Antonio. Aqui tivemos um final em grande estilo, pois a doçura na medida do vinho foi orquestradamente complementada pelo suflê que, apesar de doce, tinha o gosto do chocolate como mola mestra. Essa harmonização de chocolate com Recioto pode rivalizar com a mais renomada dentre todas com chocolate, o vinho Francês Banyuls, com uma vantagem, o Recioto não é fortificado como seu rival francês. Ricardo encerrou nossas conversas confirmando nosso principal objetivo. “Nosso jantar foi crescendo harmonicamente em intensidade de pratos e vinhos”.

Restaurante Marcel - Tel: (11) 3064-3089

Confira a avaliação completa dos vinhos na seção CAVE.

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