A mistura de tradições à mesa é sempre bem-vinda. Ainda mais em final de Copa do Mundo, quando França e Itália formam um par inigualável
por Luiz Gastão Bolonhez
Algumas das estrelas da noite |
Era noite de quinta-feira, 06 de julho, véspera das finais da Copa do Mundo da Alemanha. Quando o evento foi organizado, nem tínhamos idéia de que um dos berços da gastronomia mundial, a Itália, seria finalista da Copa. Por coincidência, o local escolhido foi o restaurante italiano Vecchio Torino, comandado pelo chef Giuseppe La Rosa e sua esposa, Manuela. Só o planejamento do menu degustação foi uma atividade deliciosa, iniciada uma semana antes. A primeira idéia era elaborar um menu e uma carta de vinhos 100% italianos. Apesar de apaixonado pela Itália, Giuseppe sugeriu que não seguíssemos esta idéia quase radical. Após muito estudo, acabei escolhendo uma garrafa magnun (*) de um Pinot Noir francês.
A noite transcorria maravilhosa, quando Giuseppe se levantou e, com a voz em riste, disse para um de seus colaboradores: "Me traga a peça de Stilton". De repente, chega à mesa aquele maravilhoso queijo inglês. "Temos que ter um Porto Vintage para acompanhar este queijo", o chef me sugere. Naquele momento, o cardápio quase 100% italiano passou a ter três intrusos: um francês (o Pinot Noir), um português (o Porto) e um inglês (o queijo stilton). Se tirássemos o representante inglês, os outros três países, representados na mesa, eram os quatro principais destaques da Copa.
Filetti di Acciughe alla Piemontese |
Nossa mesa foi composta por José Ribeiro de Andrade (executivo do setor de finanças), Fernando Lottemberg (advogado), Gerardo Landulfo (empresário), Giusepe Lo Russo (empresário), Yorki Estefan (empresário da construção civil), Christian Burgos (publisher da revista Adega) e eu, editor de vinhos. O assunto, além da enogastronomia, não podia deixar de ser o futebol. A "italianada" era maioria na mesa e falava com entusiasmo sobre a Esquadra Azurra.
Gamberone Imperiale Abbrustolitto |
O jantar começou com uma deliciosa torrada de pão italiano acompanhada por um pequeno filé de anchova italiana (Filetti di Acciughe alla Piemontese). Para Fernando, a deliciosa acidez do "Franciacorta Cuvee Brut", com toques de levedura e pão, combinada com a intensidade da anchova, foi uma grande harmonização de abertura.
A segunda batalha veio com um leve sotaque francês, um camarão grelhado com leve toque de alho, servido com mini agrião (Gamberone Imperiale Abbrustolitto), acompanhado de um Chardonnay do Piemonte do renomado produtor Pio Cesare. Uma combinação muito adequada e equilibrada, segundo Yorki. Nada se sobrepunha, o que muitas vezes é um desafio para um vinho branco delicado, como o "L'altro 2004".
Brasato al Sangiovese |
Do terceiro ao quinto prato fomos de vinhos tintos. O primeiro da seqüência foi o espetacular e imperdível "Gnocchi com Queijo Fontina" (Gnocchi com Salsa di Pomodoro e Fontina). O delicado gnocchi feito em casa é mergulhado em um molho consistente de tomate e queijo. Esta delícia foi acompanhada por um vinho Barbera Barricato, o "Barbera D'alba Costa di Bussia Campo Gatto 2000", produzido no Piemonte pela família Sartinaro, na belíssima cidade de Monforte D'alba. "Essa combinação está perfeita. Um tinto com muita originalidade e energia para acompanhar um prato com magnitude e ao mesmo tempo sutileza", comentou José.
O quarto 'lance' foi digno de uma final de Copa do mundo. De um lado um risotto com trufas negras (Risotto com Tartufi Neri di Norcia) com muita potência e força, lembrando o zagueiro napolitano Cannavaro. Do outro lado, a elegância e finesse de um Pinot Noir de Raça que lembrava o craque Zidane. A combinação explosiva foi comentada com muita propriedade pelo chef Giuseppe: "Normalmente as pessoas acham que pela finesse do Pinot Noir devemos combiná-lo com pratos mais leves. Isso não é verdade. Os grandes Pinot Noirs têm muita elegância, mas também muita personalidade".
Acima, o chef Giuseppe prepara o Gamberone Imperiale. |
O quinto desafio foi um clássico. Um Brunello de Montalcino de vinhedo único e safra lendária com um prato que faz a marca do Vecchio Torino, o Brasato, uma picanha cozida durante horas no vinho. Para a degustação, o Barolo, normalmente usado na receita, foi substituído pela Sangiovese Grosso, uva que dá origem a um dos vinhos de maior expressão e charme na Itália. O prato foi servido com um leve purê de batatas e a harmonização com Brunello tirou suspiros de todos.
#Q#O próximo desafio da noite já é uma combinação consagrada por milhares de ingleses. Muitos italianos costumam achar que o gorgonzola italiano é melhor do que o roquefort francês, mas os dois países se rendem ao Blue Stilton quando o assunto é queijo de massa "azul" (blues). A combinação em questão é Stilton com Porto Vintage. A doçura, a profundidade e a densidade encantadora do Porto casam perfeitamente com a força, a intensidade e o salgado do Stilton, levando a uma sensação única.
Os convidados de ADEGA aplaudem o anfitrião e sua obra |
O fechamento do banquete foi com um Zabaglione preparado pela Manuela, com uma textura divina, uma doçura no ponto e um twist de limão. A sobremesa foi combinada com um dos vinhos doces mais tradicionais da Itália, o "Passito de Pantelleria". Um gran finale para a noite.
(*) Durante anos, os brasileiros foram privados de comprar garrafas de vinho com volume superior a um litro. Há dois anos, a importação foi autorizada novamente. Para vinhos de guarda, a evolução em garrafas de 1,5 litros se dá de forma mais adequada do que em garrafas de 750 ml. |
Vinhos da Noite
Franciacorta Cuvee Brut, Bellavista, Lombardia - Itália (Expand, R$ 158,00)
Perlage finíssima e veloz. Sua cor é esverdeada com sutis toques amarelos. Seus aromas são de pão, fermento e fruta seca. O conjunto é impressionante e mostra que só os Franciacortas podem ser comparados com os champagnes. Seu palato é delicado, profundo, com acidez na medida e um belíssimo retrogosto. O enólogo responsável pelos vinhos da Bellavista é o mestre dos mestres quando o assunto é espumante na Itália. Matia Vezzola foi eleito 'enólogo do ano' pelo renomado guia italiano Gambero Rosso, em 2004. Esse exemplar bate fácil muitos champagnes tradicionais do mercado e o melhor, a um preço mais acessivel
L´altro Chardonnay 2004, Pio Cesare, Piemonte - Itália (Decanter, R$ 112,70)
Cor translúcida com leves toques amarelos. Seus aromas são discretos, mas com boa concentração de frutas. Na boca se mostra um elegante Chardonnay, sem exageros. Não espere aquele toque acentuado de madeira que virou moda nos vinhos dessa uva produzidos no Novo Mundo. Melhorou bastante depois de aberto e não deve ser servido muito gelado. Pronto para consumo.
Barbera D'alba Campo Gatto 2000, Costa di Bussia, Piemonte - Itália (Terroir, R$ 150,00)
Uma grande e grata surpresa. Seus aromas são deliciosos, com uma madeira marcante de boa qualidade seguida de boa fruta (amoras e cerejas). Na boca é intenso, presente e com uma deliciosa acidez, sem dúvida a marca registrada de um bom barbera barricato. Pronto para o consumo, mas vai evoluir por mais dois anos na garrafa.
Nuits Saint Georges 1er Cru "Lês Poulettes" 1999, Domanie Guy Dufouleur, Borgonha - França (World Wines La Pastina, R$ 549, 00 a garrafa magnun com 1,5 litros)
Rubi brilhante com toques levemente alaranjados. Aromas deliciosos de framboesas e amoras com leve toque de um excelente carvalho. Ainda no olfato apresenta detalhes de baunilha e alcaçuz, finalizando com uma prazerosa doçura. Na boca mostra o que um artesão pode fazer com a maravilhosa Pinot Noir. Marcante no equilíbrio entre toques minerais, cereja e madeira. Normalmente os Nuits Saint Georges são os mais rústicos dos Pinot Noirs da Côte de Nuit. Esse exemplar, sem dúvida, é o mais sutil e generoso Nuits Saint Georges já provado. A safra de 1999 foi uma das melhores da história para tintos da Borgonha. Muito bom hoje, mas com vários anos de evolução pela frente.
Brunello di Montalcino Vigna La Casa 1997, Caparzo, Toscana - Itália (Casa do Porto, R$ 496,00)
A cor apresenta um lindo rubi. Sem perder toda a raça de um Brunello, tem uma modernidade mais marcante do que a maioria dos tradicionais. Produzido a partir de uvas provenientes da 'safra do século' na Toscana. Seu olfato é presente com toques de baunilha, cerejas e framboesas, apresentando ainda um marcante aroma de uvas passas no final. Seus taninos são redondos e sua presença na boca é impressionante. Seu final é longo e delicioso. Excelente hoje e com mais 10 anos de guarda pela frente. Talvez este vinho esteja entre os mais baratos da categoria se considerarmos o custo x benefício de um Brunello di Montalcino de vinhedo único, ou reserva da espetacular safra de 1997.
Vintage Port 2003, Taylor's Fladgate, Porto - Portugal (Portus Cale, R$ 400)
Retinto e com uma densidade incrível. Seu olfato é uma volúpia. Muita geléia de fruta negra como amoras e ameixas, com toques de especiarias e alcaçuz. Na boca podemos confirmar tudo o que havíamos detectado no nariz com o acréscimo de notas de violeta provenientes da belíssima uva Touriga Nacional. Um vinho monumental que finaliza na boca com tons de chocolate e groselha. Um dos melhores Portos já produzidos pela maior e mais prestigiada casa de Vinhos do Porto, ao lado da Fonseca. Superior, quando jovem, aos inesquecíveis 1994 e 1997, e com potencial para ser um sucessor do 1963, da melhor safra produzida pela casa. Está delicioso hoje, mas precisa de mais 20 anos para chegar ao seu topo. Um vinho que tem evolução segura nos próximos 50 anos.
Passito di Pantelleria Ben Rye 2004, Donna Fugatta, Sicília - Itália (World Wine la Pastina, R$ 124)
Cor de açúcar queimado, apresentando muita densidade. Elaborado a partir da uva Zibbibo (Muscat de Alexandria), na ensolarada Sicília. Seus aromas são de frutas secas com um destaque para um delicioso damasco (apricot). Um vinho bastante encorpado com uma doçura impressionante. Seu retrogosto é longo e intenso. Para os amantes de vinho doce, esta é uma dica de um vinho com potência e persistência. Pronto para ser degustado, mas com alguns anos de uma boa evolução na garrafa.
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