Pesquisadores descobriram em Pompeia, uma ânfora com seis litros de um líquido misterioso
por André De Fraia e Arnaldo Grizzo
Uma tumba, um corpo mumificado, quatro outros carbonizados e uma caixa de metal do lado.
Essa é a cena encontrada em Pompeia que pode marcar o vinho mais antigo já descoberto.
“Caso se confirme, será a primeira vez que se constata que o vinho se conserva neste estado e seria o mais antigo encontrado na história, um vinho com mais de 2 mil anos".
Quem diz isso é Llorenç Alapont, pesquisador da Universidade de Valencia e responsável pela descoberta. Segundo ele a câmara mortuária foi identificada como pertencente a Marcus Venerius Secundio, um ex-escravo, e os corpos carbonizados acreditam que pertenciam a sua mulher e filhos.
Ao lado dos corpos estava o que chamou a atenção dos pesquisadores, uma caixa de metal com uma urna de vidro e dentro uma ânfora com "mais de seis litros de um líquido avermelhado misterioso", diz Alapont.
O próximo passo será fazer uma análise química para determinar se o líquido é realmente vinho e bater o recorde que por hora pertence ao vinho de Speyer. Uma garrafa encontrada na cidade alemã de Speyer que data do ano de 325!
Esse rótulo pertence ao “Banca Monte dei Paschi di Siena”, um vinho de 1472 que ainda “sobrevive” no coração da Alsácia e foi provado apenas três vezes na história!
A adega do Hospices de Strasbourg contém o que é considerado esse vinho “passível de ser consumido” mais antigo do mundo. Ela foi construída em 1395, quando a instituição teve que ser transferida para fora da cidade de Estrasburgo, na França. Na época, os monges ofereciam abrigo aos pobres, peregrinos e doentes e os pacientes costumavam “pagar” pelos serviços com doações de terras, muitas delas, com vinhedos, ou então de colheitas de todos os tipos, de cereais a uvas.
Foi assim que o Hospices passou a ser dono de diversas terras, precisou criar meios para estocar os mantimentos e, obviamente, vinificar as uvas que recebia. Vale lembrar que, durante a Idade Média, o vinho muitas vezes era ministrado como parte do tratamento dos doentes. Aliás, diz-se que os pacientes do hospital de Estrasburgo recebiam cerca de 2 litros por dia. Isso sem falar do uso do vinho nos trabalhos religiosos, é claro.
A adega do hospital conta, na verdade, com três barricas verdadeiramente muito antigas dentre as cerca de 50 peças abrigadas em uma área de 1.200 metros quadrados.
Desses barris, três estão datados como sendo de 1472, 1519 e 1525. E, dentro do de 1472, com capacidade para 300 litros, repousa um vinho branco seco, que, foi atestado como apto para ser bebido da última vez que foi analisado organolepticamente, em 1994. Na época, enólogos do laboratório inter-regional da “Direction Générale de la Concurrence, de la Consommation et de la Répression des Fraudes” de Estrasburgo realizaram um exame e seu veredicto foi: “o vinho tem uma cor muito bonita, brilhante, muito âmbar, um nariz poderoso, muito fino, muito complexo, com aromas reminiscentes de baunilha, mel, cera, cânfora, especiarias finas, avelã e licor de frutas...”
Mais recentemente, porém, a bebida precisou passar por um processo delicado, pois sua barrica estava vazando e necessitou de reparos. “O velho barril estava muito velho e vazou”, disse Thibaut Baldinger, chefe da adega do Hospices de Strasbourg. Depois de descobrir que alguns litros evaporaram, o hospital colocou a bebida em um tanque de aço inoxidável em abril de 2014, enquanto se aguardava a fabricação do novo barril. Xavier Gouraud e Jean-Marie Blanchard, dois dos mais respeitados toneleiros da França, construíram uma barrica idêntica à anterior, em forma de ovo.
Assim, em 2016 foi feita uma rápida transferência do líquido para outra barrica e quem ajudou no procedimento atesta que o vinho ainda vive. A enóloga Pelagie Hertzog disse: “É um mistério enológico. O vinho tem muita estrutura e perma nece muito ácido apesar dos séculos”. Esta, contudo, não foi a primeira vez que o vinho precisou mudar de recipiente. Tem-se notícia de que esse tipo de procedimento foi feito pelo menos outras duas vezes. A última havia sido em 1718.
Quem acha que o vinho possa ter sofrido durante esse processo (com tantas tecnologias disponíveis, ele sequer teve contato com o ar), nem imagina pelo que ele precisou passar para chegar até os nossos dias. Assim como o “Banca Monte dei Paschi di Siena”, o vinho de Estrasburgo superou diversas crises.
Uma das mais graves foi o incêndio de 1716 que assolou todo o Hospices. A adega subterrânea com seu teto de tijolos abobadados, porém, milagrosamente permaneceu intacta. Anos mais tarde, eclodiu a Revolução Francesa. As terras da igreja foram expropriadas e o Hospices perdeu grande parte de seus vinhedos. Os vinhos da adega, mais uma vez, sobreviveram.
Com menos terras para cultivar e com foco na parte médica – que foi paulatinamente deixando de receitar vinho como remédio –, o hospital também foi deixando de lado a adega. Nesse tempo, vieram ainda sucessivas guerras, especialmente as I e II Guerras Mundiais. E, ainda assim, aquela barrica de 1472 sobreviveu intacta.
Até que, em 1994, já totalmente sem vinhedos, a adega foi abandonada. Os barris de madeira degradaram-se rapidamente, com os menores começando a apodrecer, e os maiores secando. Devido à falta de resultados e sem perspectiva de desenvolvimento, a adega estava condenada. Assim como o vinho. Porém, uma nova política de gestão do Hospices procurou restaurar o legado vínico do local, transformando-o em um museu, abrindo espaço para visitações e venda de vinhos novamente produzidos lá. Agora, a adega é uma fonte de renda para o hospital.
Há alguma perspectiva de esse vinho histórico ser provado? Na verdade, não. Durante seus quase 550 anos de vida, em apenas três ocasiões ele foi degustado. A primeira foi em 1576, para celebrar um acordo de assistência mútua com a cidade de Zurique, na Suíça. Na época, o vinho já tinha impressionantes 104 anos. A prova seguinte ocorreu em 1718, dois anos depois de o incêndio ter destruído o hospital, para celebrar a reconstrução do Hospices (agora já se passavam 246 anos da safra). E, por fim, em 1944, quando a cidade de Estrasburgo foi libertada na II Guerra pelo general Philippe Leclerc de Hauteclocque, que teve a honra de degustar um vinho de 472 anos de idade. O general, todavia, morreu apenas três anos após e não poderá dizer se o vinho evoluiu desde a última vez que o provou. E assim segue a lenda da adega do Hospices de Strasbourg, até que um novo fato histórico seja razão para que alguém deguste o vinho mais antigo do mundo.