A Quinta de Covela foi restaurada pelo empresário brasileiro Marcelo Faria de Lima
por Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan
Durante uma conversa na piscina de um hotel, Marcelo Faria de Lima ficou sabendo que a Quinta de Covela estava indo a leilão e ligou para seu sócio Tony Smith
O cenário é cinematográfico, com ruínas renascentistas, casas de pedra, aquedutos e uma vista maravilhosa do rio Douro. Não à toa, era o xodó de Manoel de Oliveira, o grande nome do cinema português. A Quinta de Covela, na região de Vinhos Verdes, foi sua casa até o final dos anos 1980. Dono de vasta obra, ao morrer, aos 106 anos (em 2015), um de seus projetos era fazer um filme sobre o papel das mulheres na vindima.
Mas o cineasta talvez nunca tenha imaginado um roteiro tão tortuoso e interessante quanto o que ocorreu com sua antiga propriedade até chegar aos nossos dias. Assim que Covela foi comprada pelo empresário Nuno Araújo, ainda nos anos 1980, surgiram os primeiros vinhos com a marca, que prosperou. No entanto, no final da primeira década do novo milênio, a empresa faliu. Nesse momento, surge na história a figura de um empresário brasileiro, que, juntamente com um amigo jornalista britânico, estava decidido a investir em vinhos em Portugal.
Alguns anos antes, em São Paulo, Marcelo Faria de Lima – fundador do grupo de investimento Artesia que, entre outras diversas atividades, gere a Metalfrio – havia conhecido Tony Smith, ex-correspondente de guerra da Associated Press, através de um amigo em comum durante uma estadia no Uzbequistão (é isso mesmo!). Prontamente, tornaram-se amigos. Papeavam e bebericavam vinhos nos finais de tarde quando logo passaram a discutir sobre a possibilidade e a viabilidade de produzirem vinhos. O que parecia apenas uma “papo de bar” rapidamente se transformou em coisa séria.
Lima começou a ver preços de vinhedos no Napa Valley e diversas outras partes do mundo. Sua ideia, contudo, não era apenas ter um hobby, mas montar uma nova vertente de negócio para o futuro. Smith e Lima decidiram que Portugal seria uma boa alternativa. Viram propriedades no Alentejo, Azeitão, Estremadura, Óbidos, Monção etc.
Em um dia de dezembro de 2009, durante um feriado, Lima estava na piscina de um hotel no Rio de Janeiro quando ouviu dois empresários portugueses falando sobre uma propriedade que ia a leilão, era a Quinta de Covela. Logo ligou para seu amigo e sócio e perguntou se ele conhecia o lugar e os vinhos. Ao saberem da história renascentista do lugar, da ligação com Manoel de Oliveira e da boa reputação dos vinhos, eles decidiram participar do leilão. Apesar de eles terem sido os únicos a dar lance para a compra, no último instante, um banco interveio e arrematou a propriedade.
Na semana seguinte, Lima foi informado que o banco não havia pago o sinal, tampouco o leiloeiro. O banco também não estava muito disposto a manter a propriedade, despediu os trabalhadores e deixou uma safra inteira de vinhos que já estavam em cubas se perder. Foram 60 mil litros jogados fora. Por dois anos, a propriedade definhou. No entanto, Lima e Smith resolveram intervir, reuniram-se com o banco e compraram, enfim, a Quinta de Covela, em 2011.
Encontraram um cenário completamente diferente daquele que haviam visto em 2009. Metade das vinhas estava perdida. Mas, sem esmorecer, recontrataram os funcionários, entre eles, o enólogo Rui Cunha. Ainda assim, decidiram não vinificar a safra 2011, com receio de que ela não entregasse um vinho à altura do que imaginavam. Com tudo preparado para 2012, uma chuva de granizo de dois minutos devastou metade da produção de Chardonnay, que era a grande aposta daquela primeira safra. Assim, decidiram abraçar o plano do enólogo Rui Cunha, que tinha em mente criar um Vinho Verde da casta Avesso, pouco conhecida, mas típica da região de Baião, onde a Covela se encontra. O vinho foi um sucesso, ganhando altas pontuações de renomados críticos mundo afora.
Assim Quinta de Covela enfim renasceu. Mais do que isso, Lima e Smith decidiram que não iam parar por aí e começaram a adquirir novas propriedades ao longo do Douro, como a Quinta da Boavista, a marca Quinta das Tecedeiras, além de participação na Maison Champy, um dos mais antigos negociantes da Borgonha. ADEGA teve a oportunidade de provar toda a linha de vinhos da Quinta de Covela e constatar sua qualidade.
COVELA EDIÇÃO NACIONAL AVESSO 2014
Quinta de Covela, Minho, Portugal. Branco elaborado exclusivamente a partir de Avesso, sem passagem por madeira. Mostra aromas de frutas cítricas seguidos de notas florais, minerais e de ervas, além de toques de frutos secos. Mas é na boca que diz a que veio. Vertical, tenso e vivo, tem acidez refrescante, gostosa textura e final persistente, com toques salinos e de limão siciliano, que pedem a companhia de mariscos em geral. Grande vinho. Sem dúvida, uma referência quando se trata de Avesso. Álcool 12,5%. EM
COVELA EDIÇÃO NACIONAL ARINTO 2015
Quinta de Covela, Minho, Portugal. Branco elaborado exclusivamente a partir de Arinto, sem passagem por madeira. Apresenta um estilo mais cheio e frutado quando comparado ao Avesso, mantendo a acidez vibrante e a mineralidade. Estruturado, as notas de peras juntam-se às de frutas cítricas, tornando-o ainda mais sedutor e agradável de beber. Tem bom volume de boca e final longo, com toques salinos, pedindo mais uma taça. Álcool 12,8%. EM
Quinta de Covela, Minho, Portugal. Branco composto de Avesso e Chardonnay, além de toques de Arinto e Gewürztraminer, sem passagem por madeira. Seguramente, entre os melhores exemplares elaborados no Minho, mostra precisão e tensão, tudo em meio a muita fruta. Estruturado, tem ótimo volume, acidez vibrante, boa textura e final persistente, com toques minerais e cítricos. Álcool 13,3%. EM
Quinta de Covela, Minho, Portugal. Rosado elaborado exclusivamente a partir de Touriga Nacional, sem passagem por madeira. Surpreende pelo equilíbrio do conjunto, é fresco e frutado, sem comprometer seu lado austero e vertical, o que é muito difícil de se conseguir em rosés. Mostra frutas cítricas e vermelhas seguidas de notas florais e salinas, tudo ornado por vibrante acidez e agradável textura. Para rivalizar com os melhores rosados da Provence. Álcool 12,6%. EM
Quinta de Covela, Minho, Portugal. Tinto composto de Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Merlot, com estágio entre 12 e 18 meses em barricas de carvalho francês. Surpreende como ainda está vivo e cheio de fruta, mesmo com mais de 10 anos de garrafa. Num estilo mais clássico e austero, tem acidez refrescante, taninos de boa textura e final agradável e equilibrado, com toques de frutas vermelhas ácidas e de especiarias. Álcool 13%. EM