McLaren Vale, perto de Adelaide, é famosa por seus vinhedos antigos e livres de filoxera
por Arnaldo Grizzo
A Austrália tem mais de 60 indicações geográficas ligadas ao vinho, a maioria delas nas regiões de New South Wales e Victoria, no sudeste do país, e em South Australia, no centro sul, muito próximo à cidade de Adelaide.
Ali estão alguns dos principais vales vitivinícolas australianos como Barossa, Eden, Claire e McLaren. Acredita-se que as origens vitivinícolas do sul da Austrália estejam em McLaren Vale, uma região que faz parte da península chamada Fleurieu, no golfo de St. Vincent, a cerca de 45 minutos de Adelaide.
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Antes de os colonos chegarem à região, ela era habitada pelos Kaurna, um grupo de povos aborígenes cujas terras tradicionais incluem as planícies ao redor de Adelaide, no sul da Austrália.
O território tribal se estendia do Cabo Jervis, no fundo da península Fleurieu, até Port Wakefield, na costa leste do Golfo de St Vincent, e tão ao norte quanto Crystal Brook, no Centro-Norte. Eles eram conhecidos como a tribo Adelaide pelos primeiros colonizadores. Mas a cultura e a língua Kaurna foram quase completamente destruídas em poucas décadas da colonização britânica do sul da Austrália.
A colônia de South Australia foi fundada em 1836 e McLaren Vale foi estabelecido dois anos depois. Aliás, o nome da região deriva de duas possíveis origens: John McLaren ou David McLaren, da South Australia Company.
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Dois fazendeiros ingleses vindos do condado de Devon, William Colton e Charles Thomas Hewett teriam sido atraídos pela fertilidade dos solos e pela disponibilidade de água fresca e assim estabeleceram fazendas vizinhas, que se tornariam a Oxenberry Farm, que ainda hoje produz vinhos. Ou seja, eles foram os pioneiros na área, mas inicialmente, o foco dos colonos não era as videiras, e sim cereais e gado.
Em 1839, outro jovem fazendeiro de Devon, James Reynell, fundou o primeiro vinhedo comercial de South Australia. Em 1850, ele foi acompanhado por um personagem cujo nome se tornaria lendário no cenário vinícola australiano, Thomas Hardy. Hardy aprendeu muito durante o período em que trabalhou para Reynell, conhecimento que utilizou ao estabelecer sua própria propriedade, Bankside, em 1853.
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Quatro anos depois, Hardy produziu cerca de 600 litros de vinho Shiraz e Grenache, que foram exportados para a Inglaterra. Na época, essa foi a maior exportação de vinho a granel para a Inglaterra, e o sucesso das vendas inspirou Hardy a plantar mais vinhas, dando início a um dos maiores nomes da vinicultura mundial.
McLaren Vale produzia o que o mercado demandava, e assim, grande parte da produção inicial era composta por imitações de clássicos europeus. No final do século XIX, seguindo o gosto vitoriano por tudo o que era doce, a produção se concentrou na crescente demanda por vinhos fortificados.
O negócio prosperou, e com o aumento de capital, algumas vinícolas começaram a investir em linhas de engarrafamento e a vender vinhos diretamente aos consumidores, em vez de através de comerciantes de vinho a granel.
Esse marco de qualidade para McLaren Vale coincidiu com a chegada de novos imigrantes, desta vez da Itália, após a II Guerra Mundial. Esse novo influxo trouxe consigo a cultura do azeite e da gastronomia, que tanto contribuíram para a reputação da região como centro gastronômico. Assim como em outras regiões australianas, foram nas décadas de 1970 e 1980 que os vinhos de McLaren conquistaram o reconhecimento. Mais de 25 novas vinícolas foram estabelecidas, especializadas na produção especialmente de Shiraz, Cabernet e Grenache. Hoje, McLaren Vale abriga mais de 170 produtores e mais de 80 vinícolas. A região é uma indicação geográfica desde 1997.
Dos 7.375 hectares de videiras plantadas na região vinícola de McLaren, as cinco principais variedades mais amplamente plantadas são: Shiraz 56,23%, Cabernet Sauvignon 17,54%, Grenache 6,93%, Chardonnay 3,46% e Merlot 2,38%. Ou seja, Shiraz, Cabernet Sauvignon e Grenache destacam-se.
O Shiraz destaca-se por sua elegância e diversidade, enquanto o Grenache é conhecido por sua complexidade e vinhas velhas cultivadas em solos arenosos. O Cabernet Sauvignon da região é encorpado e com grande potencial de envelhecimento.
Além dessas variedades tradicionais, McLaren Vale tem investido em uvas emergentes adaptadas ao clima quente mediterrâneo, como Nero d'Avola, Sangiovese e Tempranillo. Nos vinhos brancos, o destaque vai para Fiano, uma variedade italiana que se tornou um ícone na região, e Chardonnay, que exibe equilíbrio e versatilidade. Outras variedades brancas emergentes incluem Viognier, Vermentino e Picpoul.
E as videiras antigas da região são um legado que vem sendo protegido. O “McLaren Vale Wine Region Old Vine Register” foi criado para destacar essas videiras centenárias, que se beneficiam da ausência de filoxera na região, permitindo que algumas das vinhas mais antigas da Austrália ainda prosperem.
Sabe-se que há dezoito plantações separadas de vinhas com mais de 100 anos na região. As vinhas nessa faixa etária consistem predominantemente de Shiraz, seguidas de perto por Grenache e Mataro.
O clima de McLaren Vale é de estilo mediterrâneo, com verões quentes, invernos moderados, chuvas concentradas no inverno, baixa umidade relativa e alta evaporação. A região tem uma forma triangular e é delimitada ao norte por Adelaide, a leste e sul pelas cordilheiras de Mt Lofty, e a oeste pelo Golfo de St Vincent.
A proximidade das cordilheiras de Mt Lofty e do Golfo de St Vincent desempenha um papel crucial na moderação climática, contribuindo para variações meso e microclimáticas. A elevação na área atinge até 350 metros nos sopés de Sellicks e Chandlers Hill, com a maioria dos vinhedos situados em terrenos planos ou suavemente ondulados, entre 50 e 150 metros de altitude.
O vento também é um fator significativo em McLaren Vale. A região é influenciada por duas fontes de vento distintas: os ventos das ravinas, que sopram de leste para oeste através dos contrafortes, e as brisas marítimas, que se movem de sul para norte a partir do Golfo de St Vincent.
Além disso, McLaren Vale é uma região vinícola com grande diversidade geológica. Com mais de 40 formações, que variam entre 15 mil e 550 milhões de anos de idade, a geologia da região influencia diretamente os sabores dos vinhos.
Um “Mapa Geológico da Região Vinícola de McLaren Vale” foi criado após décadas de estudo minucioso por geólogos, e se tornou uma ferramenta essencial para entender a complexa relação entre a geologia e as características dos vinhos modernos. Publicado pela primeira vez em 2010 por Bill Fairburn, Jeff Olliver e Wolfgang Preiss, em parceria com o escritor de vinhos Philip White, o mapa foi atualizado em 2019 com base em novas pesquisas.
Os solos vão do franco-arenoso marrom-avermelhado, passando por areias argilosas marrom-acinzentadas com subsolos de argila calcária, até solos arenosos e manchas de franco-friável vermelho ou preto.
A Indicação Geográfica de McLaren Vale é um reflexo da rica herança vinícola, da diversidade geológica e das condições climáticas. Com uma combinação única de solos antigos, um clima mediterrâneo moderado e práticas vitivinícolas inovadoras, McLaren Vale tem oferecido vinhos profundamente conectados ao seu terroir. A preservação e o reconhecimento desta identidade geográfica garantem que a região continue a produzir vinhos que mantém seu legado.