Vinícola chilena é relativamente jovem, mas chama atenção com estrutura e vinhos
por Christian Burgos
A chilena Viña Vik tem menos de 20 anos de história, mas, em pouco tempo, tem chamado muito a atenção, tanto por seus vinhos quanto por sua estrutura (tem uma vinícola impressionante com um hotel de altíssimo luxo), isto sem falar em uma filosofia enológica centrada no conceito de buscar a essência da essência do terroir onde se encontra, em Millahue, no vale do Cachapoal.
A ideia da vinícola começou em 2004 com Alexander Vik e sua esposa Carrie. Vik é um bilionário norueguês criado na Suécia e educado nas Ilhas Canárias, que frequentou Harvard, onde ganhou o campeonato de golfe duas vezes. Na época, ele tinha a ideia de encontrar o melhor terroir para produzir um dos vinhos mais prestigiados do mundo. Depois de dois anos de pesquisa, chegaram a Millahue, no Chile, onde plantaram 327 hectares.
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O projeto arquitetônico da vinícola foi feito pelo premiado Smiljan Radic, após um concurso promovido pelo casal Vik. Para cuidar da enologia, eles chamaram um proeminente enólogo chileno, Cristián Vallejo, cuja carreira vinha crescendo exponencialmente. Tão logo se formou, foi empregado pela Viña Undurraga e, em seguida, na Valdivieso. Depois, a família Canepa lhe ofereceu uma posição na TerraMater, onde ele permaneceu por 10 anos, alternando seu tempo entre o trabalho no Chile e estágios no hemisfério norte.
Assim, trabalhou no Château Margaux, Château Léoville Poyferré, Château Le Crock Saint-Estèphe e Château Berliquet. Também esteve na Itália, na La Cantina di Toblino no Valle dei Laghi, Trentino Alto Adige. Na Espanha, trabalhou com Clos Montblanc na Catalunha e para um pequeno produtor em Priorat. Por fim, esteve na Franciscan Winery em Napa.
O trabalho chamou a atenção dos Vik, que o convidaram para trabalhar em 2007 e, desde então, Vallejo pratica uma vinificação holística, pensando no terroir de forma ampla, usando carvalhos do vale para a tosta das barricas, flores do campo para ampliar a gama de leveduras, argila do solo para ânforas...
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Em passagem pelo Brasil, Cristián Vallejo conversou com a Revista ADEGA e deu mais detalhes sobre essa filosofia de trabalho. Confira:
Você já está há um bom tempo em Vik e mantém uma filosofia de trabalho diferente. Quando chegou, o projeto estava apenas começando...
A família começou com a ideia de criar seu vinho em 2004. Passaram a procurar um lugar que fosse diferente para ter um vinho que concorresse com os melhores do mundo. E foram procurar na França, na Argentina, na Espanha, em lugares diferentes. Finalmente chegaram ao Chile e compraram a propriedade em 2006. Em 2007, começaram a plantar e eu cheguei. Quando cheguei, não havia nada, era um campo lindo, um terreno incrível, com muita influência no vento, seis vales diferentes em alturas diferentes. Se você olhar para isso, tem que sair um vinho muito bom. E todos com tanta confiança, com tanta alegria, com tanta vontade de fazer um vinho de alta qualidade, então começamos a trabalhar, mas de uma forma diferente, sempre com atenção aos detalhes. Primeiro, com alta densidade no vinhedo, algo que não existia no Chile. E 100% porta-enxerto, o que também não é necessário no Chile porque não há filoxera, mas ajuda muito no momento da precisão da colheita. E começamos a fazer muitas coisas, com muitos detalhes que todo mundo dizia que eram loucuras.
Como isso interfere no vinho?
Percebemos ao longo do caminho que essa filosofia de trabalho era uma coisa bonita, ou seja, que o vinho inteiro era mais do que a soma de suas partes. Trabalhamos sem intervenção, de forma orgânica há 17 anos, quando isso não estava na moda para a sustentabilidade ainda. Desde o início temos essa forma de pensar, por isso trabalhamos há 17 anos fazendo vinhos que não têm intervenção, não há adições, sem filtrações, com leveduras autóctones. E hoje entramos nesta forma de trabalhar que, no final, nos permite produzir um vinho só com o que é nosso.
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Como assim?
Porque trabalhávamos sem intervenção, mas a barrica vinha da França, não era do local. Então, em 2018 comecei a pensar em como poderíamos fazer a barrica, a única coisa que usávamos que não era nossa. E foi aí que começamos nosso programa de valorização “barroir”, de barricas e terroir, que consiste em trazer a madeira da França para as aduelas dos barris. Fazemos as barricas como Margaux faz, mas tostamos com os carvalhos que possuímos. Então, é aí que a gente dá identidade. A floresta de carvalhos chilenos do lugar tem árvores de 200 anos. Como trabalhamos sempre de forma sustentável, não cortamos árvores, mas recolhemos as que caem naturalmente. Assim começamos a fazer esse programa e hoje nossos vinhos têm um conceito de enologia circular. Quase tudo o que nasce no campo é vinificado na vinícola e retorna à natureza. O vinho é um conceito diferente. Na verdade, estamos desenvolvendo um projeto muito divertido que vamos terminar em dezembro [de 2024], onde realmente conectamos a natureza na última parte desse círculo.
Como será isso?
Essa última parte tem muitos detalhes, mas, bem resumido, queremos ver se a natureza nos ajuda a envelhecer o vinho. Porque normalmente todo mundo faz o vinho, tira as uvas do lugar, faz o vinho na vinícola, mas e o envelhecimento? Tudo é feito na adega, mas vamos garantir que este envelhecimento seja feito pela natureza. Então, o vinho retorna à natureza. Há uma troca, que gera um novo espírito do vinho. E aí se encerra o círculo completo, com o vinho em enologia circular.
Vocês lançaram um Champagne... é como um retorno à França? O que pode falar sobre isso?
Eu trabalhei em várias equipes de ponta de Grand Cru Classés. Então fiz um mapa para entender a cultura. Voltar para a França para mim é muito significativo, muito poderoso, porque realmente aprendi muito lá sobre fazer vinho no vinhedo, depois como tentar trabalhar com tanino; na Itália, como tirar o perfume do vinho; nos Estados Unidos, como usar a tecnologia como ferramenta para ajudar; e na Espanha, a mais da parte tradicional de fazer vinho. Então me dediquei a aprender sobre diferentes culturas, como eles viam o vinho. Por quê? Porque as coisas em todos os países são iguais, as cubas são as mesmas, as prensas são as mesmas, nisso não há diferença. Mas a forma de pensar é diferente. Você pode aprender uma visão e voltar. Nosso Champagne é de uma área bem conhecida, Aÿ, e é uma seleção de parcelas especiais, que são dedicadas apenas ao nosso Champagne, um solo de ardósia e giz. Então o vinho é muito elegante, um blend de 70% Chardonnay com 30% Pinot Noir de 2009, um ano especial. Mantivemos o vinho nas borras por mais tempo do que o normal, então isso dá uma cremosidade, uma elegância na boca. E todo esse tempo que ficou na garrafa gerou uma espécie de buquê em que se encontra frutas frescas, mas também frutas secas, amêndoas, nozes, leveduras. Tem um colar de bolhas muito fino. Na boca, uma sensação cítrica e de movimento, uma gama de sabores muito intensa, mas muito equilibrada. Foi bom para mim poder ter a oportunidade de ir trabalhar lá e fazer esse Champagne.
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Como essa visão do Champagne se conecta com a sua visão dos vinhos do Chile?
São parcelas escolhidas pelas características do solo, assim como nosso vinho. Cada vinho vem de um lugar específico no nosso terroir. Apesar de eu ter trabalhado muito na França, não gosto de fazer o melhor vinho e depois, com o que não entra nele, um vinho número dois, e assim por diante. Acho que temos que escolher as parcelas para fazer uma escala e, a partir daí, trabalhar cada vinho. Trabalhar as uvas de forma diferente e, depois, na adega também, onde a vinificação é diferente.
Mas existe uma conexão entre Vik e Milla Cala?
Cada um segue seu próprio caminho. Se fizerem evoluções neles, cada um será à sua maneira. Mas Milla Cala é como a introdução para nós. Ao contrário de outras vinhas, começamos com o nosso principal vinho. Nos dois primeiros anos, 2009 e 2010, só fizemos Vik. Então percebemos que precisávamos de uma introdução e digo introdução porque não gosto de fazer um segundo ou terceiro vinho. Porque ele vem de sua própria parcela, é um vinho que conta sua história em duas taças. A história é simples, elegante, fácil de ler. Já Vik é um vinho, que cada taça conta algo. A história vai mudando. Eu sempre digo que é um livro, cada taça um capítulo e cada gole é uma página, que realmente conta uma história. E a La Piu Belle fala de outro lugar. São as parcelas de Carménère que escolhemos. Trabalhamos especificamente para isso e tostamos as barricas para isso também.
Trabalham com ânforas?
Usamos ânforas de argila, as chamamos de “amphoir”, ânforas de terroir, com argila própria. Então, a oxigenação que é produzida é própria da argila do lugar, e a mineralidade que a ânfora dá ao vinho é particular. E temos um programa de trabalho que chamamos de “fleuroir”, de flores e terroir. Saímos para colher flores nativas em toda a província. Temos 4.300 hectares, mas trabalho com 330 hectares, ou seja, estou recebendo sabores de menos de 10%. Poderia tirar sabores dos outros 90% também? Como trazê-los? Como podem ser usados no vinho? Leveduras nativas. A levedura nativa está em toda parte. Começamos a procurar onde poderíamos encontrar altas concentrações e percebemos que nas flores há uma quantidade de leveduras muito grande. Em seguida, colhemos as flores, secamo-las ao sol, ao natural e, depois, na colheita, elas são aplicadas sobre a uva.
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Como isso funciona?
É como fermento seco. Quando toca no mosto, o fermento começa a funcionar. As flores são nativas e nos certificamos de que elas não tenham gosto ou cheiro, porque o importante não é a flor, é o fermento que trabalha em conjunto com outras leveduras do vinho. Com os estudos que fizemos, hoje há duas novas famílias de leveduras que não tínhamos antes. Conhecíamos as que estavam no vinhedo, mas as duas que vieram através das flores não estavam lá.
E vocês sabem exatamente quais são as flores que contribuem para isso?
Todos os anos saímos para colher sempre as mesmas flores, mas sempre com a visão de sustentabilidade, de manter o equilíbrio. Quando você está tirando flores, está tirando algo do terroir, perturbando o equilíbrio. Então, procuramos biólogos e encontramos uma fórmula de não tirar mais do que 5%. E fazemos um jardim de flores, reproduzimos essas flores e as devolvemos. Por isso, estamos sempre renovando. Também por isso falo da enologia circular. No fundo, eu tiro e devolvo. Isso começa a ser um círculo.
É um conceito de terroir extremo...
Quando o vinho está conectado à natureza, tudo é devolvido à natureza. Então, no final das contas, é uma personalidade dividida. A gente sempre compara muito com arte. E, na verdade, é uma obra de arte. Mas sempre digo que é a única arte que tem dois autores: o enólogo e a natureza. O lugar. Porque a natureza dita e alguém interpreta. E aí a garrafa vira natureza na mesa. E quando você coloca uma garrafa de qualquer lugar na mesa, você está trazendo toda uma história de pessoas que trabalharam em um lugar. Então, para mim, o vinho na mesa é trazer a natureza em um resumo muito complexo de tudo o que acontece naquele lugar.
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A garrafa de Champagne tem também uma arte...
São duas obras de Elena Trailina, uma artista russa que vive em Milão, que nós colocamos juntas nessa garrafa. E quando você usa dois trabalhos juntos, você cria um terceiro. Por isso, o nome deste novo trabalho é “Photosynthesis”. Por quê? Porque a fotossíntese é um processo natural da planta, em que ela pega componentes e cria algo novo. Então, é praticamente o mesmo conceito.
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