As principais diferenças das margens direita e esquerda de Bordeaux
por Arnaldo Grizzo
Em um mundo em que cada vez mais opiniões políticas contrárias se acirram, no vinho há um porto seguro quando falamos das diferenças entre a “direita” e a “esquerda”. Apesar de o tema também suscitar debates, dificilmente algum defensor da “direta” despreza o que é feito pela “esquerda”.
Aqui estamos falando dos vinhos produzidos nas duas margens do rio Gironde, em Bordeaux, e suas famosas denominações. Para muitos, o debate entre margem direita e margem esquerda se resume a Cabernet Sauvignon versus Merlot, mas isso é uma simplificação muito rasa do que as duas regiões apresentam e de suas diferenças.
Sim, a margem direita tende a ter vinhos baseados em Merlot enquanto a esquerda em Cabernet, contudo, é preciso avaliar muito mais do que isso.
Para entender essa questão de direita versus esquerda em Bordeaux, é preciso compreender a geografia. O principal rio da região, o Gironde, desemboca no oceano Atlântico, e seu trajeto divide a região em duas. Na verdade, é a confluência de outros dois importantes rios da região, o Dordogne (à direita ou norte) e o Garonne (à esquerda ou sul).
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No lado esquerdo estão as regiões de Médoc e Graves, principalmente, enquanto que do lado direito, dito Libournais, ficam sub-regiões como Pomerol e Saint-Émilion por exemplo.
Os vinhos de Bordeaux, em geral, são conhecidos por serem blends de castas. No entanto, a proporção das castas varia conforme a região.
Na margem esquerda, especialmente no Médoc, com clima mais úmido e solos com mais cascalho, a Cabernet Sauvignon tende a prevalecer. Quase sempre dominante nas misturas, ela vai trazer muita estrutura aos vinhos, favorecendo a longevidade. Ela costuma ser complementada pela Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot.
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Já na margem direita, principalmente nas regiões ao redor da cidade de Libourne, onde o solo é mais argiloso, a Merlot ocupa um lugar de destaque. A maior proporção de Merlot na mistura oferece mais elegância aos vinhos. Aqui, a Cabernet Sauvignon representa cerca de 10% da produção, ou seja, menos até do que a Cabernet Franc.
Essa predominância de variedades distintas em cada margem obviamente dá o tom dos vinhos, todavia, é preciso entender o porquê de elas prevalecerem nessas regiões e também como o terroir afeta seus estilos.
Em geral, Bordeaux possui um clima oceânico quente e úmido. Isso protege as videiras das geadas e doenças como mofo e bolor tendem a ser minimizadas pelas brisas. A posição geográfica da península, situada entre duas grandes massas de água, que regulam a temperatura ao longo do ano, cria um microclima favorável às vinhas. Diante disso, as principais diferenças encontram-se na terra.
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Na margem esquerda, há uma combinação de dois tipos de solo com cascalho dos Pirineus, transportado pelo rio no final do período terciário, misturado com areia e solo aluvial, combinado com cascalho quaternário de Garonnaise ao longo da margem esquerda do estuário. Este tipo de solo é encontrado principalmente na região de Haut-Médoc.
O outro terroir, encontrado em Moulis, Listrac e Saint-Estèphe, por exemplo, é predominantemente argila e calcário, uma combinação de solo denso e de pedras, que ajuda a regular o estresse hídrico da videira ao redistribuir a água subterrânea coletada durante a estação chuvosa. Esses solos produzem vinhos bem estruturados, ricos em taninos.
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Além disso, o traço característico da paisagem do Médoc são suas ondulações suaves, com o ponto mais alto de 43 metros em Listrac-Médoc. Seu relevo é complexo, composto por uma sucessão desses afloramentos de cascalho com vista para as terras baixas do estuário e dos pequenos riachos que fluem para dentro do Gironde. Ou seja, a parte de cascalho é onde as vinhas mais prosperam na margem esquerda, e a Cabernet Sauvignon se dá melhor nesse tipo de solo.
Já na margem direita, os vinhedos tendem a ficar localizados em planaltos. Os solos desses platôs são formados de cascalho mais ou menos compacto na superfície, argila e areia. Os subsolos, especialmente no Pomerol, contêm óxidos de ferro, que são chamados na região “sujeira de ferro”.
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A área de Saint-Émilion, por exemplo, consiste em um platô de calcário ao redor da cidade. Um vasto terraço de leitos de cascalho com argila siliciosa se estende em direção a Libourne, com as colinas e vales de calcário argiloso e a planície de cascalho arenoso do vale do Dordogne.
Uma grande variedade de solos se desenvolveu em duas formações geológicas que deram à região um relevo característico: da era terciária (argila siltosa, muitas vezes calcária) e da era quaternária (cascalho e/ou areia).
Lá, a presença de argila é quase constante nos subsolos mesmo quando há muita presença de calcário, o que favorece o acesso das vinhas à água e o fato de a Merlot se adaptar melhor aqui deve-se à maturação precoce e sua preferência por solos frescos com textura de argila, nos quais ela pode expressar seu potencial.
Na margem esquerda ficam denominações dentro do Médoc, Graves e Sauternes. O Médoc tem oito denominações que incluem duas sub-regiões (Médoc e Haut-Médoc) e seis comunas (Saint-Estèphe, Pauillac, Saint-Julien, Moulis en Médoc, Listrac-Médoc e Margaux). Na região de Graves e Sauternes há, Barsac, Cérons, Graves, Péssac-Léognan (esta duas com subdivisões) e Sauternes.
Já a margem direita compreende denominações como Canon Fronsac, Castillon – Côtes de Bordeaux, Francs – Côtes de Bordeaux, Fronsac, Lalande-De-Pomerol,
Lussac-Saint-Émilion, Montagne Saint-Émilion, Pomerol, Puisseguin Saint-Émilion, Saint-Émilion e Saint-Georges-Saint-Émilion.
A classificação mais famosa de Bordeaux refere-se à margem esquerda, mais especificamente o Médoc, com apenas um adendo de um vinho de Péssac-Léognan (Château Haut-Brion).
A classificação de 1855, solicitada por Napoleão III para a Exposição Universal daquele ano em Paris, apontou os principais produtores da região divididos em cinco categorias. Hoje são cinco Premiers Crus, 14 Deuxièmes Crus, 14 Troisièmes Crus, 10 Quatrièmes Crus e 18 Cinquièmes Crus. Na mesma época, foram classificados os vinhos de Sauternes e Barsac, divididos em um Premier Cru Supérieur (Château d’Yquem), 11 Premiers Crus e 15 Deuxièmes Crus.
Outra classificação da margem esquerda é a de Graves, feita em 1953 a pedido do sindicato local para o Instituto Nacional de Denominações de Origem (INAO), que estabeleceu 16 produtores como Crus, sem distinção de hierarquia, sendo sete Crus para vinhos tintos, três para brancos e seis para tintos e brancos.
No Médoc ainda há a classificação Crus Bourgeois, que teoricamente existia desde a Idade Média e foi revivida a partir de 1932. Apesar de algumas controvérsias, essa classificação publica uma lista de produtores renovada anualmente desde 2010. E há ainda a classificação Cru Artisan, também do Médoc, que compreende produtores pequenos, ditos artesanais.
Do lado direito do Gironde, apenas uma região possui uma classificação reconhecida: Saint-Émilion. A partir de 1954, a pedido do sindicato de produtores de Saint-Émilion, o INAO iniciou a classificação de Crus da denominação e, segundo as regras, a lista deveria ser revisada a cada 10 anos.
Desde então, seis listas foram criadas. A última foi de 2012, que contou com 82 propriedades, sendo 64 Grands Crus e 18 Premiers Grands Crus. Esta classificação, contudo, quase sempre é alvo de ações judiciais por parte de alguns produtores que se sentem prejudicados.
Apesar da pouca distância entre as regiões, as influências climáticas e de terroir criam algumas variações entre as safras das margens direita e esquerda. Em geral, ambas as margens se dão melhor em épocas em que há menos umidade e temperaturas mais frias durante as noites na temporada (maior amplitude térmica).
O Médoc é capaz de suportar melhor safras em que o índice pluviométrico é maior. Chuvas muito intensas, contudo, costumam ser um problema para as denominações na margem direita, que, apesar de mais secas, têm solos que encharcam facilmente. A margem direita, por sua vez, é capaz de assimilar melhor anos mais frios do que a margem esquerda.
A lista de produtores consagrados nos dois lados do Gironde é extensa.
Na margem esquerda, podemos começar pelos cinco Premier Grand Crus de 1855: Château Margaux, Lafite, Latour, Mouton e Haut-Brion. Ainda temos os Pichon Baron e Pichon Lalande, Pape Clement, Cos d’Estournel, Lynch Bages, Pontet Canet, Issan, Palmer, Lascombes, La Mission Haut-Brion, Kirwan, Giscours, Yquem em Sauternes e tantos outros.
Na margem direita, temos nomes como Ausone, Angelus, Clinet, Cheval Blanc, La Conseillante, Le Pin, Petrus, Figeac, Lafleur, Pavie, Valandraud, Le Gay etc.