Vinhos armazenados em garrafas transparentes podem ganhar 'gosto de luz' que pode ter efeitos similares ao bouchonné
por Rodrigo Mainard
Qual a desvantagem de envasar um vinho em uma garrafa transparente? O risco de o vinho apresentar o chamado “goût de lumière”. A expressão francesa, “gosto de luz” em uma tradução literal, parece até uma descrição elogiosa, entretanto, tem mais em comum com o “goût de bouchon”, ou bouchonné, do que com uma qualidade positiva.
Ela refere-se à contaminação do vinho pelos raios UV, que podem deixar um vinho fresco e saboroso com aromas sulfurosos, que lembram alho ou repolho cozido – o que certamente não gostaríamos de encontrar em um bom rosé.
Assim como era costume envazar azeites e cervejas em garrafas escuras, as garrafas de vinho também seguiam a mesma regra. A razão para isso foi sempre a mesma: para que o líquido ficasse protegido da luz do sol.
A primeira notável exceção a esse costume surgiu com o Champagne Cristal. Em 1873, o Czar Nicolau II da Rússia encomendou uma cuvée especial e personalizada para Louis Roederer.
Para tornar o vinho ainda mais luxuoso, ele foi engarrafado em uma garrafa de cristal transparente – muito mais cara e sofisticada que as garrafas normais. Até hoje, o Champagne Cristal é vendido em sua icônica garrafa transparente, mas ela é embalada em uma folha de celofane laranja, que protege o vinho dos raios ultravioleta (UV).
Com o sucesso cada vez maior de vinhos e espumantes rosados, sem falar do novo nicho dos brancos elaborados com contato prolongado com as cascas, o número de rótulos engarrafados em vasilhames transparentes tem crescido bastante.
A vantagem de engarrafar um vinho como esses em garrafas transparentes é óbvia: é o melhor modo de mostrar a bela sua cor, uma eficiente estratégia de mercado para seduzir o consumidor. O aspecto visual de um vinho, muitas vezes, dá pistas do que está por vir e a cor salmonada e exuberante de um rosado da Provence, por exemplo, certamente desperta a vontade de tomar uma taça gelada em um dia ensolarado.
A luz provoca reações químicas com a riboflavina (vitamina B2) e os aminoácidos presentes no vinho, resultando em componentes sulfurosos como o dimetil dissulfeto (DMDS) e no metanotiol (CH4S), famosos pelos aromas desagradáveis.
Com as reações químicas, a fruta do vinho vai embora e dá lugar a um aroma oxidativo e de papelão. Um vinho que esteja bastante contaminado com o goût de lumière não será consumido, mas o problema são as garrafas levemente contaminadas.
Para os enófilos com pouca experiência ou que não conhecem o vinho que está sendo provado, o defeito pode passar despercebido. Os tintos são bem menos afetados porque os taninos os protegem, evitando essas reações.
As garrafas mais escuras conseguem bloquear mais de 90% dos raios UV, enquanto as verdes mais claras boqueiam mais de metade da luz nociva. As garrafas transparentes, por outro lado, oferecem uma proteção reduzida, de não mais que 10%, à radiação ultravioleta.
Segundo o Master of Wine Alex Hunt, dependendo da intensidade e do tipo de vinho, a luz pode arruinar uma garrafa em apenas uma hora. Tom Stevenson, um dos maiores especialistas em espumantes do planeta, tem chamado atenção para o problema e propôs uma experiência para que seus leitores comprovem como a luz pode ser nociva ao vinho:
Compre duas garrafas de espumante rosado de garrafa transparente de um fornecedor confiável. Guarde uma delas no escuro e deixe a outra exposta à luz por uma semana. Abra as duas garrafas e compare. Segundo Stevenson, a diferença é alarmante. Para deixar o problema ainda mais grave, não é apenas o sol que emite raios ultravioleta. Lâmpadas fluorescentes e dicroicas também são fontes de raios UV.
Devemos então evitar a todo o custo qualquer vinho envasado em garrafa transparente? Claro que não, mas é muito importante saber como a loja ou importadora armazena esse tipo de garrafa e não deixar seus vinhos expostos à luz.
As lâmpadas de LED quase não emitem raios UV e vale lembrar que as portas de vidro dos bons fabricantes de adega contam com um filtro para radiação ultravioleta. Tomando os devidos cuidados, é possível aproveitar e exibir à mesa as belas cores dos rosados e brancos que, felizmente, estão cada vez mais na moda.
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