Vinhos bordaleses são tão especiais que sequer devem ser harmonizados? Nada disso. ADEGA pôs à prova vinhos e pratos baseados no terroir bordalês
por Carlos Cordeiro - Cwp
Bordeaux. A simples menção desse nome inspira reverência. O respeito é tal e a ideia de que todo Bordeaux é um La Tour ou um Mouton nos induzem a pensar que os vinhos bordaleses têm vida própria, não devem ser harmonizados com a refeição. Mas não é bem assim, mesmo os grandes podem ser bem acompanhados, ou melhor, escoltados.
Para ilustrar as possibilidades do vinho de Bordeaux, valemo-nos da ampla variedade que a região oferece. Por vezes relegados ao segundo plano, os brancos bordaleses conseguem alcançar excelente qualidade. Muitos dos grandes Châteaux da região também produzem vinhos brancos, como é o caso dos dois exemplares que selecionamos. O Clarendelle Blanc 2009 é dos mesmos proprietários do ícone Château Haut-Brion, enquanto o Goulée Blanc 2005 é o segundo vinho branco do Domaine Reybier-Cos d'Estournel. Entre os tintos, selecionamos um exemplar de cada margem: o Château Fleur Cardinalle 2007, um Grand Cru Classé de Saint-Émilion - que representa a margem direita, onde encontramos o célebre Pétrus, por exemplo; e o Château Potensac 2005, vinho da família do Château Léoville-Las Cases, representante do Médoc, margem esquerda.
Às vezes relegados ao segundo plano, os brancos bordaleses apresentam excelente qualidade
A variedade dos pratos selecionados também é larga. Começamos com vieiras, ou mais precisamente, Coquilles Saint Jacques à la Bordelaise, uma receita extremamente leve, em que as vieiras são levemente grelhadas na manteiga com chalotas e salsinha. O segundo prato selecionado foi o clássico Moules Frites (que os franceses não nos ouçam, mas se trata de um prato original da Bélgica), porém feito ao estilo bordalês. Isso significa que, depois de cozidos com vinho branco, os mariscos recebem um "recheio" de chalotas, alho, salsinha e farinha de rosca. Essa pasta é colocada sobre os mariscos, que são rapidamente gratinados.
Para os vinhos tintos, escolhemos dois pratos à base de carne vermelha, um Entrecôte com Sauce e Cèpes Bordelaise, ou seja, com o tradicional molho bordalês à base de vinho tinto e cogumelos sortidos salteados com alho, cebola e salsinha, e o Gigot en Gasconnade, um cordeiro longamente cozido em vinho tinto, com destaque para as anchovas, que tornam o prato ainda mais encorpado.
As harmonizações foram excelentes, demonstrando, inequivocamente, a força das combinações regionais, do terroir. Porém alguns pares se sobressaíram sobre outros, revelando algo mais sobre a arte da harmonização.
As harmonizações baseadas na origem dos componentes são quase sempre infalíveis. Elas são fruto da convivência, claro, e da exploração de condições semelhantes, de solo, de relevo, de clima, de vizinhança etc. O pasto que alimenta o cordeiro do Pauillac cresce no mesmo solo em que as videiras lançam suas raízes. Vale a pena confiar nesse atalho, mas saiba que há algo mais.
Harmonizações são relações muito particulares, influenciadas por um sem número de fatores. Se pontuar um vinho diante de sua complexidade não é tarefa fácil, classificar uma harmonização parece impossível. De toda forma, vamos utilizar a escala de 1 a 100 pontos para tentar mostrar que existe, sim, uma graduação diferente entre harmonizações bem sucedidas. Como toda avaliação, ela não pretende ser definitiva, mas apenas um guia para o leitor.
O Clarendelle Blanc 2009 é um vinho com maior presença da uva Sémillon, o que conferiu a ele um toque de mel e de flores brancas e, ao mesmo tempo, alguma cremosidade. Por outro lado, a Sauvignon Blanc aportou frescor e mineralidade. Tudo perfeito para se harmonizar com as vieiras, que, por serem frutos do mar, carregam uma mineralidade natural, porém são cremosas e possuem um caráter quase adocicado. No entanto, se tivéssemos que destacar um viés negativo na harmonização, que a coloca um degrau abaixo, seria o corpo. O prato é extremamente leve, e o vinho, apesar da elegância, é encorpado e mascarou algumas sutilezas da combinação.
HARMONIZAÇÃO: 96 PONTOS
GOULÉE BLANC 2005 E MOULES FRITES
O Goulée Blanc 2005 inverte a predominância das uvas. Aqui, a Sauvignon Blanc domina o vinho com suas características principais, acidez, refrescância, toques cítricos e herbáceos, além de boa mineralidade. A passagem por carvalho acrescentou outras dimensões. A harmonização com o Moules Frites foi quase perfeita. Em termos de corpo, não houve vencedores, o que nesse caso é ótimo. A salsinha, que já cansamos de encontrar cobrindo pratos apenas como decoração, mas que acaba por influenciá-los negativamente, construiu uma ponte sólida com o caráter herbáceo da Sauvignon Blanc. A mineralidade do vinho encontrou ressonância no fruto do mar. A acidez enfrentou o sal e a gordura das batatas fritas. A crocância da farinha de rosca pareceu deixar o prato ainda mais fresco.
HARMONIZAÇÃO: 93 PONTOS
FLEUR CARDINALLE 2007 E ENTRECÔTE COM SAUCE E CÈPES BORDELAISE
O Fleur Cardinalle 2007 é um vinho multidimensional que se apresenta mostrando muitas frutas negras e toques florais, passando para tabaco, couro, madeira e grafite. Os taninos são maduros e o final é longo. É um vinho encorpado sem ser pesado. O entrecôte foi bravo o suficiente para fazer frente a ele. Se a carne, em si, não tem a complexidade necessária, o molho bordalês e os cogumelos adicionam informações relevantes. A proteína da carne é parceira fiel para os taninos do vinho, enquanto a gordura recobre o palato atenuando a adstringência do polifenol. O amargo dos taninos também encontrou paralelo no tostado da carne. Os cogumelos são elementos por vezes terrosos e por vezes "carnosos", ambos construindo pontes interessantes com as características do vinho. Os cogumelos são ricos em umami que suavizam os taninos. Com os taninos dominados, o vinho pôde mostrar mais sutilezas.
HARMONIZAÇÃO: 92 PONTOS
CHÂTEAU PONTENSAC 2005 E GIGOT EN GASCONNADE
O cordeiro é uma carne versátil e seus diferentes cortes podem fazer bonito tanto com vinhos de corpo médio quanto mais encorpados, como é o caso desse Château Potensac 2005. O vinho apresenta, como cartão de visita, frutas vermelhas e negras. Os taninos são firmes e maduros, e, apesar dos oito anos, a acidez está quase intacta. Assim como na harmonização anterior, taninos, proteínas e gorduras cumpriram seu papel. O molho encorpado e complexo da preparação foi necessário para equilibrar o corpo do vinho, enquanto a acidez combateu o excesso de peso.
AD 89 pontos
CLARENDELLE BLANC 2009
Clarence Dillon Wines, Bordeaux, França. Dos mesmos proprietários do Château Haut-Brion, um dos mais afamados vinhos do mundo, este branco é elaborado a partir de 68% Sémillon, 24% Sauvignon Blanc e 8% Muscadelle. Apresenta cor amarelo-palha de reflexos esverdeados e aromas de frutas brancas maduras, bem como agradáveis notas florais, minerais, além de toques herbáceos e de mel. Em boca, é delicado, equilibrado, frutado, tem boa acidez e final médio/ longo. Por sua sutileza e elegância, pode ser tomado como aperitivo, na companhia de peixes brancos grelhados ou carnes brancas em geral. Álcool 12,5%. EM
AD 91 pontos
GOULÉE BLANC 2005
Domaine Reybier-Cos d'Estournel, Bordeaux, França. O Goulée Blanc é o segundo vinho do afamado Cos d'Estournel Blanc e é elaborado nos mesmos moldes de seu irmão mais velho a partir de uvas 80% Sauvignon Blanc e 20% Sémillon advindas de Jau Dignac e Loirac, no norte de Médoc, com passagem por barricas de carvalho francês. Apresenta cor amarelo-palha de reflexos esverdeados e aromas de frutas brancas e cítricas maduras, bem como notas herbáceas e tostadas, além de toques minerais e de frutos secos. No palato, é frutado, estruturado, equilibrado, untuoso, opulento, tem acidez refrescante, ótimo volume de boca e final longo e persistente. Por sua estrutura e profundidade, deve ir bem na companhia de frutos do mar ou de peixes como o salmão ou atum. Álcool 14%. EM
AD 91 pontos
CHÂTEAU FLEUR CARDINALLE 2007 GRAND CRU CLASSÉ SAINT-ÉMILION
Château Fleur Cardinalle, Bordeaux, França. O Château foi adquirido pelo casal Florence e Dominique Decoster em 2001 e obteve o status de Grand Cru em 2006. Tinto elaborado a partir de 75% Merlot, 15% Cabernet Franc e 10% Cabernet Sauvignon, com estágio entre 12 e 16 meses em barricas novas de carvalho francês. Apresenta cor vermelho-rubi fechada e aromas de frutas silvestres, notas florais, herbáceas, tostadas e de especiarias, além de toques minerais e de alcaçuz. No palato, é frutado, suculento, equilibrado, tem ótimo volume de boca, boa acidez, taninos finos e final profundo, confirmando as notas de grafite encontradas no nariz. Bife ancho grelhado acompanhado de batatas assadas são sugestões para acompanhá-lo. Álcool 13,5 %. EM
AD 90 pontos
CHÂTEAU POTENSAC 2005
Domaines Delon, Bordeaux, França. Tradicional produtora da região de Bordeaux, a família Delon é proprietária do renomado Château Léoville-Las Cases e elabora no Médoc este tinto classificado como Cru Bourgeois a partir de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc, com estágio em barricas de carvalho. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados e aromas de frutas vermelhas maduras lembrando cerejas, bem como notas agradáveis de ervas secas, além de toques de tabaco, de grafite e de especiarias. No palato, é austero, estruturado, equilibrado, tem boa acidez, taninos finos e final persistente, confirmando o nariz. Ideal na companhia de cortes de cordeiro ou de carnes de caça em geral. Álcool 13,5%. EM
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