Grandes degustações

A história de Pol Roger e do vinho que encantou o primeiro ministro inglês Winston Churchill

Desde o começo, Pol Roger se focou no mercado britânico e foi um dos primeiros a produzir Champagnes Brut

por Arnaldo Grizzo

Durante mais de quatro anos, Paris e todo o norte da França esteve sob o domínio alemão durante a II Guerra Mundial. O sofrimento da população terminou em 25 de agosto de 1944, quando as tropas da resistência francesa e dos aliados depuseram o comando nazista, e o general Charles de Gaulle reestabeleceu a república em seu país.

As comemorações, obviamente, não foram poucas naquele dia e nos seguintes. Uma das festas mais concorridas para celebrar o armistício ocorreu na embaixada britânica em Paris, organizada pelo diplomata e escritor Alfred Duff Cooper. Para esta celebração especial, até mesmo o primeiro ministro inglês, Winston Churchill, compareceu. Daquele dia em diante, o nome Pol Roger ficaria ligado ao do mítico chanceler.

O Champagne que estava sendo servido naquela festa era o da safra de 1928 da casa Pol Roger. No entanto, muito mais do que se encantar pela bebida dourada e encorpada, Churchill ficou maravilhado com o corpo esguio fornado por mechas louras e olhos azul-acinzentados de Odette Pol Roger, esposa de Jacques Pol Roger, filho de Maurice, então diretor da casa de Champagne fundada por seu pai quase 100 anos antes.

O Champagne Pol Roger da safra 1928, servido na festa de armistício da embaixada britânica em Paris, encantou o primeiro ministro Winston Churchill, que também se rendeu aos encantos de Odette Pol Roger

FORÇA E SEDUÇÃO

Não era difícil encantar-se por Odette. Filha do general Georges Wallace e neta do colecionador de arte Richard Wallace, ela nasceu em Paris em 1911 e, juntamente com suas duas irmãs, era tida como parte da “Coleção Wallace” (em referência ao legado de seu avô, que doou toda a sua famosa coleção de arte para a coroa britânica ao falecer) devido a sua beleza estonteante. Assim que se casou com Jacques, ela se mudou para Épernay.

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Aos poucos, Odette engajou-se na empresa, servindo como uma excelente embaixadora da marca, então gerida por seu sogro, Maurice, um homem de muita ­bra, reconhecido por seu gosto pelas caçadas e por seu incondicional apoio à resistência francesa durante as ocupações alemãs na região na primeira e segunda grandes guerras. Odette, aliás, teria servido como mensageira entre Épernay e Paris na II Guerra, chegando a ser detida pela Gestapo.

Apesar de já conhecer e consumir os Champagnes de Pol Roger desde 1908, a amizade com a bela Odette fez com que Churchill se tornasse especialmente fã da casa. Ela fazia questão de cativar o britânico enviando-lhe todo ano uma caixa da safra 1928 em seu aniversário (ela fez isso até 1953, quando acabou-se o estoque daquela safra e, a partir de então, passou a enviar o vintage 1934).

Em contrapartida, Churchill batizou um de seus cavalos de corrida com o nome Pol Roger e sempre convidava a bela Odette para acompanhar os páreos em Brighton. Em um gracejo, o estadista chegou a dizer que o número 44 da avenida de Champagne, em Épernay, local da Pol Roger, era o endereço mais “agradável” do mundo – apesar de ele nunca ter estado lá. Quando terminou de escrever suas memórias, ele enviou uma cópia para Odette com os dizeres: “Cuvée de Réserve, mise en bouteille au Château Chartwell”. Ele foi um consumidor leal da casa até janeiro de 1965, quando faleceu.

Nos anos seguintes, até 1990, todas as garrafas de Pol Roger despachadas para o Reino Unido tinham uma tarja preta ao redor do rótulo para demonstrar o luto pela morte de Churchill. Em 1975, para homenageá-lo, passou a envelhecer em suas caves o que seria a Cuvée Prestige da casa, lançada em 1984 com o nome de Sir Winston Churchill.

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TABELIÃO

No entanto, a fama de Pol Roger já estava estabelecida antes mesmo de Churchill se tornar seu principal garoto-propaganda. Aliás, a casa já era uma das poucas fornecedoras ofi­ciais da coroa inglesa em 1911 – muito devido ao seu foco no mercado da ilha britânica. Até hoje, as garrafas são seladas com o emblema da família real e, no aguardado casamento entre o príncipe William e Kate Middleton, serviu-se o Pol Roger Brut Réserve.

Aliás, seus primeiros Champagnes Brut (com menos teor de açúcar do que os comumente produzidos na época e que eram preferidos pelos britânicos) datam de 1855, apenas seis anos depois da primeira venda de Champagne pelo jovem empreendedor Pol Roger.

A história da marca começou no dia 2 de janeiro de 1849. Até então, a família Roger, que vivia na vila de Aÿ, era sustentada pelo pai de Pol Roger, um tabelião que contraiu uma doença grave e não mais pôde exercer suas funções. Assim, aos 18 anos, o fi­lho fez sua primeira venda de vinhos para um comerciante local. Logo, de Aÿ, a empresa se transferiu para Épernay em 1951. No começo, por não possuir vinhedos, ele produziu Champagne para outras casas maiores como Moët & Chandon e Perrier Jouët, por exemplo. No entanto, já em 1855, depois de adquirir algumas terras, os primeiros vinhos com a sua marca foram fabricados, já com o estilo Brut.

PÓS - GUERRA

Quando Pol Roger morreu em 1899 de pneumonia, sua marca já estava consolidada. Porém, logo após sua morte, um desastre se abateu sobre a empresa. Em 23 de fevereiro de 1900, parte das caves e dos edifícios desabaram. Mais de 500 barris e 1,5 milhão de garrafas foram perdidas. Com a ajuda solidária de outras empresas e muito trabalho por parte dos herdeiros Georges e Maurice, a companhia conseguiu se reerguer.

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A primeira Cuvée Sir Winston Churchill foi lançada em 1984. O blend é um segredo familiar e passa 10 anos sobre as leveduras

Na época, os irmãos conseguiram o direito de mudar o sobrenome da família de simplesmente Pol para Pol Roger, em homenagem ao pai. Em 1912, Maurice foi eleito prefeito de Épernay. Tempos depois, teve que lidar com a ocupação alemã em Champagne. Excelente caçador de javalis, ele foi diversas vezes ameaçado de morte pelos invasores, porém sempre respondeu com novas ameaças.

Aliás, as duas guerras mundiais atrapalharam sobremaneira os negócios da família, que exportava grande parte da produção para o Reino Unido. No pós-guerra, a marca se estabeleceu como a líder no mercado britânico. Com os anos, a linha de vinhos foi sendo desenvolvida, assim como a quantidade de vinhedos, alcançando hoje 92 hectares.

Maurice, falecido em 1959, era fã de Pinot Noir, favorecendo a casta em seus vinhos – o que dá uma maior estrutura e robustez. Ele chegava a chamar a Chardonnay de "la ‑flotte" (água). Somente na década de 1950, já com seu neto Christian de Billy no comando da empresa, é que a cepa branca passou a ser mais valorizada – incluindo a produção de um Blanc de Blancs, antes chamado Blanc de Chardonnay. Um Vintage Rosé também foi lançado em 1961.

Há muito tempo já não se usa mais madeira em Pol Roger, com tudo feito em tanques de aço inoxidável em uma adega completamente restaurada. Desde 1999, Dominique Petit, que trabalhou em Krug por 20 anos, é o chef-de-cave responsável pelos Champagnes. Hoje, a quinta geração da família, na ­figura de Hubert de Billy, fi­lho de Christian, segue na dianteira da empresa. Desde 1997, porém, a diretoria abriga membros que não são da família como foi o caso de Patrice Noyelle até 2013 e atualmente Laurent d’Harcourt, que foram presidentes do corpo diretivo.

ESTILO QUE AGRADOU CHURCHILL 

Os espumantes não safrados da marca, ditos Réserve Brut são feitos com porcentagens iguais das três principais cepas de Champagne, Pinot Noir, Pinot Meunier e Chardonnay de 30 crus diferentes, além de 25% de vinhos de reserva de anos anteriores, mantidos quatro anos sobre as leveduras, com remuage à mão. Todas as castas e os crus são fermentados separadamente e passam por malolática. A ideia é ter uma boa estrutura, característica comum dos vinhos da Pol Roger, mas com elegância.

No entanto, é no Vintage que o estilo de Pol Roger melhor se demonstra. Historicamente, aliás, a casa fi­cou mais conhecida por seus espumantes safrados do que pelos non-vintage. Os millésimes possuem uma proporção maior de Pinot Noir (cerca de 60%) e o restante de Chardonnay de apenas 20 vinhedos Grand ou Premier Cru. Eles ­ficam nove anos em cave. Os aromas costumam ser muito complexos, com misturas de tons de fermento, brioches, flores e também mineral, sempre com grande estrutura na boca.

A grande Cuvée da casa, porém, é a Sir Winston Churchill, feita somente em safras consideradas excelentes. O blend não é revelado pela família, mas sabe-se que há uma predominância de Pinot Noir de vinhedos Grand Cru. Ela é pensada para ser um exemplo de força, estrutura e maturidade, mas alia um toque de elegância e ­nesse que a torna um dos Champagnes mais cultuados e procurados pelos connoisseurs. Passa 10 anos sobre as leveduras. Foi feita para satisfazer os gostos do ex-primeiro ministro britânico que costumava dizer: “Meus gostos são simples, satisfaço-me facilmente com o melhor”.

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