A lenda por trás do excêntrico nome da denominação Est! Est!! Est!!! di Montefiascone
por Arnaldo Grizzo
Cerca de 100 quilômetros ao norte de Roma encontra-se a comuna de Montefiascone, na província de Viterbo, na região do Lácio, próxima às margens do lago de Bolsena. A região engloba a denominação de origem com o nome mais esdrúxulo do mundo e uma curiosa lenda sobre sua origem: Est! Est!! Est!!! di Montefiascone.
O nome da cidade deriva de “mons”, ou seja, monte, e “falaschi”, que seria um tipo de erva lacustre que cresce ao redor do lago. Suas origens remontam ao tempo dos etruscos, mas os relatos de sua importância histórica devem-se à sua fortaleza, que serviu de moradia para diversos papas, mas também foi cobiçada pelos imperadores do Sacro Império Romano-Germânico.
Por sinal, a lenda da história do Est! Est!! Est!!! estaria ligada aos conflitos entre os papas e os imperadores no que ficou conhecido como “Guerra das Investiduras”, quando, nos séculos XI e XII, os pontífices não queriam que as monarquias europeias se intrometessem nas nomeações de bispos. Isso, obviamente, não agradou os governantes. Um dos que mais se debateu com os papas foi Frederico II.
Frederico foi rei da Sicília, da Tessalônica, de Chipre e de Jerusalém, dos Romanos, da Germânia e, finalmente, imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Ele ficaria conhecido como Stupor mundi (“maravilha do mundo”), participaria da VI Cruzada, mas seria excomungado duas vezes e chamado de Anticristo pelo papa Gregório IX. Curiosamente, Frederico era primo de São Tomás de Aquino e neto de Frederico I, o Barbarossa (Barba Ruiva).
Cal nas portas
No entanto, apesar das lendas sobre Frederico II relacionarem-se com o vinho de Montefiascone, a origem do nome esdrúxulo é anterior. Diz-se que em 1111, Henrique V, após forçar a abdicação de seu pai do trono do Sacro Império Romano-Germânico, seguiu da Alemanha para Roma encontrar o papa Pascoal II, de quem deveria receber a coroa. Uma outra versão diz que, na verdade, ele estava marchando com um exército para confrontar o pontífice durante a Guerra das Investiduras.
De qualquer modo, junto a seu séquito, viajava um bispo alemão chamado Johannes Defuk (há quem aponte seu sobrenome como Fugger), famoso por seu hedonismo e especialmente bom gosto para escolher vinhos. O bispo enviou à frente da caravana um de seus copeiros, chamado Martino, com a incumbência de descobrir e apontar em quais estalagens o vinum est bonum, o vinho é bom.
Para que Defuk pudesse reconhecer os locais, eles combinaram um sinal. Em cada lugar que encontrasse algo digno de seu amo, Martino assinalaria com o termo “Est” (algo como “há”, em latim) com cal na porta. Caso encontrasse uma bebida ainda mais interessante, deveria marcar duas vezes (Est Est).
A lenda revela então que, ao chegar a Montefiascone, o servo do bispo ficou realmente maravilhado com o vinho branco do local e teria se entusiasmado. Ele não só marcou a porta três vezes, como, além disso, colocou exclamações para frisar ainda mais a importância do vinho, criando, assim o Est! Est!! Est!!!, que até hoje dá nome à denominação em torno do lago de Bolsena. Não deixa de ser curioso que o bispo alemão tenha apreciado um vinho branco, especialidade da vitivinicultura da Alemanha até hoje.
A DOC Est! Est!! Est!!! di Montefiascone compreende hoje as cidades de Montefiascone, Bolsena, San Lorenzo Nuovo, Grotte di Castro, Gradoli, Capodimonte e Marta e seus vinhos, que podem ser doces ou secos, devem ser produzidos com um blend de três variedades brancas locais: Trebbiano Toscano (também conhecida na região como Procanico), Malvasia Bianca e Trebbiano Giallo (também chamada de Rosetto).
Outras lendas
Diz-se que o bispo, assim como seu copeiro, teria ficado tão empolgado com o vinho de Montefiascone que resolveu permanecer na cidade pelo resto de seus dias. Acredita-se ainda que ele tenha deixado uma volumosa quantia em dinheiro como herança para a vila, mas com a condição de que, a cada ano, no dia de sua morte, uma barrica de vinho fosse versada sobre sua tumba.
Sua suposta tumba, aliás, também é motivo de discussão por historiadores e dá margem a outras lendas. Ele teria sido enterrado na igreja de San Flaviano, no ano de 1113 (ou seja, apenas dois anos após a viagem acompanhando Henrique V), e, em sua lápide, o copeiro Martino teria mandado colocar uma abreviação da inscrição “Est est est propter nimium est hic Johannes De Fuk dominus meus mortuus est”, ou seja, “por ter demasiado ‘est’ aqui jaz o meu mestre Johannes Defuk”.
Historiadores, contudo, levantam outras hipóteses sobre a identidade de quem estaria enterrado na igreja. Alguns acreditam que a tumba possa ser do duque Friedrich von Tanne, cujo irmão era conselheiro de Frederico II. Ele teria falecido cerca de 100 anos depois da lenda de Defuk. Mais do que isso, as gravações na tumba teriam sido feitas postumamente, com acréscimos de taças de vinho ao lado dos brasões da casa de Tanne-Waldburg, intimamente ligada à casa Hohenstaufen, dos imperadores do Sacro Império Romano-Germânico. Além disso, a inscrição de Martino teria sido feita em uma placa de pedra que não condiz com o material usado na tumba. Ou seja, tudo não passaria de uma “montagem”.
Assim sendo, a curiosa lenda sobre Est! Est!! Est!!! di Montefiascone ainda hoje é debatida por estudiosos da região e sabe-se que boa parte das histórias são apócrifas, tendo surgido muitos anos depois de os supostos personagens terem existido. Uma análise histórica de documentos revela que a lenda de Defuk só começou a ser espalhada em meados do século XVI. Ainda assim, a denominação mantém o nome excêntrico.