Pode-se dizer que Margaux é o mais grego dos Châteaux franceses, pois a influência dos helenos vai desde a arquitetura até a ascendência de seus atuais proprietários
por Arnaldo Grizzo
O que teria levado o milionário André Mentzelopoulos, cuja fortuna vinha do ramo cerealista e do setor de varejo, a comprar um dos mais famosos Châteaux de Bordeaux – que ainda por cima estava em decadência? Seria o senso de oportunidade de todo grande empreendedor ou havia também um laço emocional bem representado pelas imponentes colunas jônicas do pórtico ao fim da longa fileira de plátanos que conduz ao renomado Château Margaux?
É provável que o tino comercial de Mentzelopoulos tenha ficado um pouco atormentado diante da obra arquitetônica de Louis Combes – que já foi chamada de Versalhes do Médoc – que lhe remetia à Grécia, onde nascera, em 1915, na cidade de Patras, no Peloponeso. Seu sangre grego certamente falou alto na hora de fechar o negócio no fim dos anos de 1970, quando ele adquiriu a propriedade – já em decadência devido à crise do vinho em Bordeaux – da família Ginestet.
O empresário resolveu investir pesado para revigorar o Châteaux e fazer com que seus vinhos voltassem a ter o prestígio secular que estava sendo perdido. Ele reformou desde a parte agrícola até o prédio histórico. Contudo, Mentzelopoulos não viveu o suficiente para ver no que seus domínios estavam se transformando, pois morreu em 1980.
Quem assumiu a regência de Margaux – um dos cinco Premiers Grand Crus de Bordeaux – foi sua filha, Corinne. Em 1983, ela chamou o enólogo Paul Pontallier para ser diretor de sua equipe. Sob o comando deles, o Château acompanhou o novo boom dos vinhos de Bordeaux e recuperou seu prestígio. De 1991 a 2003, Corinne se associou à família Agnelli – então proprietários do grupo Fiat –, mas agora ela é a única dona.
A colina de Margaux
As origens deste clássico Château remontam ao século XII, quando no local havia uma fortificação conhecida como “La Mothe de Margaux” – ou a pequena colina de Margaux, numa tradução aproximada. Na época, ainda não havia plantação de vinhas e os ingleses dominavam o local. Os primeiros donos destas terras foram Eleanor, Duquesa de Aquitânia, e Eduardo Plantagenet, futuro Eduardo II, rei da Inglaterra, pai de Ricardo Coração de Leão – quando a região ainda era dominada pelos britânicos. Mas foi com a família Lestonnac que as vinhas começaram a ter prioridade e iniciou-se sua grande tradição em vinhos.
No início do século XVIII começou a fama dos vinhos de Margaux. Um gerente da propriedade, conhecido apenas por Berlon, foi um dos grandes inovadores dos processos de produção dos vinhos da época, vinifi- cando uvas tintas separadas das brancas e fazendo a colheita em outro horário que não pela manhã para que o orvalho não diluísse o vinho. No fim do século, o nome Margaux era conhecido no mundo todo, apesar de seus apreciadores nem sempre acertarem a forma como se escrevia, usando Margoose, Margau e outras variações. Ingleses e norte-americanos apreciavam os fermentados do Château, especialmente Thomas Jefferson – que iria classificar Margaux como o melhor Château de Bordeaux em sua opinião.
O Château Margaux sempre foi uma referência e encantou personalidades históricas como o compositor italiano GioaCchino Rossini e o filósofo alemão Friedrich Engels
O pórtico de Margaux ostenta as colunas em estilo jônico, construídas em 1810. A produção anual é cerca de 150 mil garrafas de seu vinho principal e outras 200 mil do Pavillion Rouge e Blanc |
Crise da Revolução
No entanto, a Revolução Francesa foi catastrófica para os Châteaux em Bordeaux, especialmente para Margaux, que foi confiscado pelos revolucionários e leiloado como bem nacional francês. Quem comprou foi o Marquês Bertrand Douat de la Colonilla, um basco que não estava muito interessado em vinho, apenas num meio de ascensão social.
Foram anos duros para os fermentados da região. Contudo, foi o Marquês de la Colonilla quem encomendou a Louis Combes – um dos mais renomados arquitetos da nova república francesa, em que reinava o estilo neoclássico (predileto de Napoleão) – o projeto do Château e o construiu em 1810. Hoje ele é considerado Monumento Histórico da França.
Colonilla morreu cedo e outro espanhol o sucedeu no comando de Margaux, o Marquês de Las Marismas, Alexandre Aguado, que era patrono do famoso compositor italiano Gioacchino Rossini – que chegou a compor uma canção em homenagem ao vinho do Château. A fama de Margaux era tanta que, na mesma época, o filósofo alemão Friedrich Engels teria afirmado que seu ideal de felicidade era “Château Margaux 1848”. Por fim, em 1855, quando Napoleão III resolveu classificar os vinhos franceses, o Château recebeu a categoria máxima – Premier Grand Cru Classé – sendo o único a obter 20 dos 20 pontos possíveis.
Ao grego
Em 1879, o conde Frédéric Pillet-Will comprou a propriedade e investiu grandes somas, mas viu seus vinhedos sofrerem com as pragas, especialmente a filoxera. Tendo que plantar vinhas novas, ele resolveu começar a produzir também um segundo vinho, o Pavillon Rouge Du Château Margaux. O conde também chamou Pierre Moreau para dirigir a companhia. Ele teria papel fundamental ao iniciar o engarrafamento dos vinhos no Château – o famoso “mis en bouteille au château” – na mesma época que o Barão Phillip de Rothschild, para garantir a autenticidade dos vinhos. E foi após a II Guerra Mundial que a família Ginestet, então negociantes de vinhos, assumiu o comando de Margaux. Contudo, a recessão dos anos 70 somada a safras desastrosas fizeram com que eles vendessem seu patrimônio a Mentzelopoulos.
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Terroir
O vinho de Margaux é um dos mais antigos do mundo. Apesar de ter passado por diversos diretores, seus domínios não variaram em mais de 300 anos de história. Seu terroir é bastante complexo (alguns dizem que é o melhor e mais homogêneo terroir das Denominações de Origem), com um terreno aluvial pedregoso – com seixos médios e pequenos – e argiloso, além de calcário nas partes mais baixas. Diz-se que a densidade é tanta que seria possível cavar um poço sem precisar emparedá-lo.
Dos 262 hectares, apenas 80 são explorados pelas vinhas. A cepas clássicas dos vinhos de Bordeaux são plantadas seguindo o esquema: 75% de Cabernet Sauvignon (sobre o seixo); 20% de Merlot (sobre argila e calcário); 3% de Petit Verdot e 2% de Cabernet Franc. O blend, porém, varia ano a ano. E há ainda 12 hectares plantados com uvas brancas (Sauvignon Blanc), para fazer o Pavillon Blanc, que não faz parte da Denominação de Origem de Margaux.
Os melhores vinhos são produzidos com vinhas de pelo menos 20 anos. Contudo, a mortalidade das cepas – especialmente de Cabernet Sauvignon – é alta e os empregados precisam trocar cerca de 10 mil mudas por ano (ou seja, um hectare inteiro já que a densidade da plantação lá é essa). Como o solo de onde as plantas mortas foram retiradas precisa descansar por pelo menos seis anos antes de uma replantação, uma geração inteira pode se passar sem que essas videiras sejam usadas para produzir vinhos.
O Gran Vin do Château Margaux é tido como o mais fino e sutil dos Premiers Grand Crus de Bordeaux. Apesar de delicado e sedoso, ele possui grande potencial de guarda
O vinho
Muitas vezes, Margaux é considerado o mais fino e sutil dos Premiers Crus de Médoc. Delicados e sedosos, contudo, seus vinhos oferecem um grande potencial de guarda. Quem o prova diz que as melhores safras (1900, 1928, 1945, 1961, 1982, 1986, 1990, 1996, 2000 e 2005) possuem uma flexibilidade, fineza e elegância fora do comum. Seu estilo é descrito como de opulenta riqueza, com buquê profundo e complexo de groselhas negras maduras, baunilha apimentada e violetas.
As garrafas de Château Margaux estão entre as mais caras do mundo, que facilmente beiram (e superam) os US$ 1.000 mesmo em safras menos badaladas. Há um caso curioso com uma garrafa de Margaux de um negociante de vinhos norte-americano, William Sockolin, que no momento em que ia vender uma garrafa da safra de 1787, dita da coleção de Thomas Jefferson e avaliada (por ele mesmo) em US$ 500 mil, foi quebrada por um garçom. Sua sorte foi que havia feito um seguro.
Por ano, são produzidas cerca de 150 mil garrafas do Château Margaux e 200 mil dos Pavillon Rouge e Blanc, cada um. E, desde 1997, os proprietários ainda produzem um terceiro vinho, que não é engarrafado, mas vendido em barrica para negociantes.