Pedro Baptista, enólogo-chefe da Fundação Eugênio de Almeida, revela o que está por trás da safra 2015 desse ícone português
por Eduardo Milan
A Fundação Eugênio de Almeida (FEA), fundada em 1963 por Vasco Maria Eugênio de Almeida, é a responsável por gerir a vinícola Cartuxa, que elabora alguns dos melhores vinhos do Alentejo, dentre eles, o Pêra-Manca, em suas versões branca e tinta.
Quanto ao tinto, 2015 é apenas a 16ª safra lançada, sendo que a primeira sob a assinatura da FEA foi a de 1990. As outras foram as de 1991, 1994, 1995, 1997, 1998, 2001, 2003, 2005, 2007, 2008, 2010,2011, 2013 e 2014.
Por trás desse grande ícone, está Pedro Baptista, que iniciou seus trabalhos na vinícola em 1997, a cargo da viticultura propriamente dita, onde ficou até 2004. Desde então, acumulou também a área enológica e, de uns anos para cá, além de ser responsável por toda a parte elaboração, desde o cultivo até a produção do vinho, é membro do conselho executivo da fundação.
Sobre o Pêra-Manca, Baptista explica: “A marca foi oferecida à Fundação Eugênio de Almeida, na década de 1980, por uma casa agrícola da região de Évora, que já não mais produzia vinhos e via na fundação o potencial de manter o prestígio e a história da marca, que já naquela época tinha várias décadas de existência”. E continua: “Pêra vem de pedra e o manca é uma referência as cercanias de Évora, que é uma zona de base granítica, com afloramentos rochosos de granito de grande dimensão, que muitas vezes tem uma base de ligação ao solo diminuta para o tamanho da pedra e por ilusão de ótica parecem estar oscilantes”.
Somente elaborado em safras excepcionais, “o Pêra-Manca é basicamente um vinho originado nos vinhedos, fruto de um estudo que se iniciou na década de 1970, em conjunto com a universidade de Évora. Nessa análise, foram avaliadas, dentre as castas típicas do Alentejo, as de melhor potencial qualitativo. Assim, para o branco, as variedades são a Antão Vaz e a Arinto e, para o tinto, a Trincadeira e a Aragonez”.
Especificamente sobre o 2015 tinto, Baptista diz que, “nessa safra, esse vinho teve uma feliz particularidade, que não ocorreu nas anteriores. Todas as parcelas destinadas à elaboração do vinho, três de Aragonez e uma de Trincadeira, atingiram os níveis de qualidade e de excelência para serem destinadas ao Pêra-Manca. Portanto, conseguimos ter uma produção um pouco maior, de pouco mais de 40 mil garrafas, o que nunca havíamos feito”.
Comparando esse 2015 com as safras anteriores, ele exalta que “é a primeira vez na história que temos três safras consecutivas do tinto, 2013, 2014 e 2015. E, apesar de muitas dúvidas sobre o lançamento dessa última safra, não conseguimos escapar de colocá-la no mercado, talvez por encontrarmos nela algumas características tanto da 2013, como da 2014. Mais precisamente, o frescor e a elegância que dominam a 2013 e o poder e a concentração que prevalecem na 2014”.
“Para mim, essa safra 2015 é como um resumo conjugado das características principais das safras 2013 e 2014”, aponta. De fato, ao se provar o Pêra-Manca 2015 é possível perceber essas qualidades. Mas, comparando essa última safra com as anteriores, percebe-se, além disso, um grau a mais de frescor e de precisão, tanto na textura dos taninos quanto na nitidez de fruta, sempre respeitando o estilo da casa, que privilegia vinhos mais potentes e concentrados, mas tudo apresentado sempre de modo refinado e equilibrado.
Nesse sentido, o enólogo é claro: “Isso é consequência da excelência da safra 2015, da própria maturidade das vinhas, mas, principalmente, de nosso conhecimento cada vez maior, com o passar dos anos, de como manejar os vinhedos para que eles atinjam seu máximo potencial, safra após safra. E, para isso, uma abordagem sustentável e biológica é primordial. Efetivamente, há cerca de 15 anos estamos utilizando cada vez mais práticas da agricultura orgânica e, como consequência, isso tem trazido mais frescor e elegância aos nossos vinhos de modo mais direto. Talvez, esse respeito e essas práticas acabam por mostrar de forma mais clara e objetiva o nosso terroir de Évora”.
“Na adega, a nossa missão é fazer com que esse potencial se expresse da melhor forma, muitas vezes com a mínima intervenção, com uma escolha mais criteriosa na mesa de seleção ou também na forma como encaramos a extração durante a fermentação, que ocorre sempre de forma espontânea, sem leveduras adicionadas”.
Em uma de suas cartas, Pero Vaz de Caminha, que chegou com Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 22 de abril de 1500, fez a seguinte narrativa: “Alguns deles [índios] traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho”.
Pelos documentos da época, acredita-se que o vinho levado nas caravelas, no período das grandes navegações e do descobrimento do Brasil, era normalmente um tinto feito próximo à cidade de Évora, chamado “Pêra-Manca”. Este vinho, citado em crônicas quinhentistas, teria sido o que Cabral ofereceu aos indígenas ao chegar em solo brasileiro. Segundo os mesmos indícios, o vinho amplamente citado na obra prima de Luís de Camões, Os Lusíadas, também poderia ser o “Pera-Manca”. Seu nome se deve ao terreno onde era feito, um terreno com muitas pedras soltas. Diziam que estas pedras balançavam, “mancavam”.
Um vinho com esse nome existiu até o início do século XX. Produzido pela Casa Agrícola José Soares. O Pêra-Manca chegou a colecionar importantes prêmios internacionais, como medalhas de ouro em Bordeaux em 1897 e 1898. Em 1920, após a morte de seu proprietário, a vinícola fechou as portas e o vinho desapareceu. Em 1988, o herdeiro da Casa Agrícola José Soares, José António de Oliveira Soares, doou a marca Pêra-Manca à Fundação Eugênio Almeida. A partir daí, o vinho ícone, até então chamado de “Cartuxa Garrafeira”, ganhou o novo nome. A primeira safra do novo Pêra-Manca foi em 1990, encerrando um hiato de 70 anos na história desse vinho.
Um blend das uvas Trincadeira e Aragonez advindas de uma seleção das parcelas de vinhedos com mais de 30 anos do famoso vinhedo português. Esse vinho fermenta sem leveduras adicionadas em balseiros de carvalho francês e depois estagia durante 18 meses em tonéis de carvalho também francês, antes do engarrafamento. Paciência com ele na taça, para que mostre todas suas camadas de aromas e de sabores. Um excelente exemplo de que finesse, elegância e precisão podem conviver em harmonia com potência, concentração e untuosidade. Está ótimo agora, mas tem tudo para ficar ainda melhor nos próximos 20 anos.
Composto de Antão Vaz e Arinto, com fermentação e estágio parte em tanques de aço inoxidável, parte em barricas de carvalho francês. Tenso e vibrante, estruturado e untuoso, tem final cheio e persistente, com toques de pêssegos, de camomila e de frutos secos. Entre as melhores, senão a melhor safra desse vinho até o momento.
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