Os surpreendentes rótulos de uma pouco comentada região espanhola
por Patricio Tapia
Carrasquín, Albarín Tinto e Verdejo Negro são algumas das variedades típicas de Astúrias
Alguma vez já ouviram falar de Carrasquín, Albarín Tinto ou, talvez, Verdejo Negro? Alguma vez ouviram falar que em Astúrias, no norte da Espanha, há uma longa tradição vitícola e que não só se faz sidra ou se produz queijos de cabra ou “faba” (tipo de feijão branco) para a famosíssima fabada asturiana, um dos principais emblemas da gastronomia espanhola?
Sim, se faz vinho. E muito bom vinho com essas variedades autóctones que, até agora, permaneceram quase em completo anonimato. A tradição vitícola remonta a Idade Média, sobretudo graças ao trabalho dos monges beneditinos que, na região de Cangas, perto do rio Narcea, difundiram a viticultura nessa zona montanhosa do sudoeste asturiano.
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Trata-se de um lugar protegido dos ventos por serras, com menor índice de chuvas e mais horas de sol que o resto do principado. As maçãs para a sidra podem madurar em outros lugares, mas as uvas não. Necessitam do sol de Cangas, das colinas íngremes que as protegem dos ventos frios do norte, dos solos de xisto para drenar os mais de 1.000 milimetros de chuva que caem por ano. Diante dos milhões e milhões de litros de sidra que são produzidos anualmente, o vinho apenas supera os 100 mil litros no ano, e tudo se concentra nessa região.
De acordo com registros, depois de várias pestes (entre elas, a filoxera), dos 5 mil hectares que alguma vez tiveram vinhas, até 1960 já não havia mais de 200. Até o final dos anos 1950 e começo dos 60, a sedução dos altos salários que a mineração de carvão trouxe para Cangas foi o golpe de misericórdia. Hoje há, segundo cálculos do conselho regulador, cerca de 70 hectares. Mas as coisas estão mudando. E para melhor.
Parte é culpa do Monasterio de Corias, uma das oito vinícolas que atualmente produzem vinhos em Astúrias e talvez a mais conhecida fora das fronteiras espanholas. O diretor técnico, Juan Redondo, que também é presidente do Conselho Regulador da DO Cangas del Narcea, vem fazendo vinhos nessa vinícola desde 2001. Atualmente, são os maiores da região, ainda que produzam apenas 50 mil garrafas.
O principal foco de Redondo, tanto como enólogo no Monasterio de Corias como também como presidente da DO, tem sido trabalhar o vinhedo por variedades. “Nossa riqueza está nessas castas que ninguém mais tem, assim é preciso conhecê-las”, diz. Juntos vamos ao vinhedo Las Escolinas, uma série de encostas plantadas com vinhas velhíssimas que avançaram sobre o rio.
“É provável que depois da filoxera, a quantidade de castas tenha reduzido muito. Hoje, as mais importantes são Mencía, Albarín Tinto, Carrasquín e Verdejo Negro. Na região nunca houve tradição de vinhos brancos. As pessoas plantavam essas cepas brancas para comer as uvas”, aponta. Em Las Escolinas, Redondo diferenciou as vinhas velhas com pequenas tiras coloridas, de acordo com a maturação.
“A Carrasquín é a que madura mais tarde. A primeira é o Verdejo Negro. Depois vem o Albarín Tinto e a Mencía”. Outra das vinícolas é Obanca. Eles engarrafam desde 2002, mas a família Marcos vem fazendo vinho desde os anos 1950. Hoje têm cerca de 10 hectares, todos de vinhas muito velhas e de variedades autóctones que raras vezes se ouve falar mesmo dentro da Espanha. Carrasquín é uma delas.
David Marcos me leva a Castro de Limes, um vinhedo de um hectare e meio, plantado a maior parte com Carrasquín. Seu pai comprou-o nos anos 1960 e se trata de uma encosta que tem forma de círculo. O solo é de xisto. Isaac, o irmão que trabalha na vinha, disse que essas plantas devem ter mais de 140 anos nessa encosta que tem face sul, sendo protegida dos ventos frios do norte, mas também aproveitando o sol da tarde, um detalhe muito importante para poder madurar a tardia Carrasquín no frio de Astúrias.
O vinhedo Castro de Limes produz cerca de 6 mil garrafas que Obanca engarrafa sob esse mesmo nome. Apesar de seus 14% de volume de álcool, o vinho é uma brisa fresca de sabores de frutas vermelhas, suculenta acidez, intensas notas minerais, que lembram alguns dos melhores tintos de Ribera Sacra.
Nicolás vem de Toro e se estabeleceu em Astúrias em 2009 tentando criar um projeto pessoal, com vinhos feitos da maneira antiga, com vinificações em madeira de castanheiro, com cachos inteiros. Além disso, é rigoroso em termos de vinificação. Não usa sulfitos, nem leveduras, tampouco clarifica. Prefere que seus vinhos passem os invernos em barricas para que se limpem e fiquem prontos para a garrafa.
Seu melhor vinho nasce em La Zorrina, uma colina inclinada rodeada de bosques e que se volta para o rio Narcea. Nicolás sabe que a maior parte (calcula que 65%) da vinha é Carrasquín, mas também sabe que há outras 16 castas no vinhedo, entre elas Furmint, Bouchon, Garnacha Tintorera, Cabernet Franc. “E algumas que nem sequer sei quais são”, diz.
Com essa mescla de plantas baseada em Carrasquín, Nicolás produz um single vineyard sob o nome de La Zorrina. Para entender melhor a região, decidiu colher por variedade. “Tenho que passar até sete vezes para encontrar maturação”, revela. Algumas das cepas que têm maior quantidade de quilos, vinifica-as em separado, sempre com o espírito de seguir aprendendo. “Mas são apenas sete anos desde que cheguei em Astúrias. E vou morrer sem saber nada”, completa.
La Zorrina 2013 é o melhor exemplo dessa abordagem. Fermentado em lagares de castanheira (“que é madeira que sempre foi usada aqui”, ele explica), é uma cascata de sabores minerais, profundos e intensos, espalhando-se pela boca, abarcando-a por completo. Mas também é crocante, vibrante, firme. Difícil não cair na tentação de beber para matar a sede.,
Esta foi minha primeira viagem para Astúrias. Antes de ir, perguntei a alguns amigos espanhóis e enófilos o que pensavam dessa região, que precisava visitar. Nenhum deles me respondeu com muito entusiasmo. Dentro da Espanha, a imagem dos vinhos asturianos ainda é pobre. Vinhos ácidos, amargos, radicalmente adstringentes em uma região fria onde a uva não amadurece.
Nunca provei o que Astúrias fez no passado, portanto não posso opinar a respeito. O que sei é que hoje os tintos de Astúrias, resumidos a Cangas del Narcea, são uma delícia de frescor. Em seu lado mais simples, são tintos ideais para matar a sede. Em seu modo mais ambicioso, nunca perdem esse frescor, mas podem ser profundos, minerais, intensos. Se você gosta de tintos galegos, vai adorar os tintos de Astúrias. Mas se ficar atento, levará em conta de que nestes vinhos há um profundo sentido de lugar como poucas vezes se pode ver na Espanha.
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