Existem algumas diferenças bastante específicas nos três tipos de vinho: naturais, orgânicos e biodinâmicos
por Vanessa Sobral
Antes de existirem os agrotóxicos – aqui incluídos pesticidas, fungicidas, fertilizantes etc –, os agricultores precisavam manter suas culturas de forma natural, buscando um equilíbrio entre todas as espécies que habitavam uma determinada plantação
A verdade é que, até o início do século passado, toda agricultura podia ser considerada orgânica. Pouca gente sabe que os defensivos agrícolas foram subprodutos das grandes guerras mundiais.
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Eles basicamente foram desenvolvidos durante a I Guerra Mundial e utilizados mais amplamente na II Guerra, como arma química. Com o fim das batalhas, os produtos criados para combater pessoas foram “ajustados” e passaram a ser utilizados como defensivo agrícola.
Na época, com a Europa devastada, era preciso que as lavouras tivessem uma proteção extra contra pragas e pudesse produzir mais para alimentar a população. Embora o uso de pesticidas tenha se difundido largamente desde então, ainda existem produtores que dão preferência aos recursos naturais em detrimento aos produtos químicos, buscando o mesmo equilíbrio que antigos agricultores tinham.
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Segundo eles, isso garante um produto autêntico, que melhor expressa as características do lugar onde foi produzido. E esse é o ponto comum entre os produtores de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais. Mas qual a diferença entre eles?
Vinhos orgânicos são feitos a partir de uvas cultivadas de forma orgânica, ou seja, sem o uso de defensivos agrícolas no vinhedo. Seu manejo se baseia em produtos naturais e em equilíbrio biológico, para impedir o surgimento de insetos, fungos, ervas daninhas e outras ameaças à vinha.
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Uma das principais preocupações da cultura orgânica está no solo, e os produtores evitam substâncias que não sejam naturais para regular o terreno e a vinha. Segundo eles, a preocupação final é o consumidor, que não deveria ingerir pesticidas residuais por meio do vinho.
Como exemplo de vinícolas adeptas desses procedimentos pode-se citar a chilena Cono Sur, que cria gansos e ovelhas para serem os predadores naturais de um tipo de formiga que ataca os vinhedos. Esse tipo de cultivo é regido por órgãos certificadores e fiscalizadores de todo o processo.
Em determinados lugares, as regras são mais ou menos rígidas. Há países, por exemplo, que não permitem absolutamente nenhum aditivo químico no processo. Em outros, porém, é permitido que o vinicultor utilize acidificantes e anidrido sulfuroso (também conhecido como dióxido de enxofre, produto de ação antisséptica e conservante), por exemplo.
Como curiosidade, o primeiro produtor a lançar vinhos finos orgânicos no Brasil foi Juan Carrau, em 1977, com seu Cabernet Sauvignon, elaborado em Santana do Livramento, divisa com o Uruguai.
Nos vinhos biodinâmicos, além de serem feitos a partir de uvas de cultivo orgânico, seus produtores seguem a filosofia antroposófica, proposta em 1924 por Rudolf Steiner, que além de filósofo era educador e esoterista.
De acordo com os princípios da filosofia de Steiner, uma fazenda agrícola deve buscar ser um ambiente totalmente autossustentável, em harmonia com o cosmo, com a mínima interferência do homem, para que a terra possa recuperar sua energia vital e produzir frutos que expressem as características próprias do local.
As regras para esse tipo de agricultura foram colocadas no livro “The Spiritual Foundations of Biodynamic Methods”. Nele, afirma-se que os processos tanto na vinha quanto na vinícola são regidos pela posição dos planetas e pelas fases da lua.
Não se usa agrotóxicos e fertilizantes, porém, o produtor pode contar inicialmente com preparados biodinâmicos, que são como fórmulas naturais (à base de ervas medicinais e minerais), até que o ecossistema recupere o equilíbrio e necessite cada vez menos da ação do homem. Na elaboração dos vinhos também são seguidos os mesmos preceitos, com a menor interferência possível na vinificação, sem utilizar leveduras que não sejam naturais (da própria uva) e com o mínimo (ou nada) de enxofre para conservar.
Assim como a agricultura orgânica, existem órgãos para regular e autenticar os poucos os produtores que se aventuram na agricultura biodinâmica. Um dos principais nomes adeptos desse prática é o Domaine de La Romanée-Conti, que faz um dos vinhos mais famosos e caros do mundo.
Embora não exista uma regulamentação oficial para o uso do nome “vinho natural”, existe um certo consenso entre os produtores sobre as práticas permitidas para se obter um vinho nesse estilo. Para a maioria dos produtores, vinho natural é basicamente o mosto da uva de vinhas orgânicas que fermentaram com leveduras naturais e sem qualquer intervenção.
Dessa forma, o enxofre é quase sempre banido e muitos se opõem ao uso do envelhecimento em carvalho também.
Ou seja, além de utilizar uvas de cultivo orgânico, o vinho natural tem como principal característica a ausência de qualquer composto adicionado à bebida, inclusive o anidrido sulfuroso.
Dessa forma, estamos falando de vinhos bastante sensíveis e instáveis. Sem a ação antisséptica e conservante do dióxido de enxofre, o produtor precisa dobrar os cuidados de higiene na vinícola. No entanto, deve-se frisar que ainda não há um regulamentação sobre o uso do termo “vinho natural” e cada produtor pode interpretar da maneira que quiser. Dessa forma, assim como os biodinâmicos e orgânicos, os produtores de vinhos ditos naturais acreditam estar produzindo bebidas que melhor representam as características do lugar onde foram feitas, captando a essência do solo e do clima, ou seja, o famoso “gosto do terroir”.
O primeiro ponto a se destacar quando falamos de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais é que não se deve falar em “vinhos orgânicos”, “vinhos biodinâmicos” e “vinhos naturais”, pois basicamente o produto (o vinho) é uma consequência da agricultura e do manejo vinícola, ou seja, o correto seria dizer “vinho feito com uvas de agricultura orgânica”, por exemplo.
Apesar de todos os esforços dos produtores de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais, não há como afirmar que esses vinhos sejam mais ou menos saborosos do que os outros, elaborados de forma “convencional”. Isso quem decide é o consumidor. De qualquer forma, saber como o vinho foi feito, com que cuidado as uvas foram tratadas, implicará em uma impressão diferente sobre o que estamos provando.