Enogourmet

Vinho e comida japonesa: harmonização no Sakamoto

Avaliamos sete harmonizações para um cardápio da culinária japonesa no Junji Sakamoto

por Eduardo Milan, Giuliano Agmont e João Paulo Gentile

A harmonização de Jun Sakamoto desmistificou a máxima de que brancos e/ou espumantes são sempre a melhor escolha para a culinária japonesa


A culinária japonesa esconde segredos por trás de sua simplicidade. Um deles, talvez o mais revelador, é a preparação de temperos capazes de realçar ao máximo o sabor dos ingredientes principais dos pratos, sem se sobrepor a eles. Os grandes cozinheiros sabem disso, sobretudo aqueles que têm laços de sangue com esta cultura milenar. Sabem também dar valor à qualidade dos produtos, anal, quanto mais frescos, menos precisam de condimentos, segundo suas tradições.

Diante de preceitos tão enraizados, promover a harmonização de vinhos com receitas da cozinha nipônica pode parecer uma tarefa inglória – e não apenas porque tira o saquê de cena, mas, sobretudo, pelas sutilezas de uma arte culinária que tende ao minimalismo. Na verdade, não é. Para nossa equipe de degustadores, combinar bons vinhos com meticulosos pratos japoneses revelou-se uma aventura das mais agradáveis, da escolha dos rótulos ao jantar servido no restaurante Junji Sakamoto, em São Paulo (SP), do premiado chef Jun Sakamoto.

Tudo começou com a definição do cardápio e a seleção dos vinhos. A equipe do restaurante propôs sete pratos, numa lógica de entradas, pratos principais e sobremesa. Coube ao editor de vinhos de ADEGA, Eduardo Milan, buscar as referências gerais das receitas para imaginar harmonizações cinco estrelas. Evidentemente, o objetivo nunca foi confirmar ou não se as escolhas foram acertadas, mas simplesmente mergulhar no pujante mundo enogourmet.

Além da equipe de degustadores de ADEGA, da qual também fazem parte o publisher da revista, Christian Burgos, e o restaurateur João Paulo Gentile, participaram do jantar os convidados Francisco Barros e Gabriel Zipman, ambos apaixonados pelo mundo gourmet. Fomos recebidos pelo gerente-geral do restaurante, o chef Tohya Yamashita, amigo de infância de Jun Sakamoto. Tímido, o responsável pelos sabores da noite conta que, desde sua inauguração, o cardápio do Junji ganha personalidade ao experimentar sutis transformações propostas por comensais habitués. “Mas a essência se mantém intacta”, atesta.

Um dos segredos do restaurante faz lembrar procedimentos do universo vitivinícola. O preparo do tradicional arroz de sushi utiliza um blend de vinagres, um deles vermelho e envelhecido. “Deixo envelhecendo até ficar com sabor mais intenso e macio”, explica Yamashita. Outra peculiaridade do Junji é o uso de um shoyo centenário importado, um dos mais antigos do Japão. Para o chef Yamashita, a harmonização de vinho com pratos da culinária japonesa pode produzir resultados realmente extasiantes. “Há um realce mútuo entre a comida e a bebida, gerando uma combinação muito prazerosa. A ideia é sempre partir do prato para escolher o vinho”, ensina.

O jantar começou em um ritmo imprevisível. Já na segunda entrada, ficou claro que a harmonização não seria linear, ou seja, para cada prato, um vinho. Logo, estavam todas as taça cheias e as discussões ganharam ares mais gráceis, com todos fazendo o que a ocasião pedia: experimentar, sentir. Naquele laboratório sensorial, alguns consensos inusitados vieram à tona. “A cebola com Moscato se revelou a combinação da noite”, decretou o consultor Francisco Barros, entre uma história e outra de viagem mundo afora. De fato, poucos teriam ousado fazê-la, mas ela rompeu paradigmas ao se revelar reativa.

Uma das estrelas da noite, o sushi veio servido com um pequeno pincel para se aplicar o shoyo, muito conveniente. “São delicados e complexos, maravilhosos com o Riesling, sobretudo ao se complementar com o wasabi”, deliciou-se o consultor Gabriel Zipman. “O que se destaca também é que o sushi tem o tamanho na medida para o gole de vinho”, acrescentou João Paulo Gentile. No decorrer da noite, ainda surpreenderam positivamente o ovo empanado com Jerez e o Pinot Noir com a garoupa. Mas os detalhes técnicos desta noite enogourmet compilamos a seguir.

LEGENDA DA HARMONIZAÇÃO

5 ESTRELAS: ótima, casamento perfeito

4 ESTRELAS: muito boa, quando os dois – vinho e prato – ganham

3 ESTRELAS: boa, em que o prato ou o vinho ganha 

2 ESTRELAS: regular, em que nem um nem outro ganha, mas, o mais importante, não se atrapalham

1 ESTRELA: ruim, não há casamento, os dois se atrapalham

Os vinhos degustados com os respectivos pratos

[Colocar Alt]

A intensidade do espumante escondeu um pouco da delicadeza do Uzukuri – finas camadas de robalo – com molho ponzu

AD 92 pontos

SEGURA VIUDAS RESERVA HEREDAD

Segura Viudas, Catalunha, Espanha  (Qualimpor R$ 268). Cava branco brut elaborado pelo método tradicional composto de 67% Macabeo, 33% Parellada, com mínimo estágio de 30 meses em contato com as leveduras. Muito fresco, mas também estruturado, tem ótima acidez, frutas cítricas e de caroço, borbulhas delicadas e ótima cremosidade. Tem nal intenso e profundo, com toques minerais. Álcool 12%. EM

[Colocar Alt]

Prato 1: Uzukuri com molho ponzu. Finas camadas de robalo com molho ponzu. Uma entrada leve e refrescante.

Harmonização: A intensidade do espumante esconde a delicadeza do prato, mas limpa a boca com classe. Fica na média, não valoriza, mas também não prejudica, sobrepondo-se um pouco à comida.

Nota: 3 ESTRELAS

AD 94 pontos

TARA WHITE WINE 1 2013

Ventisquero, Atacama, Chile  (Cantu R$ 382). Nesta safra, foram elaboradas apenas 409 garrafas exclusivamente a partir de uvas Chardonnay, fermentadas com leveduras indígenas, sem adição de SO2 e engarrafadas sem claricação ou ltração. Não houve passagem por madeira, mas foi mantido em inox por 15 meses. Grande vinho. Consegue ter força, estrutura e potência em harmonia com elegância e muita tensão. Mostra aromas de melão e abacaxi frescos envoltos por notas minerais, orais e vegetais. Tem volume e textura de boca excelentes, com ótimo retrogosto salino e de frutas tropicais. Chama a atenção pela tensão e acidez vibrante do conjunto. Álcool 13%. EM

Prato 2: Tartare de salmão. Caldo de peixe com shoyo (dashi), pepino e gelatina de shoyo. Segunda entrada, também leve.

Harmonização: O frescor intenso do salmão combinado com a estrutura desse Chardonnay valoriza a mordida e potencializa o prato. Harmonização por similaridade de dicionário. O tartare e o vinho são intensos e ambos têm textura cremosa, o que acaba proporcionando um casamento perfeito, já que são realçados os sabores e texturas tanto do prato quanto do branco.

Nota: 5 ESTRELAS

AD 89 pontos

HEREDAD DE HIDALGO JEREZ FINO

Hidalgo, Jerez, Espanha (Mistral US$ 36). Branco forticado seco elaborado exclusivamente a partir de uvas Palomino Fino, com amadurecimento no sistema de solera. Apresenta aromas agradáveis de frutas brancas e de caroço acompanhados de notas orais, minerais e de frutos secos, além de toques tostados e especiados. Seco e potente, mostra um estilo mais estruturado e de mais volume de boca, tudo envolto por acidez refrescante, gostosa textura e nal untuoso e persistente, com toques salinos. Álcool 15%. EM

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Uma combinação inusitada ocorreu entre o Jerez e o ovo à milanesa com ovas de capelim

Prato 3: Ovo à milanesa com ovas de capelim levemente trufado. Gema cremosa. Entrada mais encorpada.

Harmonização: O ovo “perfeito”, com fritura sequinha e precisa, leva ovas de capelim crocantes e sutil azeite de trufas. A combinação dos toques salinos do vinho casam muito bem com a textura e a intensidade de sabor do ovo. Os sabores não se potencializam entre si, mas tornam a combinação agradável e diferente, pedindo mais um gole de vinho e vice-versa. A estrutura alcoólica do vinho “dissolve” a gordura da fritura, limpando a boca para a próxima mordida. Combinação inusitada, eciente e de força.

Nota: 4 ESTRELAS

AD 91 pontos

REICHSGRAFF VON KESSELSTATT WILTINGER RIESLING 2012

Reichsgraff Von Kesselstatt, Mosel, Alemanha (Vind’Ame R$ 228). Branco meio-seco elaborado exclusivamente a partir de uvas Riesling advindas de solos de ardósia, fermentadas com leveduras indígenas e sem passagem por madeira. Mineral, vibrante e estruturado, mostra maçãs e frutas cítricas acompanhadas de notas herbáceas e orais. Alia frescor, tensão, cremosidade e sutil dulçor de modo equilibrado e cativante, tudo permeado por deliciosa acidez, que traz ainda mais tensão ao conjunto. Muito gostoso de beber, tem nal persistente, com toques minerais e de limão siciliano. Álcool 12%. EM

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Prato 4: Sushis (1 de atum, 1 de salmão, 1 de robalo, 1 de carapau e 1 salmão skin) e uramaki de salmão. Shoyo temperado. Peixes pescados no anzol e preparados ainda em alto-mar. Prato principal frio.

Harmonização:  A complexidade e a sutileza do Riesling abraçam perfeitamente os sushis de salmão, atum e robalo. O toque do vinho na boca combina com a delicadeza dos peixes e do tempero do arroz. O traço de doçura do vinho realça os sabores dos peixes. No caso especíco do sushi de carapau e do uramaki, os dois têm intensidades marcantes e se sobrepuseram ao vinho, mas sem prejudicá-lo.

Nota: 4 ESTRELAS

AD 90 pontos

SAN MARZANO ESTELLA MOSCATO SALENTO 2013

San Marzano, Puglia, Itália  (Grand Cru R$ 105). Branco elaborado exclusivamente a partir de Moscato, sem passagem por madeira. Cativantes notas orais envolvem os aromas de frutas cítricas e de caroço maduras, além de toques herbáceos e minerais, que se conrmam na boca. Surpreende pela boa textura e pelo volume, tem acidez refrescante e final suculento, com toques salinos, de pêssegos e de lichias. Álcool 13%. EM

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O tempura de cebola e o Moscato proporcionaram a melhor harmonização da prova

Prato 5: Tempura de legumes e camarão. Prato quente acompanhado de caldo de peixe e shoyo. Textura diferente e saborosa.

Harmonização:  Independentemente do legume e do camarão, a fritura delicada é o elo de ligação com o Moscato, tornando a experiência muito agradável, com o vinho enaltecendo o prato, refrescando o palato a cada garfada e fazendo com que, no conjunto, a harmonização mereça 4 estrelas.  No caso especíco do tempura de cebola, a compatibilização com o vinho foi mais que perfeita. A junção do lado exótico e intenso do Moscato, com a doçura da cebola trouxe ainda mais complexidade e  os dois ganharam muito, merecendo 5 estrelas. A união perfeita – 5 estrelas – também aconteceu entre o tempura de shimeji e o Talinay Pinot Noir e entre o tempura de berinjela e o Wiltinger Riesling. 

Nota: 4 ESTRELAS

AD 92 pontos

TALINAY PINOT NOIR COASTAL LIMESTONE VINEYARD 2012

Tabalí, Limari, Chile,  (World Wine R$ 228). Tinto elaborado exclusivamente a partir de uvas Pinot Noir advindas do vinhedo Coastal Limestone, com estágio de 12 meses em barricas de carvalho francês. Mostra aromas de frutas vermelhas frescas, como morangos e framboesas, seguidos de notas orais, herbáceas e minerais, além de toques de ervas e de especiarias. Fresco, profundo e estruturado, tem acidez vibrante, ótima textura de taninos, lembrando giz, e - final persistente, com toques salinos e de cerejas. Impressiona pelo estilo compacto, tenso e preciso. Álcool 13,5%. EM

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Outro casamento perfeito: Pinot Noir com o Mebaru (garoupa) Nitsuke

Prato 6: Mebaru (garoupa) Nitsuke. Prato quente principal. Peixe preferido da casa. Caseiro no Japão. Enquanto cozinha, o caldo depura e há troca de colágeno do peixe para o molho e vice-versa. Shoyo tem uma receita secreta com gengibre, açúcar e outros ingredientes.

Harmonização: A carne da garoupa tem alto teor de gordura e sabor intenso que, em conjunto com o molho no, delicado e levemente doce, harmoniza muito bem com esse classudo Pinot Noir. Os taninos nos do vinho intensicam e complementam esse sabor mais pronunciado do peixe, enquanto sua acidez contrasta com a gordura da garoupa e, nalmente, a fruta discreta e mais contida do Pinot realça e complementa o molho adocicado que escolta o pescado. Resumindo, casamento perfeito e surpreendente.

Nota: 5 ESTRELAS

AD 93 pontos

CASTELLO DELLA SALA MUFATO DELLA SALA 2008

Antinori, Umbria, Itália (Winebrands R$ 435). Branco doce elaborado a partir de uvas botritizadas sendo 60% Sauvignon Blanc e os 40% restantes compostos de Grechetto, Riesling e Traminer, com estágio de seis meses em barricas de carvalho francês. Complexo nos aromas, mostra damascos e gos em compota seguidos de notas orais, de frutos secos e de casca de laranja, além de toques de cogumelos. Intenso, denso e estruturado, tem ótimo equilíbrio entre acidez e doçura, textura quase cremosa e nal muito longo, com toques de amêndoas e laranjas contadas. Álcool 12%. EM

Surpreendeu a compatibilidade entre a densidade e a complexidade do vinho com o frescor e a leveza do sorvete

Prato 7: Sorvete de maçã verde e gelatina de sake doce. Sobremesa. A massa do sorvete é uma receita de Jun Sakamoto. Fecha o cardápio porque é refrescante e leve.

Harmonização: Pela densidade e pela complexidade do vinho, a compatibilização  com o leve e fresco sorvete acaba surpreendendo. A doçura da bebida valoriza o azedinho característico da maçã verde, enquanto a acidez da sobremesa “limpa” a doçura e a cremosidade do vinho, preparando a boca para o próximo gole.

Nota: 4 ESTRELAS

Quer saber mais sobre Jun Sakamoto? Leia o belo perfil feito pela revista Sabor.  

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