Borgonha passou Bordeaux como a região mais negociada na Liv-ex
por Christian Burgos, com dados de www.liv-ex.com
Muitas pessoas falam que gostariam de voltar a ser jovens com a experiência de vida que têm hoje. Nós também. E vamos além, não só a experiência, como a informação. Numa viagem no tempo, poderíamos voltar com os números vitoriosos de um sorteio da Mega-Sena. Nossa vantagem é que, analisando o que aconteceu com alguns vinhos, podemos projetar o futuro; e nesse momento não estou falando de vinhos que ficam melhores com o tempo, mas dos que ficam mais caros com o tempo.
Estas conclusões ficam mais fáceis quando avaliamos os dados de nossos amigos da Liv-ex, uma mistura de painel da Bloomberg com bolsa de valores de grandes vinhos. A própria experiência como consumidor nos permite ver que houve um processo generalizado de valorização de grandes ícones do mundo, sobretudo de regiões consagradas do Velho Mundo e da Califórnia. Desde sempre, Bordeaux foi a região mais importante quando o tema eram vinhos colecionáveis e para investimento. Borgonha, algumas regiões da Itália e Porto vinham atrás, ou bem atrás.
Mas, no ano passado, uma coisa fora do comum aconteceu. Borgonha passou Bordeaux como a região mais negociada na Liv-ex, compreendendo 28,8% de mercado frente a 25,7% de Bordeaux. Alguns fatores colaboram para isso: o aumento da demanda global, a qualidade e a oscilação na oferta.
A qualidade da safra 2020 foi muito elogiada. Jancis Robinson ressalta que, desde 2015, não há uma safra que favorecesse tanto tintos e quanto brancos como esta. Entre os players da indústria, há consenso de que os ícones brancos são estrelas e compras mais certeiras nesta safra. Nos tintos, brilham os de regiões com maior retenção de água no solo, como Pommard, e dos produtores que manejaram bem o momento de colheita. Estes Pinot Noirs conseguiram equilíbrio combinando mais álcool e mais acidez.
Essa qualidade por si só já geraria uma pressão nos preços, mas o fator crucial encontramos em seguida.
Segundo os dados do BIVB – Bureau Interprofessionel des Vins de Bourgogne –, a produção de vinhos de 2018 a 2021 teve um movimento como o de um serrote. Comparando com a média da produção de 2010 a 2019, 2018 teve produção 26,4% superior, 2019 foi 14,6% abaixo, 2020 foi 8,3% acima da média e, por fim, 2021 teve uma queda assustadora de 37,5%.
Com isso, a boa produção com muito boa qualidade de 2020 é insuficiente, pois vem após uma safra menor, como foi a de 2019, e muitos produtores estão segurando a oferta para não ficarem sem vinho se dependerem apenas de 2021, sobretudo quando falamos de brancos.
O bom senso nos levaria a crer que a subida de preços ajustaria a demanda e que safras com boa produção mais a frente colaborariam para esse efeito. Isso pode até ser verdade quando falamos dos vinhos mais “básicos” da Borgonha, mas, nos ícones, estamos vivendo o que a Liv-ex está chamando de “paradoxo da Borgonha”, em que quanto mais caro estão os vinhos, maior o número de pessoas lutando por eles.
Por isso, felicito quem consegue comprar estes grandes vinhos hoje e quem teve a visão (ou sorte) de abastecer sua adega com grandes Borgonhas no passado. Mas o “de volta ao futuro” desta história também está em aprender o que acontece quando o mundo descobre e enlouquece pelos vinhos de uma região com capacidade limitada de produção e descobrir qual será a próxima Borgonha.
Hoje eu continuaria apostando em Borgonha e Bordeaux para investimento, mas rechearia minha adega com os melhores vinhos do Jura como uma alternativa para quando bater aquela sede de um super Borgonha. Mas isso é um longo tema para outra conversa.
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