Um dos estilos mais cultuados por experts, o vinho da Ilha da Madeira tem sua singular história vinculada a época das navegações
por Arnaldo Grizzo
Foi logo nos primeiros tempos das navegações que, a cerca de 1.100 quilômetros de distância da costa de Portugal, as naus dos intrépidos portugueses se depararam com um arquipélago que se tornaria um entreposto de extrema importância para o futuro das viagens pelo Atlântico, para a exploração das costas africanas e para a descoberta do Novo Mundo.
A Ilha da Madeira (descoberta em 1419 por João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello) tornou-se um produtor de vinhos singulares que abasteciam os navios e ainda hoje chamam a atenção de experts, por sua complexidade e pelo método original pelo qual é produzido.
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Como dito, a Ilha da Madeira é um arquipélago constituído por duas ilhas habitadas - Madeira e Porto Santo - e outras inabitadas (as Desertas e as Selvagens). Ela tem 740 quilômetros quadrados de formação vulcânica. O ponto mais alto, o Pico Ruivo, com impressionantes 1861 metros de altitude, já denota o quão montanhosa é sua geografia.
Embora não se saiba com precisão quais e quando foram plantadas as primeiras vinhas, acredita-se que os primeiros colonizadores tenham trazido variedades então cultivadas no Minho. Registros históricos de 1450 apontam a introdução da casta Malvasia Cândida nos primeiros anos de colonização.
Essa variedade logo passou a produzir vinhos que eram exportados, apesar de a cultura da cana-de-açúcar ser a mais relevante na época. O descobrimento da América alguns anos depois, todavia, seria determinante para o desenvolvimento do vinho na ilha, assim como o vinho também seria determinante para essas viagens transatlânticas.
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A concorrência com o açúcar das Américas fez com que a cultura da cana arrefecesse na ilha e abrisse espaço para os vinhedos. E os vinhos passam a ser apreciados pelos mais diversos povos que visitam a ilha a caminho da África, das Índias e, principalmente, das Américas.
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O Brasil, aliás, sempre foi um dos principais destinos desses vinhos, sempre trazido pelos colonizadores. Os ingleses, por sua vez, tornaram-se os maiores compradores graças a acordos comerciais com Portugal ao longo dos anos. Assim, mercadores ingleses dominaram o comércio local regulando o transporte para as colônias (portuguesas e britânicas) e para as metrópoles.
A partir do século XVII, o Vinho Madeira teve nas Índias um dos seus principais mercados. Essa rota comercial tornou-se famosa para o vinho da ilha não só pela quantidade de exportações, mas também pelo famoso Vinho da Roda, ou Retour des Indes. O transporte do Vinho Madeira para a Ásia era feito nos porões dos navios que atingiam temperaturas muito elevadas.
Às vezes, esse vinho não era negociado ou consumido e regressava à Europa, e lá verificou-se que essa “viagem” dava à bebida características diferentes que eram extremamente apreciadas. Então, tonéis de Vinho Madeira passaram a ser enviados para as Índias, com o único objetivo de “enriquecer”, para então regressarem à Europa onde conquistaram uma fama incrível. Na Inglaterra, por exemplo, o “Vinho da Roda” tinha grande reputação e alcançava preços altíssimos.
Com isso, acredita-se que, ao longo do século XVIII, houve a introdução de duas novas técnicas que contribuíram para o desenvolvimento do vinho local: a fortificação e a estufagem. Mas os séculos seguintes provaram-se desafiadores para o Vinho da Madeira. As guerras de independência dos Estados Unidos e as guerras napoleônicas (que fizeram diminuir drasticamente as exportações para as Américas e Europa), o aparecimento da filoxera e a abertura do Canal de Suez em 1869 (que fez com que as embarcações rumo às Índias não mais passassem pela ilha) impactaram fortemente a produção local. Desde então, o Vinho Madeira teve altos e baixos, mas nunca deixou de ser considerado uma iguaria ímpar no cenário vitivinícola mundial, sendo cultuado atualmente.
O sistema de condução mais tradicional na ilha é o de “latada” (pérgola), apesar de a espaldeira também ser utilizada, mas, só em terrenos com declives menos acentuados. Não é preciso dizer que o terreno acidentado dificulta e muito a colheita, que ainda hoje é feita de forma totalmente manual.
Nas vinícolas, geralmente se faz uma triagem das uvas (confira as principais castas usadas e suas características no box ao final). Após isso, é feita a seleção do tipo de uvas, de acordo com o tipo de vinho que se pretende obter. A partir daqui, dá-se início ao processo de fermentação. O mosto resultante da prensagem passa por uma fermentação, que pode ser total ou parcial, e posterior fortificação (parada da fermentação devido ao acréscimo de aguardente vínica).
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A escolha do momento da interrupção da fermentação é feita de acordo com o grau de doçura pretendido para o vinho, podendo-se, com este procedimento, obter quatro tipos: seco, meio-seco, meio-doce e doce (veja box ao final). Após esse processo, os vinhos podem ser submetidos a um dos dois processos de envelhecimento, a “estufagem” ou o “canteiro”.
Diz-se que, em 1478, Georges, Duque de Clarence, irmão de Eduardo IV, rei da Inglaterra, ao ser condenado à morte, escolheu morrer afogado num tonel de Malvasia.
Afirma-se que a celebração da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 4 de julho de 1776, pelo seu primeiro presidente, George Washington, foi brindada com um cálice de Vinho Madeira.
Henry Veitch, Cônsul inglês na Madeira ofereceu um tonel de Malvasia a Napoleão Bonaparte que estava de passagem pela ilha em 1815, a caminho do exílio para a ilha de Santa Helena. Diz-se, contudo, que o imperador não apreciou o vinho e então Veitch pediu o tonel de volta. Ele teria engarrafado o líquido e algumas garrafas teriam sobrevivido até a passagem de Sir Winston Churchill pela Madeira em 1950.
O Vinho da Madeira, ou Vinho Madeira, pode ser conhecido no mundo por Madère, Vin de Madère, Madera, Madeira Wein, Madeira Wine, Vino di Madera, Madeira Wijn ou outras traduções aprovadas por um instituto que rege a denominação.
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