Incêndios devastadores perto de áreas vinícolas levantam o tema: os vinhos ficam com sabor de fumaça?
por Arnaldo Grizzo
O ano de 2017 parece que foi especialmente marcado por incêndios perto de regiões vinícolas importantes mundo afora. Logo no começo do ano houve um caso no Chile. Depois, no segundo semestre, diversos focos atingiram Portugal em uma escala assombrosa. Por fim, grandes áreas da Califórnia, nos Estados Unidos, também foram afetadas. Houve diversos casos de vinhas destruídas pelo fogo, mas, em muitos locais, mesmo quando a planta não é atingida pelas chamas, elas podem ficar impregnadas pela fumaça. E essa é uma questão importante para os enólogos – e enófilos.
As vinhas e uvas potencialmente atingidas pela fumaça resultariam em vinhos com tons de fumaça também? As primeiras pesquisas sobre isso ocorreram na Austrália e um grupo de estudos só sobre esse tema foi formado em 2006. Os cientistas avaliaram a resposta das vinhas à exposição prolongada ao fogo e à fumaça.
Segundo eles avaliaram, sim, os compostos da fumaça podem ser absorvidos pelas cascas das uvas e o período mais susceptível para isso é durante a “veraison” (quando as uvas tintas estão mudando de cor) até a colheita. Os estudos mostraram que vinhos feitos com uvas afetadas pela fumaça apresentaram compostos como guaiacol e 4-methyl guaiacol (os dois principais relacionados a características de fumo no vinho) em duas formas: fenóis voláteis livres, que às vezes são detectados como aromas de fumaça nos primeiros estágios da vinificação, e compostos glicosídicos, que podem ser liberados posteriormente. Os glicosídeos são inodoros, mas podem influenciar o sabor, além de poderem hidrolisar com o tempo e liberar mais compostos voláteis livres. Alguns deles podem ser liberados durante a fermentação e não são desejáveis, mas isso também pode acontecer durante o envelhecimento em garrafa e levar a sabores desagradáveis.
Relatividade
As pesquisas mais recentes sobre esses efeitos e como mitigá-los são de Tom Collins, cientista da Universidade de Washington State, e de Mark Krstic, do Instituto de Pesquisa do Vinho Australiano. Segundo Collins – que analisou vinhos da safra 2015 de Washington e Califórnia produzidos com uvas afetas por fumaça de incêndios –, a maioria dos compostos encontrados foi de glicosídeos, mas ele não soube apontar a contribuição individual de cada um deles para os aromas e sabores de fumaça no vinho. De acordo com ele, há fatores complicadores para determinar isso, pois alguns compostos que resultam nessas características podem ser derivados da Brettanomyces ou da tosta do carvalho. Outros ainda ocorrem naturalmente em algumas variedades de uva. O guaiacol, por exemplo, já foi encontrado em Merlot, Shiraz, Tempranillo, Grenache. Ou seja, a concentração de compostos, suas combinações, a variedade da uva, métodos de processamento e estilo do vinho podem influenciar a presença, a percepção e a intensidade da sensação de fumaça nos aromas e sabores.
Em uma prova durante um congresso sobre o tema em 2017, Collins levou amostras de vinhos afetados por fumaça para que fossem avaliados sensorialmente pelos colegas. Nenhum havia recebido tratamento para reduzir os traços de fumaça. Metade dos degustadores afirmou que um Riesling de Washington estava “com cinzas”. A maioria disse que um Pinot Noir, também de Washington, estava “com cinzas” e “seco” no retrogosto. Já um Cabernet Sauvignon da Califórnia teve menos percepções negativas. Tanto Collins quanto Krstic apontaram que as características mais comuns associadas à fumaça são descritas como “cinza” e “seco” no retrogosto.
Como evitar
De acordo com Collins, há formas de suavizar os efeitos da fumaça no vinho. “Uma das ferramentas mais poderosas é minimizar a extração das cascas e o contato com elas”, apontou. Isso, obviamente, é mais fácil de ser feito com vinhos brancos do que tintos. Partes de vinhedos que foram mais expostas à fumaça também devem ser processadas separadamente. Pequenos lotes de uvas podem ser separados, processados e avaliados depois de um dia para verificar se há sinais de fumaça nos aromas e sabores (apesar de a ausência deles não significar que não houve contaminação). A análise laboratorial pode ajudar bastante a identificar os compostos. No caso dos tintos, prensar mais cedo e ir para fermentação mais rapidamente pode ajudar a minimizar o contato com as cascas. E ainda deve-se evitar barricas com tosta que deem notas de fumaça.
Segundo os pesquisadores, os principais agentes refinadores têm se mostrado pouco efetivos para resolver esse problema. “Carbono ativado é muito mais um último recurso para salvar algo que possa ser comercializado como um vinho de baixo custo”, afirmou Krstic ao falar sobre a alternativa que efetivamente remove os aromas relacionados à fumaça, mas também afeta outros desejáveis, assim como afeta a cor do vinho. A osmose reversa também não seria uma opção, pois os glicosídeos não passam pela membrana. Ou seja, uma vinificação cuidadosa pode minimizar a extração dos compostos da fumaça, mas seria preciso a remoção dos glicosídeos para realmente mitigar o problema no longo prazo; e os métodos para isso ainda são limitados e caros.
Diminuir os riscos
“Nossa visão é usar ferramentas para avaliar os riscos. Uvas, e os vinhos resultantes, podem lidar com um determinado nível destes compostos sem problema. Estamos analisando para determinar quais níveis de exposição à fumaça apresentam um risco antes de ser necessário enviar amostras para análise”, explicou Krstic.
Ele disse que há pesquisa em andamento para avaliar uma variedade de compostos químicos disponíveis para uso hortícola e o seu potencial como barreira (por aplicação de spray) para proteger as uvas contra a absorção de compostos de fumaça. Segundo ele, outras pesquisas incluem tecnologias e processos de triagem para reduzir a contaminação por compostos durante o processamento do vinho, e desenvolver melhores análises e ferramentas de avaliação de riscos para determinar se as uvas estão sujas ou limpas.
“Resolver esse problema e gerenciar resquícios de fumaça requer uma mistura de dados analíticos e avaliação sensorial. Existe uma grande variabilidade entre indivíduos na detecção de características ruins e na liberação potencial de sabores ruins na boca. Ao olhar para o risco, você precisa de um leque de pessoas na adega com diferentes limiares sensoriais para avaliar possíveis problemas”, analisou Krstic.
+lidas
1000 Stories, história e vinho se unem na Califórnia
Vinho do Porto: qual é a diferença entre Ruby e Tawny?
Pós-Covid: conheça cinco formas para recuperar seu olfato e paladar enquanto se recupera
Os mais caros e desejados vinhos do mundo!
Notas de Rebeldia: Um brinde ao sonho e à superação no mundo do vinho