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Depois de tragédia, vinícola francesa mergulha em agricultura sustentável

Domaine Armand Rousseau, na Borgonha, aprendeu com erro e hoje mostra como fazer vinhos em química – e sem alarde por isso

por Arnaldo Grizzo

O vinhedo Premier Cru Clos Saint-Jacques em Gevrey-Chambertin

Depois da II Guerra Mundial, alguns produtores da Borgonha foram persuadidos a enriquecer seus vinhedos com potássio. De acordo com vendedores desses “adubos”, a terra teria sido negligenciada durante os longos anos de batalha e precisava desse suporte para dar mais vigor às videiras e aumentar a concentração de açúcar nas uvas.

Armand Rousseau foi um dos que acreditou nessa conversa e comprou toneladas de potássio para jogar em suas propriedades. 

Um dos maiores erros do homem que criou o Domaine Armand Rousseau ainda no início do século 20 após herdar lotes de vinhedos em Gevrey-Chambertin.

Ele era descendente de uma família de pequenos proprietários composta principalmente por viticultores, tanoeiros e comerciantes de vinho. No início, Armand comercializava seus vinhos a granel para comerciantes regionais.

Depois, adquiriu novos lotes de vinhas de maior prestígio, como Charmes-Chambertin, Clos de la Roche e Chambertin. Então decidiu engarrafar seus próprios vinhos e vender especialmente para donos de restaurantes, com ajuda do influente Raymond Baudoin, fundador da Revue du Vin de France. 

Placa dando boas-vindas à comunda de Gevrey-Chambertin

Foi logo após 1945, quando seu filho Charles saiu da universidade e passou a ajudar o pai na administração do negócio, que Armand introduziu o potássio, que acabou sendo prejudicial para suas vinhas, pois as raízes ficaram saturadas e, com isso, diminuíram a acidez natural das uvas e, consequentemente, do vinho.

Eric, neto do fundador e hoje o principal gestor do domaine, diz que levou mais 20 anos para reequilibrar o solo, mas trouxe ensinamentos importantes.

Sem químicos?

Em 1959, Armand morreu em um acidente de carro enquanto voltava de uma caçada.

Charles então assumiu o controle e continuou aumentando as terras ao comprar especialmente vinhedos Grand Cru em locais como Clos de Bèze, o monopólio Clos des Ruchottes e novamente vinhedos de Chambertin.

Ele também passou a exportar cada fez mais, tanto que atualmente o domaine vende cerca de 75% de sua produção anual de aproximadamente 63 mil garrafas (divididas em 11 rótulos apenas) para o exterior. A maioria do que sobra em território francês vai para restaurantes. 

Vista dos vinhedos e da comuna de Gevrey-Chambertin na Borgonha

Em 1982, Eric, seu filho, juntou-se à equipe após concluir estudos no Lycée Agricole et Viticole de Mâcon Davayé e um ano de especialização em enologia na Universidade de Dijon. E foi ele o responsável por definir uma visão “natural” para os vinhos do domaine. 

Primeiramente, ele acreditou na “experiência” das plantas, portanto, manteve suas vinhas o máximo possível enquanto estiverem minimamente produtivas antes de replantar. 

Assim, a idade média das videiras é bastante elevada, cerca de 40 a 45 anos, com densidade de 11.000 plantas por hectare. As seleções utilizadas são clones (sete ou oito plantados na propriedade) escolhidos por sua baixa produção e concentração. 

Depois do problema com o potássio, agora ele tenta evitar ao máximo o uso de qualquer tratamento para as vinhas e se foca em técnicas como poda verde, desfolha, entre outras que ajudam a proteger e equilibrar o vinhedo sem o uso de inseticidas ou aditivos químicos.

Os vinhedos murados do Grand Cru Mazis-Chambertin

Ele direcionou a propriedade para uma viticultura mais orgânica e mantém a vinificação tradicional com um mínimo de manipulação do vinho. Atualmente, Cyrielle, uma de suas filhas tem estado ao lado do pai para gerir o negócio. 

De olho na colheita

Além da baixa produtividade normal das vinhas velhas, o domaine faz uma seleção extrema das uvas na colheita. Como não possui uma mesa de seleção, Eric supervisiona pessoalmente os trabalhadores nos primeiros dias da safra para garantir que eles estejam colhendo apenas os cachos maduros e sãos, e separando uva podres uma a uma. 

Por isso, durante a colheita, é comum que o chão de seus vinhedos esteja repleto de uvas. “Meu lugar é no vinhedo, não na adega”, costuma dizer Eric. 

A vinificação é efetuada em cubas abertas, com desengace de todos os cachos, e tende a durar cerca de 18/20 dias. Terminada a fermentação alcoólica, os vinhos são prensados delicadamente em prensa pneumática, repousando durante 48 horas, depois transferidos para a adega por gravidade, em barricas de carvalho, onde decorre naturalmente a fermentação malolática. 

Apenas alguns vinhos passam por barrica nova, a saber: Clos de Saint-Jacques Premier Cru (80%) e os Grand Cru Chambertin e Clos de Bèze (ambos 100%). Os demais passam por barricas já utilizadas anteriormente.  

Os Crus

A excepcional qualidade já pode ser encontrada em seus Village, que vêm de nove parcelas de Gevrey-Chambertin, todas de vinhas velhas.

O Clos de Ruchottes, um dos oito vinhedos Grand Cru do Domaine Armand Rousseau

Os Premier Crus ficam nos climats de Clos Saint-Jacques, Les Cazetiers e Lavaux Saint-Jacques. E, finalmente, os Grand Cru, nada menos que 8 hectares, estão em Chambertin, Chambertin Clos de Bèze, Charmes-Chambertin, Mazis-Chambertin, Clos de la Roche e o monopólio Clos de Ruchottes, que fica dentro de Ruchottes-Chambertin. 

Sim, mais da metade de suas propriedades são de vinhedos Grand Cru, mas os rendimentos são tão baixos (cerca de 30 hectolitros por hectare) para manter a concentração que encontrar suas garrafas é algo raro.

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