Selecionamos uvas que podem produzir ótimos vinhos, mas que não costumam ser prestigiadas pelos enófilos
por Arnaldo Grizzo e Eduardo Milan
Ninguém duvida da capacidade da Cabernet Sauvignon de produzir grandes vinhos. Nem mesmo da Pinot Noir. Tampouco da Syrah ou da Tempranillo. Mundo afora há variedades que são consagradas e estão sempre na mente dos enófilos. Elas acabam servindo de portos seguros para muitos quando estão diante de várias opções – o que atualmente é cada vez mais comum. Quando se depara com a diversidade, muitos preferem optar por algo familiar.
Não à toa, as variedades mais vendidas do planeta são quase sempre as mesmas. No entanto, há muito para a ser descoberto e, em alguns casos, a ser levado em consideração. À sombra de muitas das variedades clássicas, muitas vezes estão outras subestimadas. Na Borgonha, por exemplo, palco da Pinot Noir, a Gamay foi relegada (e até mesmo banida durante a Idade Média), mas, ultimamente, vem mostrando cada vez mais um potencial até então desconhecido do público.
E há casos semelhantes em diversas regiões vitivinícolas do globo. Na maioria das vezes, algumas cepas se destacam e se tornam famosas, ofuscando outras que não são ruins. Elas acabam relegadas a um segundo plano e, ocasionalmente, sofrem algum desprezo e até preconceito. ADEGA, portanto, selecionou 10 variedades que estão fora do radar, mas que merecem ser valorizadas.
Acredita-se que a Aglianico tenha sido uma das principais uvas da Itália antiga. Ela teria sido trazida pelos gregos e seu nome seria uma corruptela da expressão “Ellenico” (no entanto, pesquisas apontam que não existe nenhuma variedade similar na Grécia). Ela se desenvolveu na região da Campania, mas também em outras regiões ao sul da Itália, como Basilicata (onde se produz o lendário Aglianico del Vulture), Puglia e Calábria. A Aglianico, por exemplo, é a uva da DOCG Radici Taurasi, na Campania, onde se destaca o produtor Mastroberardino. Ela tem muita capacidade de envelhecimento, além de apresentar austeridade e refi namento para rivalizar com os grandes tintos do mundo. Outros produtores que elaboram varietais de Aglianico são Terredora e Villa Matilde, por exemplo.
AD 91 pontos
TERREDORA AGLIANICO 2011
Terredora, Campania, Itália (Cantu R$ 208).
Tinto elaborado exclusivamente a partir de uvas Aglianico, com estágio em barricas de carvalho francês. Apresenta aromas de cerejas e amoras acompanhados de notas fl orais, especiadas, minerais e de ervas frescas. Chama atenção pela ótima textura de taninos e pela acidez refrescante. É estruturado, tenso e tem fi nal persistente, com toques terrosos e de frutas vermelhas ácidas. Álcool 13%. EM
Segundo a Wines of Portugal, a Touriga Franca (ou Francesa, como também é conhecida) é a variedade mais cultivada do Douro, Portugal. Ela é uma das cepas historicamente usadas nos blends de Vinho do Porto e, mais recentemente, também nos Douro DOC. Ela é costumeiramente tida como tendo uma boa cor e taninos, mas “sem a qualidade da Touriga Nacional e da Tinta Roriz”. Ela tende a mostrar aromas delicados, porém intensos, de frutas negras e notas orais, de grande corpo. Por isso, além de seus bons rendimentos e de ser “con ável”, é uma das mais usadas nos blends. No entanto, cada vez mais os produtores vêm realizando experimentos de sucesso com varietais, tanto no Douro quanto no Alentejo, e algumas regiões como Tejo, Beiras e Lisboa, onde a Casa Santos Lima é uma das pioneiras.
AD 90 pontos
HERDADE SÃO MIGUEL TOURIGA FRANCA 2010
Herdade São Miguel, Alentejo, Portugal (Cantu R$ 130).
Tinto elaborado exclusivamente a partir de Touriga Franca, com estágio de nove meses em carvalho francês. Mostra aromas de frutas vermelhas maduras, bem como notas fl orais, herbáceas e de especiarias, além de toques terrosos e de tabaco. É suculento, redondo, tem ótima acidez, taninos maduros e fi nal médio/ longo. Chama atenção pela estrutura e qualidade da fruta, num estilo mais austero elegante. Álcool 13%. EM
Esta é outra cepa coadjuvante que tende a ser bastante subestimada. A Graciano é comumente usada em blends em Rioja, Espanha, fazendo par com a mundialmente famosa Tempranillo. Acredita-se que, antes do ataque da filoxera, em meados do século XIX, a cepa tinha muito mais representatividade na região. Agora, porém, ela vai retomando, aos poucos, pois é uma variedade bastante susceptível a doenças. Ela dá vinhos com bastante acidez e taninos, porém destaca-se nos aromas, sempre muito intensos. Alguns produtores evitam varietais por acreditar que ela se oxida facilmente, mas outros apostam em seu per l de estrutura e aromas e produzem excelentes exemplares, como os da Dinastia Vivanco e Bodegas Valdemar, por exemplo.
AD 92 pontos
COLECCIÓN VIVANCO PARCELAS DE GRACIANO 2007
Bodegas Vivanco, Rioja, Espanha (World Wine R$ 567).
Tinto elaborado exclusivamente a partir de Graciano, com estágio de 18 meses em barricas novas e usadas de carvalho francês de 500 litros. Mostra notas de frutas maduras e em compota, além de geleia de ameixa e morango, acompanhadas de notas fl orais, tostadas e de especiarias doces. No palato, é frutado, suculento, cheio, concentrado e estruturado, tudo equilibrado por taninos de ótima textura e acidez vibrante que trazem sustentação a toda sua opulência e exuberância. Álcool 15%. EM
O nome realmente não é muito atrativo. Negroamaro significa “amargor negro”. Esta casta típica da Puglia, na Itália, é ofuscada pela Primitivo, uma das variedades mais na moda atualmente. Até pouco tempo atrás, Negroamaro costumava ser mais utilizada para dar cor aos vinhos e complementar blends com outras cepas, como Primitivo e Malvasia Nera, por exemplo. No entanto, cada vez mais os produtores, especialmente da península de Salento (Cantine Due Palme, Cosimo Taurino, San Marzano, por exemplo), vêm mostrando o potencial da uva, criando vinhos com maior textura de taninos e, geralmente, acidez mais pronunciada, bastante gastronômicos.
AD 89 pontos
SAN MARZANO IL PUMO NEGROAMARO 2014
San Marzano, Puglia, Itália (Grand Cru R$ 69).
Tinto elaborado exclusivamente a partir de Negroamaro, sem passagem por madeira. Acolhedor, gostoso de beber e fácil de entender, mostra amoras e cerejas acompanhadas de notas fl orais, de ervas e de especiarias. Os taninos macios e a acidez refrescante, trazem equilíbrio ao conjunto e a toda sua fruta, convidando a mais um gole. Versátil pode acompanhar massas, embutidos e pizzas em geral. Álcool 14%. EM
Quando se pensa na Borgonha, as primeiras castas que surgem na mente são a Pinot Noir e a Chardonnay. No entanto, um olhar mais atento vai descobrir que a região francesa não se resume somente a isso. Apesar de ter importância muito inferior à Chardonnay, a branca Aligoté (que tende a não estar plantada nos principais locais das denominações de origem) vem lentamente sendo revitalizada e valorizada por alguns produtores de renome. Um deles, por exemplo, é o lendário Aubert de Villaine, dono do Domaine de la Romanée-Conti, que está utilizando a cepa em seu projeto pessoal. Quando bem cultivada e vinificada, a Aligoté resulta em vinhos de excelente estrutura e de aspectos minerais, às vezes um pouco discretos nos aromas, mas com grande capacidade de envelhecimento.
AD 90 pontos
JOSEPH DROUHIN BOURGOGNE ALIGOTÉ 2015
Joseph Drouhin, Borgonha, França (Mistral US$ 40).
Branco elaborado exclusivamente a partir de Aligoté, sem passagem por madeira. Mais discreto no nariz, mostra peras e melão, além de toques florais, minerais e de ervas frescas, que se confi rmam no palato. Estruturado, tem volume de boca, acidez refrescante e final persistente, com toques salinos e de cítricos. Com o tempo na taça foi se mostrando mais e mais. Álcool 12%. EM
A Avesso é uma das diversas castas de cultivo permitido na região de Vinho Verde, em Portugal. Ela é costumeiramente usada como parte do blend especialmente no Minho, juntamente com as mais famosas Arinto, Loureiro e Trajadura. Diz-se que os vinhos elaborados com esta uva tendem a ser mais cheios e aromáticos, assim como apresentar teor alcoólico mais alto e relativamente baixo teor de acidez (se comparado com as outras brancas locais). Aliás, acredita-se que essa característica valeu o nome de Avesso, pois ela apresenta o oposto das características comuns das cepas da região. Cada vez mais produtores, como a Quinta de Covela, por exemplo, vêm experimentando com varietais que comprovam o potencial da casta.
AD 91 pontos
COVELA EDIÇÃO NACIONAL AVESSO 2015
Quinta de Covela, Minho, Portugal (Winebrands R$ 80).
Branco elaborado exclusivamente a partir de Avesso, sem passagem por madeira. Sempre consistente, nesta safra mostra mais corpo e um perfil de fruta branca e de caroço mais madura, mas mantendo a tensão, a verticalidade e a vivacidade de sempre, tudo envolto por acidez refrescante, gostosa textura e final persistente, com toques salinos e de limão siciliano. Por ser direto e muito agradável, aparenta ser menos complexo do que realmente é. Álcool 12,5%. EM
Mais uma variedade coadjuvante nas regiões onde costuma ser cultivada, como a Alsácia, na França, e também em diversos locais da Alemanha. A Sylvaner (ou Silvaner) não possui a fama da Riesling e tampouco da Gewürztraminer, as principais castas quando falamos de vinhos alsacianos e alemães. Muito de sua “má fama” deveu-se à onda dos Liebfraumilch e chegou a ser considerada uma variedade de vinhos “neutros”. Mas ela vem, aos poucos, retornando ao cenário mundial com vinhos de boa acidez e aromas e sabores que podem ir do cítrico ao amendoado, como os do produtor Horst Sauer, da Alemanha, ou Hugel, da Alsácia.
AD 91 pontos
HORST SAUER ESCHERNDORFER LUMP SILVANER KABINETT TROCKEN 2010
Horst Sauer, Franken, Alemanha (Decanter R$ 222).
Seguramente um dos melhores produtores de Franken, Horst Sauer elabora este branco a partir de uvas Silvaner advindas exclusivamente do vinhedo Escherndorfer Lump, sem passagem por madeira, mas mantido em contato com as borras. Mostra notas florais e minerais que envolvem os aromas de frutas cítricas e tropicais. Porém, é a boca que merece atenção, com ótima textura, bom volume, acidez vibrante e final persistente e cheio de mineralidade. Austero e elegante, é equilibrado e gostoso de beber. Álcool 12%. EM
O Jura é uma região ainda pouco conhecida da França, mas vem ganhando notoriedade nos últimos anos. Lá, os principais vinhos são feitos com duas cepas tintas, a Poulsard (tida como delicada e fina) e a Trousseau (dita como firme e concentrada). Esta última tende a ser menos valorizada na região. Ela também é conhecida como Bastardo, em Portugal, onde costuma também ser subestimada. Todavia, no Jura, ela tem gerado vinhos deliciosos, frutados e frescos – alguns dos principais exemplares são do lendário produtor Pierre Overnoy, além de outros expoentes como Domaine Ganevat, Domaine Tissot, Rollet e Domaine du Pelican, por exemplo. A Trousseau também tem apresentado bons resultados nos Estados Unidos e na Patagônia argentina (Bodega Aniello e Miras, por exemplo).
AD 92 pontos
DOMAINE TISSOT SINGULIER TROUSSEAU 2014
Domaine Tissot, Jura, França (De La Croix R$ 238). 100%
Trousseau advindas de vinhedos biodinâmicos, com estágio de 12 meses em barricas de carvalho 10% novas. Esbanja cerejas maduras envoltas por notas florais, herbáceas e de especiarias, que se confi rmam na boca, que é cheia de energia e tensão. Tem taninos de ótima textura, acidez vibrante e final persistente e profundo, com um lado rústico e cativante. Álcool 12%. EM
Apesar de ser uma das uvas mais cultivadas da ilha da Sicília, e amplamente plantada em toda a Itália, a Catarratto sempre esteve em segundo plano em termos de importância. Em território siciliano, ela costuma ser produzida principalmente para compor os vinhos de Marsala e, muitas vezes, também para ser destilada. Tida como “neutra”, ela também tende a compor blends com diversas outras cepas como Inzolia, Grillo e Chardonnay, por exemplo. No entanto, quando bem vinificada pode produzir vinhos de grande qualidade, geralmente com bom corpo, com aromas delicados de flores, toques cítricos e minerais, além de sabores de ervas acompanhados de boa acidez.
AD 91 pontos
DONNAFUGATA ANTHÌLIA 2016
Donnafugata, Sicília, Itália (World Wine R$ 143).
Branco elaborado majoritariamente a partir de Catarratto e outras castas típicas da região, sem passagem por madeira. Chama atenção pelo frescor e mineralidade, tudo em meio a muita fruta branca e de caroço, seguida de notas florais e herbáceas. Tem gostosa acidez, boa textura e final suculento, com toques salinos e de frutas cítricas. Experimente-o na companhia de peixes brancos e vegetais grelhados. Álcool 12,5%. EM
Também conhecida como Viura, esta cepa branca é tradicional de Rioja, na Espanha. De alto rendimento, ela costuma ser muito usada na produção de Cava. Ela também pode ser encontrada no Languedoc-Roussillon. Os brancos do Rioja tendem a ter grande percentual de Macabeo, pois é uma casta que resiste à oxidação. Dessa forma, ela está por trás de alguns dos grandes brancos da Espanha, principalmente riojanos, e também do mundo, com exemplares icônicos de produtores como Viña Tondonia, Castillo Ygay, entre outros.
AD 92 pontos
VIÑA MURIEL RESERVA BLANCO 2010
Bodegas Muriel, Rioja, Espanha (Winebrands R$ 165).
Branco elaborado exclusivamente a partir de Viura, com fermentação e estágio de oito meses em barricas novas de carvalho francês, sendo quatro desses meses em contato com as borras. Surpreende pela cremosidade e volume de boca. Consegue ser potente, estruturado e untuoso, mas também elegante, tenso e vibrante. Austero, tem fi nal persistente, com toques salinos e minerais. Complexo, as notas de frutos secos e de caroço, além de toques florais, de resina, e de ervas vão aparecendo com o tempo na taça. Álcool 13%. EM