Misturar o carvalho americano e o francês em uma única barrica pode resultar em um aroma diferenciado
por Arnaldo Grizzo
Envelhecer vinhos em carvalho francês dá resultados aromáticos e de sabor diferentes dos que são envelhecidos em carvalho americano. Em barricas francesas, os vinhos tendem a apresentar notas mais especiadas e taninos mais finos e estruturados. Já em barricas americanas, os aromas costumam ser mais adocicados e os taninos mais macios.
Os enólogos tendem a fazer suas escolhas pelos tipos de madeira que usarão baseados nessas variáveis e no que esperam que o tempo em barrica aporte aos seus vinhos. Mas e se eles pudessem mesclar essas características?
É, sim, possível. Uma forma comum, na verdade, é fazer um blend mesclando vinhos de barricas distintas. Ou seja, uma parte do vinho envelhece em carvalho francês, outra em carvalho americano e, no fim, misturam-se. No entanto, há quem opte por um método diferente: barricas híbridas. Mas como isso funciona?
Em um primeiro momento, as barricas híbridas surgiram da seguinte forma: com aduelas (as longas peças côncavas de madeira que compõem o corpo da barrica) feitas de um tipo de madeira (carvalho americano, no caso) e cabeças (os pedaços circulares que envolvem cada extremidade da barrica) de outro tipo (francês). Dessa forma, as barricas mesclam os dois tipos de carvalho – sabendo, contudo, que a madeira das cabeças, por ter menor área, tem menor influência na bebida. Além de dar esse leve toque do carvalho francês, outra vantagem dessa barrica híbrida é o custo em relação a uma barrica 100% francesa.
Hoje, no entanto, a hibridização das barricas se desenvolveu para além dessa montagem de corpo e cabeça com tipos diferentes de materiais. Algumas tanoarias passaram a criar barricas com aduelas mescladas com os distintos tipos de carvalho, e não somente com carvalho, mas com outras espécies de madeira também. Tudo para criar produtos sob medida para os enólogos testarem em seus vinhos.
Entre os pioneiros no uso desse de barricas híbridas estão alguns produtores espanhóis e americanos. María Barúa, enóloga da Bodegas LAN em Rioja, por exemplo, vem estudando as diferenças entre os tipos de carvalho no Centro de Pesquisas Governamentais de La Rioja e testando seus resultados há cerca de 20 anos.
“Em Rioja, os barris tradicionalmente utilizados eram principalmente de carvalho americano. Começamos a testar o carvalho francês para ver as diferenças e pensamos em trabalhar com barricas que combinassem esses dois tipos de madeira. Dessa forma, o vinho poderia se nutrir das qualidades que cada tipo de carvalho oferece, desenvolvendo um vinho com personalidade diferente”, diz Barúa.
Segundo ela, as aduelas de carvalho americano das florestas dos Apalaches de Ohio e Missouri oferecem aromas intensos de coco e baunilha, enquanto as cabeças de carvalho francês de diferentes florestas da França central (Allier, Troncais, Jupille e Blois) fornecem mais complexidade aromática, com notas de pimenta preta, cravo e canela, além de toques de mentol, defumado e cacau. O uso de carvalho francês para as cabeças também oferece mais taninos, resultando em maior estrutura no paladar.
O enólogo Matías Calleja, da vinícola Beronia, lembra que, na década de 1990, alguns de seus tanoeiros acharam sua ideia “estranha” quando ele disse que queria combinar os dois carvalhos em uma só barrica. “Acredito que obtemos uma integração muito melhor nos vinhos quando eles envelhecem em barris de carvalho misto. Evitamos o choque de ter que misturar dois vinhos separados pós-envelhecimento em barricas distintas. Não se trata de acelerar o processo, mas de dar ao vinho a oportunidade de se fundir e misturar, em ambos os estilos de carvalho, em uma só barrica”, afirma Calleja.
Aric Schmiling, enólogo da Von Stiehl Winery, de Wisconsin, Estados Unidos, também vem testando barricas “franco-americanas” desde 1997. “Acho que a elegância da barrica híbrida nos permite encontrar o equilíbrio entre o carvalho e o sabor natural da fruta”, diz.
Mesmo alguns enólogos franceses vêm utilizando as híbridas. Vincent Guillemot, do Domaine Pierre Guillemot, em Savigny-lès-Beaune, por exemplo, usa barricas híbridas de acácia e carvalho para tempos de envelhecimento curtos a médios (entre 10 e 12 meses). “Escolhemos estes barris porque nos permitem manter a tipicidade das castas e manter a qualidade do nosso terroir”, diz, apontando que a acácia retém o frescor e confere certo dulçor, enquanto o carvalho fornece mais profundidade e complexidade aos vinhos.
Já as famílias Cristoforetti e Delibori, da Vigneti Villabella, de Verona, na Itália, usam barris de madeira de cerejeira desde 2001 como uma homenagem à tradição local. Segundo eles, a madeira de cerejeira ligeiramente aromática realça o sabor frutado típico da casta autóctone da região, a Corvina. “Nossos barris são parcialmente feitos de carvalho [parte frontal e traseira], apenas por uma questão de resistência. O restante é feito de cerejeira. A porosidade da madeira de cerejeira ajuda na polimerização dos taninos”, aponta o enólogo Edoardo Lessio.
Por sua vez, Marco Tebaldi, do Grupo Tebaldi, também de Verona, usa barricas híbridas de cerejeira e castanheira. A madeira de cerejeira produz aromas intensos, enquanto a castanha – uma madeira típica da área vulcânica do Etna – mostra-se “aromática, dura e elástica”, segundo ele.
Apesar de as tanoarias oferecerem esse tipo de barricas desde os anos 1990, acredita-se que a venda delas não teve um grande aumento com o tempo, representando cerca de 5% do mercado apenas. Ainda hoje, é muito mais comum os produtores investirem em barricas 100% americanas ou francesas e posteriormente mesclar os vinhos nelas envelhecidos para incorporar as influências de cada madeira. “Acho que o que os barris híbridos começaram e o que eles estão se tornando são duas coisas diferentes. Antes era uma forma de economizar um pouco, e agora eles estão se tornando um produto muito mais sofisticado, muito customizado e específico”, diz Jason Stout, da Independent Stave Company (ISC), com sede em Missouri, que fabrica barricas para destilarias e vinícolas desde 1950.
Recentemente, a ISC lançou um programa de “barril de fusão” em que os clientes constroem barris personalizados com suas escolhas particulares de carvalho. “Temos uma tecnologia que usamos que nos ajuda a organizar nossas aduelas em barris e podemos usá-la para, por exemplo, fazer 25% de aduelas de carvalho americano e 75% de aduelas de carvalho francês e cabeças de carvalho europeu”, diz Stout.
Segundo ele, o principal incentivo para os produtores de vinho usarem barris híbridos ainda é, principalmente, econômico. “Para nós, é um ótimo custo-benefício”, reflete Guillemot. Um barril padrão de 225 litros com corpo de carvalho americano ou húngaro e cabeça de carvalho francês custa entre 15 e 30% menos que um feito com corpo de carvalho francês com cabeças de carvalho americano ou carvalho húngaro.
“As barricas híbridas são mais baratas que as de carvalho francês, mas mais caras que as 100% de carvalho americano”, pondera Barúa. Segundo ela, sua empresa não considera o custo ao selecionar os carvalhos, mas a qualidade e o estilo de vinho que quer depois de envelhecer em cada tipo de barrica.
Mais recentemente, surgiram ainda mais novidades nessa área. A Tonnellerie Baron, da França, por exemplo, lançou uma barrica híbrida com argila e madeira. Suas barricas em formato oval são feitas com base de “terre cuite”, o tradicional barro vermelho cozido a temperaturas relativamente baixas e comumente usado para telhas ou pisos, ou com grès. Esta última é uma argila branca que é cozida em forno de alta temperatura, mas não esmaltada como porcelana. Na parte superior fica a madeira. “Nossos novos barris devem permitir aos produtores de vinho o melhor dos dois mundos – o sabor frutado de usar uma argila com um barril de carvalho francês de alta qualidade, construído para seus requisitos”, diz Lionel Kreff, da Tonnellerie Baron. Cerca de 25% do vinho fica em contato com a argila.
O fundo de barro do barril vem da cidade de Gênova, famosa por seus ladrilhos. “Precisávamos de uma argila muito pura, caso contrário, havia o risco de contaminantes como chumbo, alumínio e cádmio vazarem da argila. E o cozimento [em um forno a uma temperatura de 1.200ºC] também é feito lá. Eles têm a experiência necessária para fazer isso”, afirmou Kreff. A parte de madeira e a montagem são feitas na França. Cada peça custa cerca de 2.800 euros.
Como se pode ver, a tecnologia pode criar alternativas antes impensadas e, com isso, oferecer um novo leque de possibilidades para os enólogos. As barricas híbridas são apenas uma parte disso.