Entrevista

O futuro do Riesling na visão de Frederik zu Knyphausen

O Riesling e suas variações na visão de Frederik zu Knyphausen, herdeiro da Baron Knyphausen

por Guilherme Veloso

Frederik zu Knyphausen, 42 anos, tem o perfil de um jovem executivo. Estudou Economia na Alemanha e na Suíça, trabalhou com consultoria financeira, fusões e aquisições de empresa e private banking. Mas seu destino profissional de certa forma já estava traçado desde o início do século XIX, mais precisamente em 1818.

Foi naquele ano que seus ancestrais compraram uma antiga propriedade (o primeiro registro oficial é de 1163) na região do Reno (Rheingau), vizinha ao mosteiro cisterciense de Eberbach, fundado em 1136. Os monges cistercienses tinham como norma plantar vinhedos em suas propriedades, como fizeram na Borgonha (o exemplo mais famoso é o Clos Vougeot) e Eberbach não foi exceção. Em 1803, o governo alemão determinou a secularização de todas as propriedades da igreja. Foi uma delas, a fazenda Draiser Hof, nas proximidades do famoso mosteiro, que acabou nas mãos de um de seus antepassados – que ganhou o título de barão por ter servido os reis da Prússia (hoje, o título foi simplesmente incorporado ao nome da vinícola, ainda que tanto Frederik como seu pai pudessem ostentá-lo).

Casado (a mulher trabalha com cosméticos), três filhos, Frederik representa a oitava geração da família. Ele é o mais velho de cinco irmãos, mas só passou a administrar a Baron Knyphausen em 2015, quando o pai, hoje com 79 anos, decidiu afastar-se das atividades do dia a dia.

A Baron K, como também é conhecida, produz aproximadamente 100 mil garrafas em duas linhas (uma se destina basicamente à venda em supermercados e é elaborada com uvas compradas). Do total, 75% é Riesling e 15% Spätburgunder (nome dado à Pinot Noir na Alemanha). Essa proporção, segundo Frederik, corresponde à que prevalece em praticamente toda a região do Rheingau. Os 10% restantes estão plantadas com outras castas, inclusive uma curiosa “Rote Riesling” (Riesling vermelha), que seria ascendente da própria Riesling como a conhecemos hoje, mas de cor levemente rosada, como a Pinot Gris. Ela foi replantada em 2007 e hoje é uma de sete variedades brancas usadas num vinho da Baron K que retoma uma antiga tradição: as uvas são colhidas e fermentadas juntas, no conceito “field blend”.

Os vinhos do Rheingau, por sua acidez, podem lidar melhor com um pouco mais de açúcar residual do que os do Mosel

Ainda que venha do mercado financeiro, Frederik não se considera um estranho no ninho. Ele registra que nasceu e foi criado na propriedade familiar e que sempre conversou com o pai a respeito de vinhos. No curto período em que está no comando, promoveu mudanças de caráter técnico, como usar leveduras nativas, aumentar o tempo de fermentação e adicionar menos anidrido sulfuroso (SO2) aos vinhos. Outra providência importante foi a utilização de um novo equipamento para desengaçar as uvas, o que reduz a possibilidade de amargor no produto final. Mas Frederik não esconde que um de seus objetivos é investir em enoturismo. Além da esplêndida localização às margens do Reno, a vinícola dista apenas pouco mais de 30 minutos do aeroporto internacional de Frankfurt, uma das portas de entrada da Alemanha. E já conta com um hotel, que está sendo ampliado, e é muito usado para casamentos.

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Na sua opinião, o que diferencia os vinhos à base de Riesling do Rheingau (Reno) dos que são produzidos em outras regiões da Alemanha?

Sempre um pouco mais de acidez. Todos os nossos vinhedos estão plantados em encostas orientadas para o sul. Isso não se encontra no Mosel, por exemplo. O (rio) Mosel é mais sinuoso, então nem todos os vinhedos têm exposição sul. No Pfalz (Palatinato), não tem as montanhas. Também pelo tipo de solo sempre se encontra uma ponta de acidez a mais no Rheingau, o que torna os vinhos mais vivos e longevos.

Os Riesling do Rheingau têm mais corpo do que os do Mosel?

Isso também depende do trabalho do enólogo. O que se pode dizer é que os vinhos do Rheingau, por sua acidez, podem lidar melhor com um pouco mais de açúcar residual do que os do Mosel. Se você tem um vinho seco do Mosel, ele seria um semi-seco no Rheingau, não do ponto de vista analítico, mas da percepção na boca. Também temos diversos tipos de solo, inclusive ardósia, como no Mosel, o que pode ser um desafio em anos quentes, porque a ardósia conserva mais o calor.

A uva necessita de certa quantidade de sol e de temperatura para a sua maturação, e hoje isso está acontecendo muito mais cedo do que há 20 ou 30 anos

Por falar em calor, o aquecimento global está afetando a produção?

Isso é notado, mas ainda não está afetando do ponto de vista negativo. É um desafio, certamente, porque a uva necessita de certa quantidade de sol e de temperatura para a sua maturação, e hoje isso está acontecendo muito mais cedo do que há 20 ou 30 anos. Hoje, as uvas em geral estão maduras no fim de setembro. Há 20 anos, seria no meio de outubro. A diferença de temperatura, ou seja, quanto mais quente o dia e mais fresca a noite, intensifica os aromas do vinho. E isso está-se perdendo um pouco. Em 2018, a colheita terminou no início de outubro. O nível do Reno baixou tanto que os navios só podiam ser carregados pela metade. Mas tivemos uvas de muito boa qualidade, porque as raízes são muito profundas. Por isso também, a acidez nunca é um problema no Rheingau.

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Esse fenômeno não afeta os vinhos de colheita tardia?

Vai ficar cada vez mais difícil alguém produzir Eiswein, porque o período em que as uvas terão que ficar expostas no vinhedo (portanto, sujeitas a doenças) será muito longo [os Eiswein são produzidos com uvas sadias, mas colhidas já congeladas, nos meses mais frios, em geral de dezembro a fevereiro].

Porque a Riesling não tem a mesma popularidade da Chardonnay ou da Sauvignon Blanc?

Um primeiro fator é que as uvas francesas são mais conhecidas pelo consumidor. Outra questão é que você precisa se acostumar à Riesling, porque a acidez pode incomodar algumas pessoas. Nós temos um vinho chamado Knyp, com acidez reduzida pela adição de lacto-bactérias. É muito fácil de beber. Às vezes, numa degustação, as pessoas provam nossos melhores vinhos, mas vejo que acabam voltando para o Knyp. Foi o que elas gostaram mais. O Riesling é sempre desafiador. E também tem que levar em conta a comida, porque ela pode absorver parte dessa acidez.

Veja também:

+ Todos as formas de Riesling

+ Riesling eterno

+ Os melhores rótulos de Riesling no Melhor Vinho

Que tipo de comida seria melhor com um bom Riesling?

Alguns vão bem até com um bife, como um GG (Grosses Gewächs) envelhecido. Um Riesling seco jovem vai bem com saladas. Os doces vão bem com comida condimentada. Os Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese (mais doces) combinam com sobremesas ou com queijos.

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vizinho à propriedade dos Knyphausen

A legislação alemã também não dificulta a aceitação dos Riesling, porque é preciso entender muita coisa no rótulo para saber exatamente o que se está bebendo? Talvez seja mais uma questão do rótulo. Estamos diminuindo isso na Verband deutscher Prädikatsweingüter - VDP [associação que reúne 200 dos melhores produtores alemães]. Nas novas safras dos vinhos secos, não mais usamos os “predicados” no rótulo. E estamos discutindo como incorporar isso à legislação. Por enquanto, é só para os vinhos secos. Nos doces, vamos manter os predicados [Kabinett, Spätlese, Auslese, Beerenauslese e Trockenbeerenauslese, ou TBA]. Mesmo para os alemães é confuso, porque não é um sistema de qualidade, é apenas uma questão da quantidade de açúcar no mosto. Poderíamos colocar números e seria o mesmo. É complicado especialmente nos Riesling, porque são muitas possibilidades. Mas muitos consumidores estão acostumados a ver Kabinett escrito no rótulo.

Mesmo para os alemães é confuso [as nomenclaturas nos rótulos], porque não é um sistema de qualidade, é apenas uma questão da quantidade de açúcar no mosto

A VDP seria uma garantia de qualidade dos vinhos?

Na VDP temos regras. A cada três ou quatro anos, por exemplo, há um controle de todos os vinhos de cada produtor em todos os níveis de qualidade. E é preciso alcançar uma certa média para cada vinho. É uma garantia de qualidade para o consumidor pela organização VDP. E é claro que não quero que uma vinícola vizinha, que produza com menor qualidade, tenha a mesma garantia. Com 200 vinícolas (associadas) é um grande desafio, por isso, temos um sistema de coaching (apoio). Assim, você nunca será expulso da VDP. Custa bastante para nós, porque ainda contribuímos para a German Wine Association. Mas precisamos disso e é importante ter a VDP.

Quais os desafios para os próximos anos?

Para a minha e para a próxima geração é manter o negócio 100% familiar [no passado, a Baron Knyphausen chegou a ter um sócio]. Não vejo grandes mudanças nos vinhos, além do que já fizemos. Queremos trazer consumidores mais jovens à propriedade e torná-la mais atraente para os turistas que visitam a Alemanha, seja para passar um dia ou um fim de semana. Estamos acrescentando cinco quartos ao hotel e oferecendo experiências em nossa loja como uma máquina de identificar aromas, além da possibilidade de degustar até 10 vinhos, inclusive os top. Tem até um de 1997.

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