Muito se ouve falar dos Pinot Noir patagônicos, mas seriam eles a melhor tradução da identidade da região?
por Patricio Tapia
Fomos conferir alguns produtores da Argentina. Decidimos começar por Rio Negro, pois nos interessava ver o que acontece ali, ver se o Pinot é realmente tão valioso. E as surpresas chegaram imediatamente.
Por exemplo, você sabia que há um produtor de Sauvignon Blanc riquíssimo na foz do Rio Negro, a 30 quilômetros do mar, na Patagônia profunda? Atenção, importadores. A vinícola se chama Océano e não faz somente Sauvignon que fica melhor com dois ou três anos de guarda, mas também produz uns Malbec cujos aromas e sabores eu nunca havia provado na Argentina: vinhos sutis, frescos, cheios de vida.
No entanto, começamos nosso caminho em Rio Negro porque a Patagônia merece atenção. A Argentina, obviamente, não é só Mendoza e seus satélites (San Juan, San Rafael), porém ainda há Salta e seu Torrontés e a Patagônia. Contudo, o que há na Patagônia que realmente a identifique como região, que a individualize como uma área vitícola?
Fala-se muito do Pinot Noir patagônico. Escutei isso insistentemente em muitos lugares. "O Pinot do sul da Argentina vale a pena". Não estou de acordo. Na edição do Descorchados 2013, reunimo-nos com a maior parte dos produtores da Patagônia. E vários deles nos mostraram seus Pinot. Degustamos 30 amostras no total. Gostei de bem poucos. A verdade é que gostei somente de um punhado. E todos de um só produtor: Bodega Chacra.
A Patagônia - pelo menos onde a Pinot está plantada massivamente -, a dizer Neuquén e Rio Negro, parecem ser lugares muito quentes para a cepa. Acostumado à referência inevitável da Borgonha (e aí pode estar o meu erro), os Pinot patagônicos carecem da faísca, do frescor dos sabores e, acima de tudo, da estrutura sólida que um bom Pinot borgonhês oferece. Pode ser uma questão do clima demasiadamente quente, mas também pode ser uma questão do solo. As argilas mescladas com pedras calcárias (o famoso solo argilo-calcário da Borgonha) não se encontram na Patagônia vitícola; no lugar, abundam solos arenosos, solos aluviais que também são solos muito quentes. O resultado é que os Pinot do sul da Argentina parecem cansados, sem vida, sem a "eletricidade" dos exemplos mais notáveis da cepa no mundo.
Os Pinot do sul da Argentina parecem cansados, sem vida, sem a "eletricidade" dos exemplos mais notáveis da cepa no mundo
Em contrapartida, e como uma deliciosa exceção, os vinhos da Chacra parecem saídos de outro planeta. E aí está o "Treinta y Dos" para provar. De um vinhedo plantado em 1932, esse é um Pinot Noir único na América Latina; um Pinot com tensão, com força e firmeza que se baseia em sua acidez, mas também na tremenda estrutura do vinho. Uma tensão que se manifesta por toda a boca, tornando-o vibrante, faiscante. Um Pinot que marca terreno no Novo Mundo.
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A safra de maior sucesso até agora é a de 2010. Foi um ano em que se deram conta de que se colhessem antes não necessariamente significaria que o vinho acabaria sendo verde. E essa é a prova. Aqui a madurez se associa a um grau alcoólico baixo (12%), o que o torna tremendamente bebível. A combinação de vinhas muito velhas e colheitas mais adiantadas, sem o medo clássico dos produtores sul-americanos com o eventual verdeal dos vinhos, parece ser a chave.
Mas se os Pinot podem ser uma decepção para os amantes da casta, há outras uvas que podem se converter em uma revelação. E a Sémillon é uma delas. Lembro da minha primeira viagem para a Patagônia, no final dos anos 1990, e meu primeiro encontro com Marcelo Miras, uma das forças mais marcantes da viticultura patagônica. Na sala de degustação da vinícola Humberto Canale (da qual Miras era enólogo-chefe), provamos muitos vinhos e o que mais me impressionou foi o Sémillon, um branco com a austeridade clássica da cepa, com notas sutis de mel, porém com essa suavidade e textura características.
A Sémillon nunca terá a alegria da Sauvignon Blanc, nunca oferecerá essa energia ácida nem esses aromas radiantes que a fazem ser tão desejável, mas, em compensação, tem esse volume de boca, essa força contida. A Sémillon de Canale me mostrou isso. Foi uma pequena revelação que logo, com os anos, se confirmaria. A versão 2010 do mesmo vinho que provei no fim dos anos 90 me deu chaves. Esse Sémillon vem de vinhas de 1937, embora talvez sejam mais velhas segundo Horacio Bibiloni, o atual enólogo de Canale. Fique de olho nesse Sémillon, com sua textura de mel, com notas de ervas, mel de abelhas em um vinho untuoso, grande, mas amigável. Um branco delicioso que merece atenção e que deve ser guardado por pelo menos 10 anos. Sim, isso mesmo, por 10 anos.
Se os Pinot podem ser uma decepção para os amantes da casta, há outras uvas que podem se converter em uma revelação. E a Sémillon é uma delas
Outro Sémillon que me entusiasma é "Udwe", do próprio Marcelo Miras, contudo dessa vez de sua vinícola, Los Miras, um projeto familiar. Udwe, na pequena porém intensa história dos Sémillon patagônicos, podia ser um tipo de clássico. Ou pelo menos um novo clássico, com seus aromas salinos e sua textura oleosa, desses vinhos que precisam decantar para que se mostrem. Fique esperto com a evolução em garrafa. Este Sémillon tem um bom tempo. O vinhedo foi plantado em 1963, na zona do Valle Azul. Novamente com vinhas velhas. Novamente um vinho para guarda.
E sim, é provável que esteja exagerando. Apenas dois exemplos. Não mais. E de uma cepa que, no contexto do mercado internacional, têm uma importância menor que zero. Mas dentro de todo o contexto dos vinhos que hoje se produzem na Patagônia, é no Sémillon que vejo realmente a identidade, o caráter, a singularidade. Os Malbec, Cabernet, incluindo os Merlot (bastante bons, para ser sincero), mostram características mais internacionais. Poderiam vir de qualquer parte, mas não é assim como o Sémillon. Fique atento com eles, com o que mostram agora; com o que poderão mostrar no futuro.