por Eduardo Milan
A premissa de que vinhos antigos morrem em contato com o ar caiu por terra na degustação de garrafas da Borgonha com meio século de vida, incluindo um branco Chablis
Degustar vinhos antigos sempre é um desafio, seja para quem organiza a prova, seja para quem participa dela, daí a aura de fascinação em torno de uma degustação como essa. Agora, imagine se os vinhos antigos forem da Borgonha e, somado a isso, exista entre eles um branco.
Por não serem vinhos a que a maioria de nós tem acesso todos os dias, afinal de contas estamos falando de borgonheses velhos e três deles com mais de 40 anos, alguns desafios se colocam. Por exemplo, primeiramente como abri-los, decantá-los ou não - aqui com intuito de separar os sedimentos que se depositam no fundo da garrafa -, qual a ordem de serviço, e assim por diante. Essas são preocupações relevantes, pois, via de regra, vinhos antigos são mais delicados e sensíveis e, dependendo de como são abertos ou colocados em contato com o ar, podem "morrer".
Por outro lado, o desafio de quem os prova também é grande, pois eles fogem dos parâmetros de fruta, concentração e intensidade que são comuns nos vinhos jovens usualmente consumidos por todos nós. De fato, vinhos antigos perdem nesses quesitos, mas oferecem outras qualidades como delicadeza, sutileza e complexidade aromática.
Vinhos bordaleses que ao primeiro momento pareciam estar prejudicados mostraram toda a sua complexidade aromática com a evolução gradual nas taças
Pois aqui recordamos, nesse contexto desafiador, a degustação da ADEGA em 2013, quando a revosta decidiu convidar um grupo especial de amigos - os empresários Christiane Badra, Clóvis Correa da Costa, Flávia Galli, Gabriel Zipman, Junia Marcello, Marco Banfi Passarelli e Marcos Marcello - para degustar, opinar e, acima de tudo, comprovar a capacidade de envelhecimento dos vinhos da tão fascinante e intrigante Borgonha, berço da Pinot Noir e da Chardonnay.
Assim, essas preciosidades foram servidas na seguinte ordem: Pierre Laforest Chablis Les Blandores 1994, Cruse Nuits-Saint-Georges 1966, Chanut Frères Morey-Saint-Denis 1961 e Domaine Drouhin-Laroze Bonnes Mares Grand Cru 1964.
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Já no início, foi por água abaixo a premissa de que vinhos velhos tendem a declinar em contato com o ar, acontecendo totalmente o contrário. Todos, sem exceção, ficaram muito melhores depois que foram servidos e permaneceram mais tempo nas taças. Fato comprovado por Marco Banfi Passarelli e Christiane Badra, que ficaram surpresos com a evolução dos vinhos, principalmente o Morey-Saint-Denis e o Bonnes Mares. Opinião seguida por Gabriel Zipman, ressaltando a evolução positiva do Nuits-Saint-Georges que, para ele, ao primeiro momento, parecia estar prejudicado e depois mostrou toda sua complexidade aromática.
Flávia Galli, por sua vez, ressaltou a complexidade tanto de nariz quanto de boca do Chablis, demostrando sua surpresa com a vivacidade e intensidade de um branco com quase 20 anos. Clovis Correa também ficou pasmo com as qualidades do branco, mas ressaltou o equilíbrio e a delicadeza do Morey-Saint-Denis.
Unânime foi a opinião dos presentes em relação ao Bonnes Mares, que surpreendeu pela vivacidade e jovialidade apresentada, sendo o favorito da noite, seguido de perto pelo Morey-Saint-Denis. Fascinante, diferente e apaixonante nas palavras de Christiane e "a cara da Borgonha" para Passarelli.
Em suma, entre suspiros de deleite, fascinação e, acima de tudo, de surpresa, todos os participantes puderam comprovar a capacidade de envelhecimento desses borgonheses tão exclusivos e perceber a maravilha que é degustar vinhos antigos, principalmente por oferecerem sensações distintas das que estamos acostumados, tanto em aspectos aromáticos quanto gustativos.
AD 91 pontos
PIERRE LAFOREST CHABLIS LES BLANDORES 1994
Pierre Laforest, Borgonha, França. Negociante da Borgonha sediado em Vougeot. As primeiras menções das instalações onde está situada a vinícola datam de 1631. Apresenta cor amarelo-dourado translúcido e brilhante e aromas cativantes de flores murchas permeados por notas minerais, de frutos secos e de mel. Há um traço oxidativo que aporta complexidade ao vinho. Em boca, é frutado, estruturado, tem ótima acidez, boa persistência, ainda vivo, muito equilibrado e gostoso de beber, com um longo final lembrando Jerez. Diferente, por isso surpreendente. EM
AD 92 pontos
CRUSE NUITS-SAINT-GEORGES 1966
Cruse & Fils, Borgonha, França. A Côte de Nuits está situada na parte norte da Côte d'Or e é onde os melhores Pinot da Borgonha e do mundo são produzidos. Em Nuits-Saint-Georges geralmente são produzidos os vinhos mais vibrantes e intensos de Côte de Nuits, exibindo notas florais e de cerejas negras. A safra 1966 foi muito boa em condições gerais, talvez uma das melhores da década. Apresenta cor vermelho-acastanhado de reflexos âmbar. O nariz se mostrou acanhado e discreto no início, mas depois foi evoluindo e mostrando aromas cativantes e muito complexos, predominantemente terciários e de frutos secos, além de toques terrosos, de cogumelos e de flores murchas. No palato, seguiu a mesma tendência do olfato, melhorando de forma surpreendente com o tempo de copo. Austero, tem boa acidez, taninos maduros, mas ainda presentes e final longo e profundo. Sutil, delicado e elegante. EM
AD 93 pontos
CHANUT FRÈRES MOREY-SAINT-DENIS 1961
Chanut Frères, Borgonha, França. Geralmente os vinhos de Morey são ofuscados pelos seus famosos vizinhos Gevrey e Chambolle, porém costumam apresentar a mesma classe dos outros, combinando elegância e estrutura. A safra 1961 é considerada a melhor da década de 60. Apresenta cor vermelho-rubi acastanhado e aromas de frutas vermelhas passadas e em compota, bem como notas florais, terrosas e de cogumelos. Está muito vivo e exuberante também no palato, confirmando as frutas encontradas no nariz. Tem ótima acidez, taninos finos e final delicado e persistente. Exala sutileza e elegância em conjunto com uma profundidade e intensidade ímpares. Um idoso em plena forma. EM
AD 95 pontos
DOMAINE DROUHIN-LAROZE BONNES MARES GRAND CRU 1964
Domaine Drouhin-Laroze, Borgonha, França. Bonnes Mares é um pequeno vinhedo com status de Grand Cru, localizado entre Chambolle-Musigny e Morey-Saint-Denis. Exclusivos acima de tudo, os vinhos dessa denominação são estruturados, combinando taninos marcantes com sutileza e elegância. Apresenta cor vermelho-rubi de reflexos acastanhados. Delicado, elegante, exótico, classudo e equilibrado, exibe complexas notas minerais, terrosas, de carne crua, que foram evoluindo para tabaco, frutas secas e em compota, além de tomilho. No palato, confirma toda essa complexidade e exuberância, mostrando vivacidade e intensidade, tudo envolto por ótima acidez e taninos muito finos, num final muito longo e persistente. Melhorou bastante com o tempo de copo, ficando ainda mais equilibrado, sutil e elegante. Explica com um gole a fama da Pinot Noir na Borgonha. EM
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