O que todo enófilo deve conhecer sobre essa encantadora região francesa
por Arnaldo Grizzo
Os vinhos da Borgonha são encantadores e, para alguns apreciadores, os melhores do mundo. Para muitos, porém, eles são um mistério. Há centenas de nomes de denominações e produtores, e decifrar o que pode estar por trás de cada rótulo nem sempre é tão óbvio, especialmente para quem não está acostumado com os vinhos borgonheses. Sendo assim, para ajudar a compreender melhor a Borgonha e suas nuances, montamos um pequeno guia com 10 coisas que todo enófilo precisa conhecer para desfrutar melhor dos vinhos dessa encantadora região francesa que possui 28.715 hectares, o que representa apenas 3% dos vinhedos da França. Confira.
Apesar de na maioria das vezes não estar escrito no rótulo do vinho (hoje em dia há alguns que fazem essa identificação), um tinto da Borgonha quase 100% das vezes será feito somente com Pinot Noir (há raríssimas exceções) e um branco será um monovarietal de Chardonnay. Na Borgonha, 48% das uvas plantadas são Chardonnay, 34% Pinot Noir, 10% Gamay e 6% Aligoté. Os outros 2% são de variedades ainda mais raras como Sauvignon, César, Pinot Beurot, Sacy, Melon e outras.
A Borgonha tem nada menos que 100 denominações de origem reconhecidas, o que representa mais de 20% das denominações de origem de toda a França. Essas denominações estão divididas em quatro níveis. O mais alto é dos vinhedos Grand Cru, eles são 33 e representam menos de 1% do território. Depois vêm os vinhedos Premier Cru, que são 10% dos vinhos da Borgonha. Em seguida vêm os vinhos ditos Village, que representam 44 denominações mais abrangentes que recebem os nomes das vilas (cidadelas) que eles circundam, e representam 37% dos vinhos locais. Por fim, há as denominações mais genéricas, ditas regionais, que são 23 e equivalem a 52% dos vinhos borgonheses produzidos.
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Em qualquer lista dos vinhos mais valorizados do mundo certamente haverá diversos representantes da Borgonha. Em uma lista lançada anualmente por um site especializado, sete dos 10 vinhos mais caros do mundo são borgonheses. Quem geralmente lidera a lista? O mítico Romanée-Conti. E por que eles sempre estão entre os mais caros? Porque, além de serem bons, muitos deles são extremamente raros, com produções minúsculas, o que faz com que a procura leve os preços às alturas, muitas vezes alcançando cifras de quatro ou cinco dígitos em dólares.
Há quem se esqueça, mas Chablis também faz parte da Borgonha. Por não ficar na sequência de denominações ao sul de Dijon, mas sim ao oeste, e também por produzir apenas brancos de Chardonnay, esta região, muitas vezes, é subestimada. No entanto, Chablis é uma parte importante, com sete vinhedos considerados Grand Cru e outros tantos Premier Cru. O território possui um dos solos mais calcários da região, com resquícios de fósseis marinhos e seus vinhos estão entre os brancos mais longevos do mundo. Vale lembrar ainda que Chablis está cercada por outra região menos conhecida chamada Grand Auxerrois, que produz vinhos de estilos mais diversos em denominações regionais. Também ao norte de Dijon está outra região menos conhecida, chamada Châtillonnais, que produz basicamente Crémant.
De Dijon até Mâcon estão as principais áreas de vinhedos da Borgonha. Elas são divididas em quatro regiões principais. A primeira, mais ao norte, é a Côte de Nuits, onde estão alguns dos mais famosos vinhedos Grand Cru para tintos, como Nuits-St-Georges, Gevrey-Chambertin, Chambolle-Musigny etc. Depois vêm a Côte de Beaune, onde estão algumas das principais denominações para brancos, como Meursault, Monthélie, Puligny-Montrachet etc. Em seguida vem a Côte Chalonnaise e, por fim, mais ao sul, Mâconnais. Os borgonheses denominam as Côtes de Nuits e de Beaune como Côte d’Or (encosta de ouro, seria uma possível tradução).
Muito da fama da Borgonha deve-se a alguns míticos produtores que fazem maravilhas com Pinot Noir. No entanto, não devemos esquecer que mais da metade da produção é de vinhos brancos. Na verdade, os brancos representam 62% do que é produzido e os tintos e rosés, 30%. Mas não para por aí. Na Borgonha também há produção de espumantes, o famoso Crémant de Bourgogne, com 8% do total.
A história do vinho na Borgonha é anterior aos romanos, mas acredita-se que eles foram alguns dos primeiros a verdadeiramente se dedicar à viticultura na região. Diz-se que alguns nomes de vinhedos se devem a eles, como os famosos “Romanée” (“romanizados”). No entanto, foi durante a Idade Média que os vinhos locais se desenvolveram, graças aos monges cistercienses. Foram a observação e trabalho pacientes e minuciosos deles que deu origem à essa enorme trama de vinhedos. Acredita-se que eles criaram o conceito de terroir, que é a noção que contempla o clima, o solo, as heranças e tradições locais, o savoir-faire e a história para entender os porquês de um vinhedo. Na Borgonha, esse conceito se confunde e se aprofunda com o eles chamam de climats e lieux-dits. Os climats são pedaços específicos de terra que, graças ao clima e à geologia, combinados com a ação humana e as uvas, geram vinhos singulares. Eles geralmente representam vinhedos Grand e Premier Cru. Já os lieux-dits têm conceito similar, mas tendem a representar partes ainda mais singulares dentro de algumas denominações ou climats e nem sempre aparecem nos rótulos e tampouco estão registradas como denominações oficiais francesas.
Também graças aos monges, a Borgonha possui diversos vinhedos murados. Eles geralmente são denominados Clos. Alguns famosos são os Clos de Tart, Clos de Bèze, Clos des Lambrays, Clos de Vougeot etc. Com muros de pedra, os monges separam determinadas porções de território que eles acreditavam serem especiais ou precisarem de alguma proteção (principalmente contra animais).
Na Borgonha, além dos produtores, há os negociantes. Lá, eles são chamados de négociants-éleveur, ou seja, negociantes que envelhecem o vinho. Eles estão na região desde o século XVIII e atualmente são cerca de 400, sendo que 60 deles tomam conta de quase todo o negócio de vinho na Borgonha. A maioria dos negociantes borgonheses tem atuação direta na produção do vinho, mantendo contratos de longo prazo com produtores, selecionando uvas nos vinhedos, vinificando, envelhecendo e vendendo suas garrafas. Hoje, muitos negociantes também são produtores e vice-versa.
Em um rótulo de vinho borgonhês, o nome de maior destaque que você verá não é o do produtor, mas o da denominação do vinhedo de origem das uvas. O termo em letras maiores e mais importante será sempre o do local. Se for um Grand Cru ou um Premier Cru, esses termos provavelmente aparecerão em destaque. Se for um Village, o nome da vila, tal como Beaune, Pommard, Mercurey ou Givry, por exemplo, estarão destacados. O nome do produtor ou do negociante provavelmente estará em letras menores.
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