Chardonnay

Chablis: a terra da Chardonnay

O que faz com que Chablis seja a principal referência quando se trata de vinhos brancos feitos com Chardonnay

por Eduardo Milan

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Com as pragas e o despretígio do vinho, a área cultivada de Chablis chegou a 500 hectares por volta de 1950

Para muita gente, Chardonnay é sinônimo de Chablis - tanto para o mal quanto para o bem. Para o mal, pois o termo Chablis, durante muito tempo, chegou a ser usado por quaisquer vinhos brancos feitos mundo afora e ainda há quem confunda. Para o bem, também, pois a verdade é que alguns dos principais expoentes entre os vinhos brancos ainda hoje são produzidos nessa denominação de origem francesa.

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A região vitivinífera de Chablis está centrada na cidade de mesmo nome, localizada no vale do rio Serein, no nordeste da França, rodeada por colinas. Embora seja um dos distritos da Borgonha, a verdade é que Chablis fica 160 km ao norte de Beaune e, portanto, está mais próxima de Champagne do que do restante da Borgonha. Os vinhedos são plantados seguindo os contornos das escarpas; os melhores estão no sudoeste, de face para o vale. Lá é produzido o renomado branco, reconhecido pela pureza de seu aroma e sabor.

Até 1938, quando a denominação Chablis foi criada, vinhos brancos de outras regiões usavam o nome para aproveitar a fama

A denominação Chablis foi criada em 1938 e compreende quatro classificações. A mais superior delas é a dos Chablis Grand Cru AOC, que engloba sete vinhedos. Em seguida, vêm os Chablis Premier Cru AOC, incluindo 40 vinhedos. As próximas denominações são Chablis AOC - a mais comum - e, por fim, Petit Chablis - a mais simples. Em todos os casos, a única cepa permitida é a Chardonnay.

Nascimento do Chablis

As vinhas de Chablis foram introduzidas pelos romanos, mas foram monges da igreja medieval que realmente estabeleceram a viticultura como atividade essencial para a economia, assim como se viu em outras partes da França. Possivelmente, foram esses mesmos religiosos que começaram a produção de vinhos na região. Há relatos de Chablis sendo exportados para Inglaterra e Flandres em meados do século XV. Até o século XIX, toda Yonne aflorava como região produtora de vinhos. Vinhedos se alinhavam ao longo do rio Yonne, até Joigny e Sens. Os vinhos mais conhecidos de Yonne eram os Chablis, termo usado para designar as grandes quantidades de vinho branco transportado com facilidade e conveniência para satisfazer o sedento mercado parisiense.

Todavia, essa produção vinífera entrou em declínio no final daquele século, por conta de dois fatores principais: a incidência de oídio, que se deu em 1886 e, posteriormente, de filoxera. Embora na época já se houvesse descoberto solução para esses dois problemas, muitos produtores relutaram em substituir suas vinhas, pois a inauguração da estrada de ferro Lyons-Marseille havia facilitado o transporte de vinhos de outras regiões e reduzido a participação de Chablis no mercado (que havia perdido a vantagem de sua proximidade com Paris). As áreas de cultivo foram reduzindo até atingir o patamar de meros 500 hectares, nos idos de 1950, quando o prestígio da denominação reviveu, a partir do compromisso dos produtores com a qualidade de seus vinhos e o advento de novas tecnologias, que permitiram que Chablis pudesse, novamente, produzir seus brancos com maior lucro e competitividade.

Em 1938, o Institut National des Appellations d'Origine (INAO) criou a Appellation d'Origine Contrôlée (AOC) para a região de Chablis, determinando que os vinhos deviam ser produzidos a partir da variedade Chardonnay e delimitando áreas de cultivo e práticas de vinificação, tudo isso para se proteger do uso indiscriminado no nome "Chablis", que estava sendo utilizado para descrever qualquer vinho branco feito no mundo. Mas foi apenas no final do século XX que os mercados realmente se abriram para Chablis, intensificando sua produção e consumo. Até 2004, havia 10 mil hectares de vinhedos plantados na região.

A questão das geadas

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O clima da região de Chablis é essencialmente semicontinental, sem influência marítima, de forma que os invernos são longos e rigorosos e os verões, com frequência, razoavelmente quentes. Esse tipo de clima - mais frio - determina que os vinhos produzidos no local tenham mais acidez e sabores menos frutados do que os apresentados por Chardonnays provenientes de regiões mais quentes. Os Chablis também frequentemente apresentam notas de "pólvora" ou "sabor metálico" (no bom sentido).

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De qualquer forma, existe sempre uma incerteza a respeito de como será o clima e, assim, a produção varia conforme a safra, tanto em quantidade quanto em qualidade. Em anos muito chuvosos e de temperaturas muito baixas, a tendência é a de produção de vinhos de acidez extremamente alta e fruta muito magra para abarcar essa acidez. Por outro lado, safras muito quentes tendem a produzir vinhos cheios e flácidos, com muito pouca acidez.

O clima frio, que pode ocasionar as temidas geadas, determina a maior acidez dos vinhos da regiãorem

Acima do tópico das temperaturas, a maior questão climática do local são as geadas. Especialmente porque elas normalmente ocorregiãorem durante a primavera, período crucial no ciclo da videira, já que corresponde à época de abertura dos botões das suas flores. A importância da ocorrência ou não de geadas é tanta que acaba por determinar quanto vinho será produzido em determinado ano. Por isso, a proteção dos vinhedos contra o fenômeno é uma das maiores preocupações dos produtores da região.

Para combater o problema, desde a década de 1950 desenvolvem-se métodos para proteger as plantas. Antes disso, os viticultores estavam à mercê da natureza, esperando que a temperatura se mantivesse quente o suficiente durante a primavera, de modo a viabilizar a produção. Foram desenvolvidas medidas preventivas, tais como aquecedores instalados nos vinhedos e aspersores de água, acionados para borrifar as vinhas assim que a temperatura cai até o ponto de congelamento e mantidos ativos durante todo o tempo necessário. Atualmente, a maioria das melhores vinícolas lança mão desses métodos para garantir sua safra. Alguns chegam a utilizar helicópteros para circular o ar e dissipar flocos de gelo.

Solo de ostras

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A maior chave para desvendar Chablis está em sua geologia, em seu solo argilo-calcário. De fato, a região está sobre uma grande bacia submersa de calcário, que propicia o sabor único de seus brancos e também delimita as áreas produtoras. As rochas do local datam da Era Jurássica Superior, algo em torno de 180 milhões de anos atrás. Sobre essas rochas há uma camada de argila muito rica em fósseis marinhos (especialmente minúsculas cascas de ostras fossilizadas).

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Originalmente, para que um vinhedo fosse qualificado para carregar a denominação Chablis, suas vinhas deveriam obrigatoriamente estar plantadas em solo de argila Kimmeridgiana (Kimmeridgean clay). Mais recentemente, a denominação estendeu-se também a áreas de Portlandian clay, de estrutura semelhante à da primeira. Geologicamente, esses dois tipos de solo têm origem na mesma época. Entretanto, de modo geral, Portlandian clay não confere tanta finesse ao vinho quanto Kimmeridgean clay. Assim, é fácil constatar que os vinhedos Grand Cru estão todos sobre Kimmeridgean clay, enquanto que Portlandian clay constitui o solo da maioria das vinhas periféricas produtoras de Petit Chablis.

Um dos segredos de Chablis está no solo, com rochas sobre as quais há uma camada de argila rica em fósseis marinhos

A controvérsia da madeira em Chablis

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Uma das questões mais controversas em Chablis é o uso do carvalho, defendido por uns, abominado por outros

Como em toda a França, também em Chablis se viu a implantação de uma série de avanços na vinificação. Podem ser citadas a introdução da fermentação malolática e, também, do controle de temperatura durante a fermentação. Entretanto, uma questão permanece sendo objeto de controvérsia entre os produtores da região: o uso de carvalho.

Tradicionalmente, os vinhos de Chablis eram envelhecidos em antigos barris de madeira muito usada, denominados feuilette - de capacidade aproximada à metade da capacidade dos barris da Borgonha, 228 litros - os quais eram neutros e não conferiam sabores característicos do carvalho - tais como baunilha, tostados etc - à bebida. Havia certa dificuldade em se manter os padrões de higiene nos feuilette e, consequentemente, havia propensão ao aparecimento de defeitos no vinho. Por isso, com o advento dos tanques de fermentação de aço inoxidável, os feuilette foram gradativamente substituídos.

Ocorre que, especialmente no final do século XX, o uso de barris de carvalho foi "redescoberto" por enólogos de Chablis, que começaram a usar barricas novas que, essas sim, influenciavam no sabor final do vinho. Surgiu aí a controvérsia: enquanto tradicionalistas dispensavam os barris para manutenção do estilo e expressão pura do terroir de Chablis, enólogos modernos abraçaram o uso da madeira, cuidando apenas para que não houvesse excessos que viessem a assemelhar seus brancos a Chardonnays do Novo Mundo.

O fato é que o teor de tosta dos barris utilizados em Chablis é normalmente muito baixo, o que limita, consequentemente, o sabor tostado a ser percebido no vinho. Os entusiastas do uso de madeira em Chablis apontam que o carvalho permite oxigenação durante o processo de fermentação, o que torna o vinho pronto para consumo mais rápido. De qualquer forma, mesmo esses produtores, ou fermentam ou envelhecem o vinho em carvalho mais neutro. Raramente os dois processos ocorrerão em barris.

Chablis continua sendo um dos melhores brancos do mundo. Erroneamente ofuscado pela opulência dos bons Meursault e Corton-Charlemagne, mas com uma individualidade que o diferencia dos grandes brancos borgonheses de Côte d'Or. Seu indefectível caráter mineral, sua acidez "metálica" e seu estilo austero não são encontrados em nenhum outro lugar da Borgonha.

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