O Chablis resistiu à praga da filoxera e a duas guerras mundiais e ganhou caráter pelas mãos dos monges cistercienses na Borgonha
por Redação
A região de Chablis fica no meio do caminho entre Paris e Beaune, é a porta de entrada para a Borgonha. Seus vinhedos estendem-se por 6.800 hectares, sendo 4.900 produtivos, e abrangem 20 vilarejos.
Os romanos introduziram as vinhas, mas foram monges cistercienses que realmente estabeleceram a viticultura como atividade essencial para a economia e começaram a produção de vinhos na região, que sobreviveu à devastação pela filoxera, bem como a duas guerras mundiais e ao êxodo rural.
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Não fossem o amor pelo vinho e a persistência dos produtores e enólogos, hoje estaríamos privados de conhecer o Chablis, renomado branco, reconhecido pela pureza de seu aroma e sabor.
Não só esses profissionais se mantiveram fiéis à Chardonnay e à sua terra, como também esmiuçaram, estudaram e exploraram o local profundamente ao longo dos anos, de modo a desenvolver um conceito de terroir tão detalhado e específico que os levou a adotar a nomenclatura distinta e somente utilizada na Borgonha, o climat.
A expressão climat foi oficializada a partir de 1935 pelo Institut National des Appellations d’Origine (INAO). Pode-se dizer que o termo é exclusivo para a Borgonha, é sua noção de terroir. Climats são parcelas de terra precisamente delimitadas, que gozam de particulares condições geológicas e climáticas.
Enquanto o terroir pode ser definido como o conjunto de tipo de solo, de clima, características da região e da interferência do homem, o climat pode ser considerado um aprofundamento desse conceito em cada parcela de vinhedo.
Assim, em Chablis, é o climat que acaba por determinar toda a diferença na uva colhida e, consequentemente, no vinho. O climat é a conjunção de diversos fatores, tais como os tipos de camadas de solo, sua espessura e a maneira como estão sobrepostas; é a influência da inclinação do terreno, a variação de altitude do local, entre 100 e 250 metros, o posicionamento de cada área em relação ao sol (horário em que as plantas recebem a insolação), bem como o perfil do terreno em relação aos ventos; além disso, é o estilo do produtor, como cada um maneja todos esses fatores.
Em suma, embora o uso exclusivo da Chardonnay seja a principal característica de Chablis, na verdade, a riqueza dos seus vinhos resulta da combinação de clima e solo.
O clima lá é essencialmente semicontinental, sem influência marítima, de forma que os invernos são longos e rigorosos e os verões, com frequência, razoavelmente quentes.
Não obstante a influência do clima, o ponto crucial de Chablis está em sua geologia, em seu solo argilo-calcário. A região está sobre uma grande bacia submersa de calcário, que propicia o sabor único de seus brancos.
Em seu solo se encontram fósseis de enormes caramujos pré-históricos – de até 30 centímetros. As variações de composição desse solo delimitam as áreas produtoras e acabam por determinar as quatro classificações da AOC.
De fato, a mais superior das classificações é a dos Chablis Grand Cru, que engloba apenas sete vinhedos. Todos estão agrupados em uma encosta íngreme – o que garante boa exposição solar – na saída norte da cidade, à margem direita do rio Serein, em uma área de aproximadamente 100 hectares. No local, a superfície do solo apresenta rochas e fósseis muito característicos, sobre argila kimmeridgiana, da era ocorrida há mais de 150 milhões de anos.
Em seguida vêm os Chablis Premier Cru, incluindo vinhedos localizados em ambas as margens do Serein. Devido a esse fato, os vinhos dessa denominação são os que melhor expressam o conceito de climat. Há claras diferenças entre as parcelas de cada margem.
Em toda a extensão, todavia, os vinhedos estão plantados em solo de argila Kimmeridgiana, com a presença de minúsculas cascas de ostras fossilizadas, as ditas Exogyra Virgula.
A classificação mais comum é a dos Chablis AOC com vinhedos ainda cultivados em solo de argila Kimmeridgiana.
Por fim, Petit Chablis é a classificação mais simples. Para os Petit Chablis, normalmente os vinhedos estão sobre áreas de Portlandian clay, de estrutura semelhante à da primeira. Geologicamente, esses dois tipos de solo têm origem na mesma época. Entretanto, de modo geral, o Portlandian clay não confere tanta finesse ao vinho quanto o Kimmeridgean clay.
Para melhor entender os Chablis Premier Cru, é importante notar uma particularidade: o INAO permite o uso do que se chama de “umbrella names”, ou seja, vinhedos menores e menos conhecidos podem usar o nome de vinhedos Premier Cru próximos mais famosos, normalmente sendo lançados ao mercado sob esses mesmos nomes.
Há 89 climats no total que podem produzir vinhos com status de Premier Cru, dentre os quais 17 são os climats principais e mais famosos – ditos “umbrella names” – ou seja, que podem ser usados para se referir a um dos outros 72 (na tabela ao lado, nos referimos a cerca de 40 dos climats mais conhecidos). Assim, por exemplo, um produtor que possui um vinhedo em Vaulorent pode optar por ostentar em seu rótulo esse nome ou, então, Fourchaume, que é um dos 17 climats “umbrella”.
Na margem direita estão os vinhedos de Mont de Milieu, Montée de Tonnerre, Fourchaume, Vaucopin, Les Fourneaux, Côte de Vaubarousse e Berdiot. Naquele local, as vinhas são bem antigas. Assim, os Chablis Premier Cru daquela região são mais elegantes e frutados. Dois dos climats mais significativos são Mont de Milieu e Montée de Tonnerre.
Do outro lado, na margem esquerda, estão Vaillons, Montmains, Côte de Léchet, Beauroy, Vau Ligneau, Vau De Vey, Vosgros, Chaume de Talvat, Côte de Jouan e Les Beauregards. O solo é mais profundo, determinando vinhos com maior mineralidade e acidez. Destacam-se os climats de Vaillons e Montmains.
Além das claras diferenças verificadas entre as margens direita e esquerda, existem distinções também entre as características de cada vinhedo. De fato, cada pequena parcela de solo apresenta traços únicos; o detalhamento e o refinamento dessas diferenciações são perceptíveis nos vinhos produzidos em cada área. Enólogos têm, ao longo dos séculos, pesquisado e trabalhado essas sutilezas de modo a produzir vinhos que, mais do que expressar o terroir de Chablis, sejam retrato fiel do climat de onde vieram.
ADEGA teve a oportunidade de passar uma semana em Chablis em junho e visitar 12 produtores, onde degustamos mais de 180 vinhos. Em linhas gerais, independentemente dos métodos de cultivo e de produção ou do tamanho de cada produtor, o que se pôde constatar foi a tipicidade e a consistência de qualidade e de estilo de todos vinhos provados.
Um dos maiores produtores de Chablis, produz vinhos desde 1850. Atualmente, possui mais de 100 hectares de vinhedos próprios e produz mais de 6 milhões de garrafas. Exporta perto de 85% da produção para mais de 80 países.
Fundada em 1923, La Chablisienne é uma organizada cooperativa de 300 produtores que existe desde 1923, contribuindo com cerca de 25% do total de vinhos produzidos em Chablis. As modernas instalações da vinícola e o centro de recepção aos turistas chamam atenção pela organização. Pelo imenso volume, os vinhos, em geral, apresentam ótima tipicidade e qualidade.
Contando com aproximadamente 15 hectares de vinhedos com idade média de 60 anos, esta pequena vinícola familiar é administrada pelo simpático Ciryl Testut. Os brancos surpreendentes são exclusivamente produzidos a partir de vinhedos próprios, defendendo o uso de madeira que, segundo ele, tem função antioxidante, somente nos vinhos Grand Cru.
Vinícola familiar contando com 20 hectares de vinhedos próprios, produz cerca 100.000 garrafas. Pertencentes à quarta geração da família, os irmãos Jean-Luc e Marie-José administram a propriedade desde 1992. Interessantes testes comparativos têm sido feitos com o uso ou não de madeira na fermentação de alguns vinhos.
Os Chablis Premier Cru somam ao todo 40 vinhedos, os quais cobrem uma área de 750 hectares. As uvas para a sua elaboração devem ser colhidas com potencial alcoólico de, pelo menos, 10,5%
Pertencente à sexta geração da família, Louis Moreau administra o Domaine com sua simpática esposa desde 1994. Atualmente, produzem cerca de 350 mil garrafas e exportam para mais de 20 países. Seus vinhos são limpos, corretos e expressam as características do terroir ressaltando uma fruta mais madura e um maior volume de boca.
Atualmente administrada por Didier Defaix e sua esposa, a vinícola possui 27 hectares de vinhedos próprios com idade média de 45 anos, tendo os mais antigos entre 60/70 anos. Adeptos da agricultura sustentável, possuem certificação de cultivo orgânico na maioria de seus vinhedos. A vinificação é com o mínimo de intervenção, somente com leveduras indígenas. Em linhas gerais, produz vinhos puros e de ótima tipicidade, com profundidade acima da média.
Adeptos da agricultura orgânica e biodinâmica, Alice e Olivier de Moor produzem cerca de 40 mil garrafas utilizando somente leveduras indígenas. Com o mínimo de intervenção, seus vinhos são pura expressão de suas origens, refletindo sem dúvida a personalidade desses dois idealistas. Os rótulos, criados pelo próprio Olivier, refletem a opinião crítica e irônica do casal diante do “sistema” em que se inserem. Vinhos que merecem ser provados sobretudo pela sua qualidade e originalidade.
Fundado em 1850, o Domaine possui 50 hectares de vinhedos e produz por volta de 500.000 garrafas. Seus vinhos tem um caráter fortemente mineral, privilegiando o frescor e a finesse, com uma curiosa sensação de picância – frescor – perceptível em toda sua linha. Livro vivo e um dos ícones de Chablis, conversar alguns minutos com Alain Geoffroy é oportunidade única para conhecer melhor a região e dar boas risadas.
O Montée de Tonnerre costuma produzir vinhos com bom corpo, profundidade e potência. Podem ser austeros na juventude, mas apresentam elegância e mineralidade
Um dos mais afamados produtores de Chablis está sob o domínio da mesma família desde o século XVI. Adepto da agricultura orgânica e biodinâmica, produz cerca de 70 mil garrafas. Vinhos muito bons, com tipicidade e senso de origem, mais corretos que encantadores.
Um dos mais tradicionais produtores de Chablis, o Domaine está sob o comando da mesma família desde 1620. Atualmente, a vinícola é administrada pelo jovem e dinâmico enólogo Benoît, filho de Jean- Paul. Produz cerca de 200 mil garrafas e exporta para mais de 50 países. São adeptos da agricultura orgânica com o mínimo de intervenção. Vinhos limpos, muito corretos e equilibrados, honrando e respeitando o conceito de pureza e de terroir.
O Château de Béru teve seus vinhedos replantados em 1987 pelo Conde Eric de Béru, e é adepto da agricultura orgânica e biodinâmica desde 2005
Os vinhedos da propriedade foram totalmente replantados em 1987 pelo Conde Eric de Béru, atualmente sua dedicada filha e enóloga Athénaïs é a responsável pela administração da vinícola. O Domaine é adepto da agricultura orgânica e biodinâmica desde 2005 e produz vinhos sem filtrar e com o mínimo de intervenção. Vinhos limpos, autênticos e encantadores, que transmitem a paixão de quem os produz.
Um dos maiores produtores da região, a vinícola possui um total de 180 hectares, sendo que quase a metade é certificada orgânica e/ou biodinâmica. Os vinhos extremamente bem feitos e de ótima tipicidade são reflexos de toda tecnologia e limpeza empregada na magnífica sala de vinificação que conta, inclusive, com cubas de concreto em forma de “ovos”. Segundo Julien, filho de Jean-Marc, esse formato cônico facilita a movimentação das leveduras durante a fermentação.
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