A vinícola brasileira Manus e a Embrapa estão realizando, desde 2020, uma minuciosa pesquisa e aplicando a vitivinicultura de precisão
por Silvia Mascella
A cultura milenar do vinho, o cultivo das uvas, o preparo, a comercialização, sua interação com a natureza e o clima são objeto de muitos estudos ao longo dos séculos. Fazer vinho não é difícil, diz a frase famosa, apenas os primeiros 200 anos. E muito do que foi sendo aprendido nesses anos todos já está mudando radicalmente, uma vez que a era da informação chegou aos vinhedos em definitivo.
"A safra de 2024 está sendo muito desafiadora aqui no Brasil, mas nós sofremos menos do que a maioria e sabemos exatamente o porquê", diz convicto o enólogo e agrônomo Leandro Venturin, da Vinícola Manus, localizada na região da Serra do Sudeste (RS), entre a Serra Gaúcha e a Campanha. E essa afirmação não tem nenhuma conotação de arrogância, muito ao contrário, a chave de tudo tem dois conceitos: pesquisa e informação.
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As informações que estão permitindo que a vinícola atravesse com menos estresse uma safra complicada como esta, estão vindo de uma longa pesquisa que a empresa está realizando desde 2020 numa parceria inédita com a Embrapa (são duas unidades interagindo, a de Bento Gonçalves e a de Pelotas, ambas no RS) através de um mapeamento que começa no solo, com a tecnologia NDVI, um sistema via satélite que já é empregado em outros cultivares, mas que era inédito nos vinhedos até esse trabalho.
O enólogo Venturin explicou que essa é a 'agricultura 5.0', que se utiliza da inteligência artificial e que cria um mapa extremamente detalhado de cada curva de fertilidade do solo, fazendo também coletas e análises laboratoriais. "Infelizmente a nossa prática de produção ainda está baseada num modelo insumista, que utiliza um excesso de produtos sem muito critério ou com protocolos antigos, para áreas enormes. O que fazemos com os resultados da pesquisa é dar para cada pequena parcela de terra exatamente o que ela precisa", explica Venturin.
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As informações coletadas têm enorme nível de precisão, detalhando tipos de solo, quantidades de nutrientes, disponibilidade hídrica e vários outros fatores que permitem que as plantas recebam exatamente o necessário, sem excesso de intervenção, permitindo que no momento da produção, as uvas sejam a melhor expressão do terroir.
Os Vinhedos da Quinta possuem 36 hectares, sendo que 30 deles estão em produção. Quando a pesquisa começou estavam catalogadas 3 condições diferentes de solo. Com a progressão dos estudos foram descobertos 6 perfis geológicos distintos e 17 características nutricionais diferentes nos 30 hectares. De posse dessas informações, os protocolos de fertilização e tratamento foram revistos e adaptados para cada pequeno lote de parreiras.
"Se não mudarmos a forma de trabalharmos a agricultura - ainda mais frente às mudanças climáticas - teremos problemas todos os anos. Mas com a informação e o trabalho focado, diminuimos o impacto do que não é possível controlar", afirma o enólogo. Nos vinhos, a mudança já se faz perceber, até porque a vinícola também desenvolveu com a Embrapa um local para identificação, seleção e multiplicacão de leveduras autóctones, que já estão sendo utilizadas nos vinhos.
Gustavo Bertolini, enólogo e sócio-proprietário da Manus afirma que um dos objetivos do estudo para a empresa é "Encontrar os melhores crus", ou seja os melhores terroirs específicos para cada uva, onde seja possível produzir um vinho com características originais e singulares.
A pesquisa de vitivinicultura de precisão se encerra neste ano, mas deve ter novas fases dados os bons resultados obtidos, tanto para a empresa quanto para a Embrapa. Neste momento, a Vinícola Manus possui três linhas de vinhos, a Virgo Manus (vinhos mais frescos leves), a Manus Clássica, com uvas como a Teroldego e Nebbiolo e a Liberum Manus, uma linha mais ousada e autoral, muito beneficiada pelas pesquisas, e que traz ao mercado uvas pouco conhecidas no Brasil, como a Assyrtico (cepa originária da Grécia) e a Barbera.