A história do Bourbon nos Estados Unidos e dos dois únicos Whiskey do estado do Tennessee
por Cesar Adames
Produzido em vários países do mundo, o whisky é uma bebida que pode variar muito quanto ao ingrediente utilizado e o sabor final. A Escócia e a Irlanda são os pioneiros na sua produção, mas o maior volume produzido atualmente vem dos Estados Unidos. É de lá que vem o tradicional Bourbon e o pouco conhecido (como nome) Tennessee Whiskey.
O Bourbon teve sua origem com a chegada dos primeiros colonizadores às novas colônias norte-americanas. Os pioneiros eram, na maioria, ingleses acostumados a beber cerveja e gin. Outro grupo, proveniente da Escócia e Irlanda, bebia whisky e trouxe o conhecimento para produzir a bebida no Novo Mundo. Eles se estabeleceram nos estados da Pensilvânia, Maryland e Virgínia e começaram a destilar o whisky com qualquer tipo de grão que estivesse disponível, como milho, cevada ou centeio.
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Foi uma ótima maneira para acabar com a grande produção de grãos, transformando o produto final numa ótima moeda de troca por outros bens. A facilidade de transporte e armazenagem do líquido fez com que o whisky logo se tornasse um dos produtos mais consumidos naquela época. Aproveitando-se disso, George Washington impôs a primeira taxa de comercialização do produto em 1791, tentando obter recursos para sanar as finanças de sua administração.
Descontentes com essas medidas, os destiladores escoceses e irlandeses ficaram revoltados e protestaram naquela que ficou conhecida como a rebelião do whisky. O governante norte-americano foi forçado a enviar a milícia para resolver o conflito e fazer a coleta da taxa. Muitos destiladores se recusaram a pagar e resolveram se mudar para novas terras que originaram o estado do Kentucky e Tennessee.
Longe dos coletores de Washington, o local escolhido para as primeiras fazendas era abastecido por água pura sem presença de ferro, que era fundamental para a destilação do whisky.
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Nasce o Bourbon
O nome Bourbon surgiu para diferenciar o novo produto dos whisky produzidos em outras regiões, e era uma homenagem à casa real francesa, aliada dos norte-americanos na Guerra de Independência. Outra história que envolve o nome está ligada a barris que tinham sido queimados para serem reaproveitados.
O reverendo Elijah Craig, que além de religioso era produtor de whisky, colocou seu produto nesses barris para conservar e, depois de algum tempo, a bebida ganhou uma cor âmbar com toques amadeirados e sabor e aroma excepcionais.
O nome Bourbon surgiu para diferenciar o novo produto dos whisky e para homenager os franceses
Em 4 de maio de 1964, o Congresso dos Estados Unidos reconheceu o Bourbon como bebida oficial do país e criou normas para sua produção. Ele deve ser feito com, pelo menos, 51% de milho, deve ser destilado com não mais de 80% de álcool e armazenado em barris novos de carvalho americano.
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Não deve ser armazenado nos barris com mais de 62,5% de álcool e, caso seu envelhecimento seja de, no mínimo, dois anos, pode ser chamado de "straight Bourbon whiskey". Os que tiverem mais de quatro anos devem ter o tempo de envelhecimento no rótulo. Na prática, quase todos os Bourbons vendidos são feitos com mais de dois terços de milho e têm envelhecimento médio de pelo menos quatro anos.
Um outro estilo de whiskey norte-americano é o Tennessee Whiskey, que segue todas regras acima, mas tem um diferencial que fez a sua fama. É o processo de Charcoal Mellow (filtragem em carvão de maple), que faz com que a bebida seja mais suave que o Bourbon.
Um certo Mr. Jack
O mais famoso Tennessee Whiskey do mundo - apesar de muitas pessoas acreditarem que ele é um Bourbon - é o Jack Daniel's. Sua produção é feita em uma cidade perdida no tempo, Lynchburg, que, com apenas 361 habitantes declarados, não consegue se livrar de uma lei do início do século, a Lei Seca, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas até os dias de hoje por lá. A legislação federal exige um plebiscito para a extinção da regra. No mesmo texto, um artigo estipula que, para realizar o plebiscito, a cidade deve ter no mínimo 2.000 habitantes.
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Quando se chega à cidade, o mais difícil é ficar perdido, pois, ao parar no primeiro sinal e pedir informações, a resposta será sempre a mesma: "siga em frente e vire a esquerda". Todas as lojas da cidade, 10 exatamente, ficam em volta da praça e a maioria vende artigos com a marca do whiskey.
Em todas as lojas se encontram diferentes tamanhos de garrafas de Jack Daniel's, mas sempre vazias, por causa da Lei Seca. As visitas (que são de graça e demora 90 minutos) à destilaria ocorrem todos os dias do ano (exceto no dia de Ação de Graças, no Natal e no Ano Novo), das 8h às 16h, e são dividas em etapas.
Na primeira parada é possível ver o processo especial de produção do carvão vegetal que será utilizado na filtração. Mr. Jack descobriu que uma madeira da região (maple), quando queimada ao ar livre por um tempo determinado, adquiria maior poder de filtração da mistura de milho e outros cereais.
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A próxima parada é na caverna de onde vem a água livre de mineirais que mantém a temperatura constante de 13oC e que será usada no processo de fermentação. Ao lado da caverna encontramos a estátua de Mr. Jack e o escritório onde, em 1866, ele iniciou a venda dos primeiros barris de seu whiskey. A data confere a Jack Daniel's a condição de mais antiga destilaria oficial dos Estados Unidos.
Depois disso, a visita segue até onde o mais fino milho, centeio e cevada maltada com a água proveniente da caverna irá fermentar naturalmente em grandes tanques com mais de 30 metros de altura, nos quais se colocou antecipadamente a levedura de cozimentos anteriores.
A essa mistura azeda dá-se o nome de "sour mash", um dos componentes mais importantes do whiskey. O próximo passo é a destilação em alambiques de cobre de onde o líquido sai transparente direto para o processo de Charcoal Mellowing, ou a filtragem gota a gota no carvão vegetal.
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Tennessee Whiskey tem um diferencial que fez a sua fama: o processo de Charcoal Mellow
Esse é o processo que estabelece a diferença entre o Bourbon, bebida tradicional norte-americana, e o Jack Daniel's Tennessee Whiskey. A última etapa da visita é o envase. Ao final do tour, os visitantes são conduzidos ao White Rabbit Saloon, antigo bar da destilaria, fechado no auge da Lei Seca e reaberto em tempos recentes.
Ali, serve-se aos visitantes um copo de limonada, afinal lei é lei. Mas como ninguém é de ferro, por uma permissão especial da Câmara Municipal, pode-se comprar ali algumas garrafas comemorativas do Jack Daniel's.
PEQUENA, MAS ELEGANTE
São apenas duas as destilarias que podem ostentar o nome Tennesse Whiskey, a primeira e que detém cerca de 95% da produção e do mercado é a Jack Daniel's. A outra se chama George Dickel e é da cidade de Cascade Hollow, perto de Tullahoma. A marca utiliza o termo escocês whisky em seus rótulos, pois seu fundador, George Dickel, acreditava que seu produto tinha a mesma qualidade e suavidade que o melhor whisky escocês.
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Atualmente são quatro os whisky produzidos na destilaria, o George Dickel Cascade Hollow, com rótulo vermelho e 40% de graduação alcoólica e envelhecimento de três a quatro anos em barris de carvalho novo; o Old No. 8 com rótulo preto, 40% e envelhecimento de seis a oito anos; o George Dickel No. 12 - provado por ADEGA - que demonstrou uma suavidade e elegância apesar dos 45% de graduação alcoólica e envelhecimento de oito a 10 anos; e, para finalizar, o Barrel Select, com 46% e envelhecimento mínimo de 12 anos. A destilaria recebe visitantes de terça a sábado das 9h às 16h e não cobra pelo tour. Ela fica a uma hora de carro de Nashville.
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