Conheça os segredos por trás da renomada qualidade dos vinhos Barbaresco na Itália
por Marcelo Copello
Um dos grandes focos de discussão do mundo do vinho atualmente é o futuro das denominações de origem europeia. A guerra por um lugar na taça dos consumidores colocou, nos últimos anos, o conceito de denominações de origem em xeque. Uma "DO C", por um lado, garante a tipicidade, a tradição e o diferencial no mercado. Por outro, atrela a produção dos vinhos a uma série de regras criadas décadas atrás e que podem estar ultrapassadas. Além disso, definem estilos de vinhos que nem sempre são os que o mercado quer hoje.
A Itália está no olho deste furacão. Lá, algumas denominações de origem estão sendo flexibilizadas, como a do Chianti (Toscana), que, nos últimos anos, passou a permitir o uso de uvas "estrangeiras", como Cabernet Sauvignon e Merlot, e, assim, não sucumbir diante da febre dos "Super Toscanos". Na contracorrente está a pequena DOCG Barbaresco, no coração do aristocrático Piemonte.
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Por exemplo, em setembro de 2008 jornalistas de diversos países estiveram na região a convite da Enoteca Regionale del Barbaresco para o lançamento da nova legislação. Da América do Sul, apenas a Revista ADEGA teve esta honra.
Localização e História A DOCG Barbaresco fica na parte sul do Piemonte, a sudoeste da cidade de Alba, nas comunas de Barbaresco, Treiso e Neive e em uma parte da zona de San Rocco Seno d'Elvio. O coração da região é a belíssima e minúscula vila de Barbaresco, com cerca de 600 habitantes.
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A história do vinho local tem origens ancestrais, embora o prestígio só tenha sido alcançado na segunda metade do século XX. Seu "primo irmão", o Barolo, ficou famoso anteriormente, depois que tropas de Napoleão ocuparam a região. Os franceses trouxeram o gosto por vinhos finos e elegeram o Barolo como "o vinho dos reis e o rei dos vinhos", nas palavras de Voltaire.
A trajetória do Barbaresco começou a mudar quando Domizio Cavazza, agrônomo proprietário do Castello di Barbaresco e de vinhedos, tornou-se o primeiro diretor da Regia Scuola Enologica di Alba, em 1882. Ele pregava o valor dos vinhos locais e começou a trabalhar para que tivesse tanto prestígio quanto o Barolo.
Em 1894, Cavazza criou a Cantina Sociale di Barbaresco, cooperativa de produtores, e propôs ampliar a região do Barolo de modo a englobar Barbaresco. Politicamente, a iniciativa não vingou e Cavazza e seus seguidores decidiram seguir com o Barbaresco em "carreira solo". A proposta então foi criar um vinho similar ao Barolo, mas "de mais elegância, mais fácil digestão e mais fácil de combinar com comida" (já que o Barolo seria mais forte, exigindo pratos mais pesados).
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Assim, em 1908, foi constituído o Sindicato do Barbaresco, a "associação sindical para a produção e comércio do genuíno Nebbiolo di Barbaresco". O reconhecimento veio mais tarde, com a obtenção da Denominazione di Origine Controllata (DOC), em 1966, e a elevação à Denominazione di Origine Controllata e Garantita (DOCG), em 1980. Finalmente, em 1986, foi criada a Enoteca Regionale del Barbaresco, para promover os vinhos da região. A sede da entidade fica na vila de Barbaresco, no antigo prédio da igreja de São Donato.
Os números do Barbaresco Entre 1966 e 2007, o Barbaresco galgou muitos degraus em qualidade, quantidade e prestígio:
Área de vinhedos: foi de 190 para 699 hectares
Produção: foi de 1.215.000 para 4.305.333 de garrafas
Número de produtores: de 40-50 para 185 produtores
Imagem: de vinho simples regional a um de prestígio, elegância, com potencial de guarda e símbolo de status
Mercado: de regional e nacional para a difusão mundial
Em comparação, o Barolo ocupa 2.100 hectares, que geram cerca de dez milhões de garrafas ao ano.
A paisagem dos vinhedos do Barbaresco é de colinas baixas, entre 150 e 450 m. A quase totalidade dos vinhedos, no entanto, fica entre 250 e 400 m de altitude. Podemos dividir a região em dois tipos de solo e estilos de vinhos:
Os terrenos da DOCG Barbaresco são ricos em elementos minerais e de baixa acidez, com pH 7-8. O clima é continental temperado e frio. As temperaturas vão de 2ºC no inverno a 10ºC na primavera e outono, chegando a 20ºC no verão. As chuvas somam 800-900 mm ao ano, concentradas no outono, inverno e primavera. A névoa (nebbia) é frequente e batiza a grande uva da região, a Nebbiolo.
Viticultura e Uvas Todo Barbaresco é, por lei, elaborado 100% com a uva Nebbiolo. De difícil cultivo, esta casta é quase uma exclusividade piemontesa, sendo raros os vinhos desta uva fora do norte da Itália. Seu ciclo é longo, é a primeira a brotar e a última a ser colhida. A Nebbiolo prefere o lado sul das colinas e sua parte mais alta, por sua melhor exposição ao sol, mas, eventualmente, o cume não é o ideal, pois ela é sensível aos ventos.
Com a filoxera no final do século XIX, as crises econômicas e as guerras mundiais da primeira metade do século XX, a Nebbiolo teve sua área diminuída e foi replantada com Dolcetto e Barbera. Estas outras castas são menos exigentes em seu cultivo e seus vinhos mais baratos e fáceis de comercializar. Até os anos 80, a exigente Nebbiolo ocupava somente os melhores terrenos, para os vinhos mais caros, que pagavam o esforço requerido.
Existem três subtipos de Nebbiolo: a Lampia, mais difundida, de qualidade e de produção regular e confiável; a Michèt, pouco plantada, de extrema qualidade, mas baixa produtividade; e a Rosè, que é raríssima.
Nos últimos anos, os melhores clones da Nebbiolo foram estudados, com análises de DNA, e hoje a fama de "difícil" desta casta está se tornando coisa do passado. Como é proibido o aumento da área plantada na região, muitos produtores já arrancam a Dolcetto e Barbera para replantar com a mais rentável Nebbiolo.
Outro aspecto vitícola positivo para esta uva e o Barbaresco é o aquecimento global. A cada ano fica mais fácil amadurecer e conseguir graus alcoólicos mais altos, sem a necessidade de chaptalização. Enquanto nos anos 90 baixaram rendimentos e instituíram a poda verde para conseguir vinhos mais concentrados e alcoólicos, chegando aos 14,5%, hoje, muitos produtores estão retornando às práticas antigas para evitar que os vinhos cheguem a 16% de álcool!
Estilo geral do Barbaresco Como é um "Barbaresco de manual"? Cor vermelho granada, entre claro e escuro (não é um vinho de cor escura ou violácea). Aromas com toques etéreos de evolução, mesmo quando jovem, dados pelo longo amadurecimento obrigatório em madeira, especiarias (baunilha, canela, pimenta verde), florais de rosas ou violetas (típicos da casta Nebbiolo), cogumelos secos e terra molhada. Paladar estruturado por taninos secos e vivos, por vezes austeros, longa persistência. Consumo ideal entre 5 e 15 anos, com potencial de guarda para as melhores safras e produtores que pode ultrapassar os 20 anos.
As Leis e Novos "Crus" Como foi dito, todo Barbaresco DOCG deve ser feito 100% com uvas Nebbiolo (dos biótipos Michèt e Lampia) da área demarcada nas comunas de Barbaresco, Treiso e Neive e em uma parte da zona de San Rocco Seno d'Elvio.
As tipologias são "Barbaresco" e "Barbaresco Riserva". O amadurecimento/envelhecimento mínimo é de 50 meses para os "Riserva" e 26 meses para os "Barbaresco", com, no mínimo, nove meses em madeira. A DOCG também faz uma série de outras exigências, como teor de álcool (mínimo de 12,5%), a disposição (colinas com exposição sul, leste e oeste) e o rendimento dos vinhedos (até 8 mil quilos de uva por hectare), o tipo de solo (argilo-calcário), a altitude (até 550 m), a densidade do plantio (mínimo de 3.500 plantas por hectare), o tipo de condução das vinhas (Guyot), rendimento de vinho por quilo de uva (até 68% ao final do envelhecimento), acidez total (0,45% mínimo) e extrato seco (mínimo 22 g/l). Vale mencionar que estes valores ficam bem abaixo dos padrões de qualidade praticados pelos melhores produtores.
A novidade na legislação, que passa a vigorar neste momento, é a oficialização da classificação de 65 vinhedos, como "Menzioni Geografiche Aggiuntive". Vinhos produzidos com uvas de um único vinhedo, dentre os classificados oficialmente (veja lista), podem ostentar no rótulo o nome do vinhedo após a palavra "Vigna" (vinhedo). Algumas regras se aplicam a estes vinhos: o rendimento deve ser 10% mais baixo do que os sem designação de "Vigna".
Na realidade, há séculos já se conhecem os melhores vinhedos da região. Nomes como Gallina ou Rabajà são famosos. O motivo deste atraso em seu reconhecimento oficial é histórico. No passado, quase todos os produtores-engarrafadores compravam uvas.
Estes negociantes sabiam bem quais os vinhedos lhes proporcionavam os melhores vinhos, mas a eles não interessava promover o nome da "Vigna" (o que lhes encareceria a matéria-prima) e sim seus nomes como produtores. Hoje, quase todos os viticultores de Barbaresco são também produtores-engarrafadores e a origem das uvas pode e deve ser valorizada.
Este movimento existe desde os anos 60, quando o produtor Renato Ratti começou a colocar informalmente os nomes dos vinhedos em seus rótulos. Em 1995, os estudos oficiais foram iniciados, culminando nesta nova legislação. Em uma conversa informal com produtores, foi mencionado que alguns pensam em uma classificação hierárquica destes 65 vinhedos, como ocorre em Bordeaux, em "primeiros", "segundos" etc. Mas, neste ninho político, moram muitos escorpiões...
Os 65 vinhedos classificados e oficializados Albesani, Asili, Ausario, Balluri, Basarin, Bernardot, Bordini, Bricco di Neive, Bricco di Treiso, Bric-Micca, Ca' Grossa, Canova, Cars, Casot, Castellizzano, Cavanna, Cole, Cottà, Currà, Faset, Fausoni, Ferrere, Gaia-Principe, Gallina, Garassino, Giacone, Giacosa, Manzola, Marcarini, Marcorino, Martinenga, Meruzzano, Montaribaldi, Montefico, Montersino, Montestefano, Muncagota, Nervo, Ovello, Pajè, Pajorè, Pora, Rabajà, Rabajà-Bas, Rio Sordo, Rivetti, Rizzi, Roccalini, Rocche Massalupo, Rombone, Roncaglie, Roncagliette, San Cristoforo, San Giuliano, San Stunet, Secondine, Serraboella, Serracapelli, Serragrilli, Starderi, Tre Stelle, Trifolera, Valeirano, Vallegrande e Vicenziana.
Os sete classificados, mas ainda não adotados Além das 65 Menzioni Geografiche Aggiuntive já oficiais, outros sete vinhedos foram estudados e classificados, mas ainda não oficializados, pois nenhum produtor engarrafa vinhos com uvas provenientes unicamente destes locais. Eles são: Bungioan, Canta, Casasse, Cortini, Niccolini, Ronchi e Sant'Alessandro.
Safra 2005 e os vinhos provados O evento de apresentação das novas denominações também serviu para mostrar à imprensa internacional os vinhos da excelente safra de 2005, que começam a chegar ao mercado neste momento. Segundo dados da Enoteca Regionale del Barbaresco, 2002 foi um ano chuvoso e de qualidade inferior, 2003 foi um bom ano (mas com excesso de calor) e 2004 muito bom, de colheita abundante, porém com clima e qualidade irregulares, pois, respondendo às variações climáticas, nem todos os produtores fizeram podas nas mesmas proporções e nos mesmos momentos.
Em termos de qualidade e estilo, 2005 se equipara aos melhores vinhos de 2004. O que torna 2005 superior é que, naquele ano, o clima foi mais regular e, de modo geral, todos os vinhos foram muito bons. Em 2005, o inverno foi chuvoso, com verão bastante quente, mas refrescado por chuvas nos momentos certos. Tudo isso foi comprovado na prova de amostras das safras de 2003, 2004 e 2005.