por Steven Spurrier
Piemonte é muito mais do que a terra do Barolo e Barbaresco, há ainda a Barbera, Dolcetto, Langhe Rosso, Roero Arneis, Gavi di Gavi, o raro Timorasso e o espumante leve Moscato d’Asti
Durante os ensolarados dias do fim de abril de 2016, depois de visitas a 14 produtores do Piemonte, finalmente comecei a entender mais sobre Barolo e Barbaresco, Barbera, Dolcetto e Langhe Rosso, Roero Arneis, Gavi di Gavi, o raro Timorasso e o irresistível espumante leve Moscato d’Asti.
Apesar de os vinhos do Piemonte desfrutarem de alguns bons anos – até 1980 a região podia contar com apenas três boas safras numa década, mas, agora, o gerenciamento mais natural do vinhedo e a mudança climática permitem mais –, a qualidade nunca foi tão boa (sendo que há mais progresso por vir).
Embora a reputação seja baseada na história, esse sucesso é relativamente recente. Caso alguém duvide, recomendo o livro “Barolo and Barbaresco, the King and Queen of Italian Wine” (University of California Press 2014), bem escrito e bem pesquisado por Kerin O’Keefe, cujas opiniões fortes (com as quais tendo a concordar) irão irritar algumas pessoas.
Elio Altare foi um dos produtores que revolucionou a região, depois de estudar na Borgonha
Em 1985, celebrando o 600° aniversário da dinastia vinícola de sua família, Piero Antinori disse que “houve mais mudanças na Toscana nos últimos 20 anos do que nos últimos dois séculos”. No Piemonte, e mais especificamente nos vinhos de Barolo e Barbaresco, os 25 anos (entre 1975 e 2000) colocaram a região na trilha da qualidade que vem sendo mais e mais evidente a cada ano.
No entanto, esse sucesso, que levou a uma prosperidade, está em contraste total com o fim do século XX. Apesar da reputação da região, a filoxera e a I Guerra Mundial devastaram os vinhedos. Em seguida, no período entre guerras, as condições não foram favoráveis para a recuperação e, os anos 1950, 1960 até 1970 foram de intenso sofrimento. As grandes empresas controlavam o mercado, como ocorria em menor escala em Bordeaux e Borgonha, com pouco interesse na qualidade.
As Guerras de Barolo
Então, em 1975, o jovem Elio Altare viu a safra perfeita nos vinhedos de sua família não ser colhida até o mês seguinte quando os compradores de Alba ofereceram preços ridículos, e pagaram apenas no ano seguinte. Isso inspirou Altare e um pequeno grupo de colegas a visitar a Borgonha, retornando com o conhecimento de que o engarrafamento na propriedade era a única solução. No mesmo ano, Angelo Gaja teve a mesma conclusão, enquanto Renato Ratti, tendo comprado um pequeno vinhedo em Marcenasco, sub-região de La Morra, estava compilando seu primeiro mapa de Crus de Barolo (ele criou um similar para Barbaresco em 1976).
Mas as mudanças foram aceitas muito lentamente: vinificações mais longas extraiam os taninos que eram cada vez menos aceitáveis, o desbaste da colheita era algo inédito e o vinho “finalizado” definhava por anos em enormes e muitas vezes mal conservados “botte” de carvalho eslavônio. Em 1984, por exemplo, Elio Altare usou a serra elétrica nessas barricas da adega de seu pai e foi imediatamente deserdado.
Palas Cerequio, o “Barolo Cru Resort” concebido por Michele Chiarlo em série de casas de fazenda abandonadas sobre seus vinhedos
De meados da década de 1980, a região convulsionou com o que Kerin O’Keefe chama de “Guerras de Barolo”. De um lado estavam os “Modernistas”, indo para as seleções de single vineyard maturadas em barricas francesas, buscando “potência, concentração e sabores de café expresso, chocolate e baunilha” tão admirados por certos críticos. Por outro lado, os “Tradicionalistas” preferiam “a complexidade do couro, alcatrão e rosas, elegância acima dos músculos”. Mesmo que isso seja uma simplificação do que estava acontecendo, a divisão continuou durante os anos 1990 (tudo na busca por qualidade e personalidade dos vinhedos) e, perto da virada do século, uma certa trégua foi declarada.
Diante de uma série de boas safras (veja box), um estilo no meio do caminho emergiu com extração longa, mas leve, e uso tanto de barricas quanto de botte para envelhecer. Gerenciamento de solo muito melhor e um pouco de colheita em verde nas vinhas vigorosas de Nebbiolo levou a menos trabalho na adega e a mais expressão do vinhedo.
Visitando os clássicos
O clima piemontês é continental, com verões quentes e invernos frios. Há diferença marcante entre as temperaturas do dia e da noite, o que permite longo tempo de suspensão, auxiliado pelo fato de que a vinha de Nebbiolo é a primeira a brotar e durar até ser colhida.
O ponto de partida foi o Palas Cerequio, o “Barolo Cru Resort” concebido por Michele Chiarlo, um dos principais nomes da região. De uma série de casas de fazenda abandonadas sobre seus vinhedos de Cerequio, em La Morra, – vinhedos estes também abandonados até 1950 – criou-se o hotel, onde tivemos uma vertical de seu top Cru. O 2010 estava quase pronto, mas minhas principais notas vão para o soberbo 2004 e o elegante 2000. Muitos vinhos foram servidos depois, começando com o Gavi di Gavi “Fornacci” 2011 de vinhas de 60 anos fermentado em carvalho, depois um Barbera d’Asti Superior “Le Orme” 2012, um Barolo “Tortoniano” 2010, um excelente Tortoniano Riserva 2008 e, para terminar, como na maioria das refeições, um refrescante Moscato d’Asti.
As safras do Piemonte desde 1980 segundo Kerin O’Keefe – 1982, 1989, 1996, 1999, 2001, 2004, 2006 e 2010 |
Angelo Gaja, um dos grandes nomes do Piemonte
A jovem vinícola GD Vajra, fundada em 1972, produz o vinho Bricco delle Viole, o “Lafite de Barolo”, A visita seguinte foi a GD Vajra, pouco fora de Barolo, um dos meus produtores favoritos. Estabelecida em 1972, a vinícola de Aldo Varja, que ainda está encarregado dos 40 hectares de vinhas, tem uma grande adega moderna com impressionantes vitrais feitos por um artista local. Seu Riesling seco “Petracine”, com vinhas da Alsácia plantadas em 1985 e 1989, é um revelação; o Dolcetto d’Alba, o Barbera d’Alba e o Langhe Nebbiolo mostraram fruta e profundidade como nos livros; os Barolos Cerretta e Baudana, do recentemente adquirido vinhedo Luigi Baudana, combinam robustez e elegância; enquanto o single vineyard Bricco delle Viole é, para mim, o Lafite de Barolo.
Vinícola Poderi Aldo Conterno, fundada em 1908, ao redor de Monforte d’Alba
Depois, a degustação foi em Poderi Aldo Conterno, um dos nomes históricos do vinho italiano, com Giacomo Conterno. Fundada em 1908, a vinícola da família tem 25 hectares de vinhas com 60 anos ao redor de Monforte d’Alba, incluindo dois Crus “monopólios” Cicala e Romirasco, o grande Colonello e o ainda maior Gran Bussia cujo 2005 foi um dos mais marcantes vinhos da semana, assim como o 2006 e 2000. Durante a última década, a produção de Conterno diminuiu de 200 mil para apenas 80 mil garrafas, na busca pelo máximo de qualidade e, por isso, os vinhos são justificadamente muito caros.
Em um jantar com Silvia, a filha de Elio Altare, provamos a qualidade de seu Barbera d’Alba 2013 e seu Barolo 2009 e 2000 provaram que se pode ser tanto moderno quanto clássico.
Gaja
A visita mais aguardada da semana foi encontrar Angelo Gaja em seu vinhedo Sori San Lorenzo nos subúrbios de Barbaresco e ir até o Castello di Barbaresco (comprado 15 anos atrás, planejado para ser um hotel e agora uma soberba vitrine para os vinhos de Gaja) para uma degustação. Angelo selecionou dois vinhos brancos: Alteni di Brassica 2013 Langhe DOC Sauvignon Blanc, que me lembrou o Château Margaux Pavillon Blanc, e Gaja & Rey 1993 Langhe DOC Chardonnay, rico e ainda fresco com um estilo de Bâtard-Montrachet.
Depois, dois tintos Langhe Nebbiolo DOC (a adição de 5% de Barbera os faz perder o “G” da DOCG Barbaresco e, por isso, não podem ostentar esse nome): um perfumado e bem formado Costa Russi 2013 e um lindamente texturizado Sori San Lorenzo 2011. E finalmente dois DOCG Barbaresco: um simplesmente perfeito 1998, com pelo menos 10 anos mais de guarda, e um quente e maduro 1988.
Clássicos como Elio Altare, Gaja, Pio Cesare, Poderi Aldo Conterno, Prunotto etc continuam a fazer história no Piemonte
Embora seja difícil superar Gaja, Alberto Marchesi di Gresy elevou o nível admiravelmente com sua propriedade de Barbaresco em Martinenga. Junto ao “menu tradicional piemontês” servido como brunch no terraço de sua vinícola histórica, degustamos uma linha de vinhos do Langhe Sauvignon Blanc, dois Langhe Chardonnay fermentados em barricas e Barbarescos de seu “monopólio” Cru Martinenga: um vigoroso 2011 e um clássico e puro 2000. Depois, um Camp Gross 2008 ainda repleto de carvalho, mas impressionante, e seu principal vinho Gaiun, produzido apenas nas melhores safras: um robusto 2009 e um lindamente estruturado 1997.
Alberto Marchesi di Gresy elevou o nível admiravelmente com sua propriedade de Barbaresco em Martinenga
Naquela noite ainda fomos hospedes de Franco Martinetti, ex-presidente da Academia Internacional do Vinho e um exemplo perfeito do “enólogo cavalheiro”. Martinetti não possui vinhedos, mas quatro diferentes vinícolas onde vinifica de maneira elegante e pessoal as melhores uvas que obtém em contratos de longo prazo. Os vinhos mostraram grande personalidade e pureza dos vinhedos. Havia o espumante branco “Quarantatre” 2000, Gavi “Minaia” 2013, Colli Toronesi “Martin” 2012 da rara uva lombarda Timorasso e Moscato d’Asti 2014. Nos tintos: Barbera d’Asti “Bric dei Banditi” 2012, Barbera d’Asti “Montruc” 2011, Monferrato Rosse “Sul Bric” 2011, Colli Tortonesi Freisa “Lauren” 2008, Barolo “Marasco” 2009. Todos os que tiverem a felicidade de cruzar com os vinhos de Franco Martinetti se tornarão clientes por toda a vida.
Pio Cesare
A próxima visita foi a Pio Cesare, o mais respeitado produtor e negociante de Alba, cujas adegas muito profundas sob o centro da cidade são incorporadas por uma muralha romana, onde teias de aranha e velas harmonizam com os equipamentos mais modernos. Sua linha é grande demais para provar, então começamos com Chardonnay “Piodilei” 2013, um esplêndido Barbera d’Alba “Fides” 2012 e o Barbaresco e Barolo “da casa” 2011, antes de ir para o Single Cru Il Bricco Barbaresco e Ornato Barolo, ambos da soberba safra 2010, grandes vinhos para o futuro.
Em seguida, fomos até Prunotto, também um produtor e negociante, fundado em 1904 e, desde 1989, parte do grupo Antinori. Durante o almoço, começamos com um fresco Arneis 2014, depois fomos aos Crus, Barbaresco Bric Turot 2011 e Barolo Bussia 2009, e, para finalizar, um soberbo Barolo 1990. Os tintos de Prunotto são mais magros do que os de Pio Cesare, mas florescem com a idade.
Depois, a recepção ocorreu por conta do arrojado Pietro Ratti em sua recém escava adega sob o vinhedo Marcenasco, em La Morra – o primeiro Cru de Barolo ratificado por seu pai, Renato, em fins de 1960. Pietro é presidente do consórcio de Barolo, um papel desempenhado por seu pai durante muitos anos. Ratti atualmente possui 40 hectares que contribuem com 80% de sua produção, sendo 20% de uvas compradas. O estilo é moderno da melhor forma possível, capturando o floral e o perfume da Nebbiolo enquanto mantém o peso e a pegada. Um adorável Arneis e um delicioso Dolcetto nos levaram a um Marcanesca 2011 parecido com Volnay, seguido por Barolo Rocche e Barolo Conca 2007, ambos soberbos, e então quase um Pauillac, o Rocche dell’Annunziata 2004, com uma década de guarda, e um incrivelmente elegante Rocche 2001.
A visita final foi na propriedade Sottimano em Cotta, parte da região de Neive, em Barbaresco. Sou um grande fã dos vinhos do jovem Andrea Sottimano, cujos 16 hectares de vinhedos são cultivados organicamente. Há ainda um approach “sem mãos” na adega, com uso de leveduras naturais, mínimo afinamento e engarrafamento sem filtragem. A riqueza e a força natural da fruta que vem dos seus cinco diferentes Crus é extraordinária, minha preferência vai para o Pajorè 2012, Currà 2011, Cottà 2010, alcançando o máximo com o exuberante, mas firme, Pajorè 2008 e o soberbo Riserva 2010, que maturou por dois anos sobre suas borras sem sulfitos e transbordos. Esses vinhos não são apenas muito bons, eles têm preços razoáveis pela qualidade.
A vinícola de Renato Ratti foi feita sob o vinhedo Marcenasco, em La Morra
Safra 2011 em Barolo
A safra 2010 recebeu todos os elogios possíveis, então, suceder-lhe não é fácil, mas os produtores têm uma boa opinião sobre seus 2011 e os vinhos que foram degustados já são atraentes embora continuem “muito Barolo”. De uma prova de 134 Barolos da safra 2010, um painel da revista Decanter selecionou três como “marcantes”: Barolo Sarmassa, de Brezza, Barolo Cascina Adelaide, de Fossati, e Barolo Cerretta, de Giovanni Rosso. E elegeu ainda 71 como altamente recomendados. O negociante de Londres, Fine&Rare fez uma prova recente com 86 vinhos da safra 2011 que deixou uma impressão muito boa e dos quais selecionei quatro “marcantes” (GD Vajra Barolo Bricco delle Viole, Giacomo Borgogno & Figli Barolo Cannubi, Giacomo Borgogno & Figli Barolo Liste e Vietti Barolo Castiglione) e não menos de 51 altamente recomendados. Ou seja, há certamente bons vinhos no Piemonte.
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