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Douro/Duero e os vinhos de Espanha e Portugal

A influência de um rio nas regiões vitivinícolas mais famosas da Espanha e de Portugal por meio de seus grandes vinhos

por Luiz Gastão Bolonhez

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Na Espanha, chama-se Duero. Em Portugal, Douro. Dois nomes para um único rio que banha milhares de vinhas maravilhosas. Ele nasce Duero, na província de Sória, Serra de Urbión, a mais de 2 mil metros de altitude. Percorre pouco mais de 800 km até chegar à sua foz, no norte de Portugal, na lindíssima cidade de Vila Nova de Gaia, vizinha à Cidade do Porto, a segunda mais importante cidade de Portugal.

O Douro/Duero é o terceiro maior rio da península ibérica, somente atrás do rio Tejo e do Ebro, percorrendo cerca de 850 km. Desenvolve-se ao longo do noroeste da Espanha, em seguida, acompanha 112 km de fronteira entre Portugal e Espanha e, depois, percorre 213 km em território português até alcançar sua foz no Atlântico.

Do lado espanhol, cruza cinco províncias de Castilla y Leon, são elas Sória, Burgos, Valladolid, Zamora e Salamanca. Nesse percurso passa por importantes cidades, tais como: Sória, Almazán, Aranda de Duero, Tordesillas e Zamora. Logo após entrar em território português, percorre inúmeros quilômetros através de maravilhosos cânions. Com exceção de Porto e Vila Nova de Gaia, cidades com boa densidade demográfica, o rio atravessa diversos povoados, muitos deles tendo íntima relação com a produção de vinhos, com destaque para Foz Côa, Pinhão e Peso da Régua. A sua altitude média é de 700 metros.

Douro – Maravilha da natureza

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O Vale do Rio Douro, que se localiza a pouco mais de 100 km da cidade do Porto, é considerado, por muitos, a mais linda região vitivinícola do mundo. O passeio de barco entre Peso da Régua, passando pelo Pinhão e chegando a Barragem, já no Douro Superior, é uma das maiores e mais sensacionais experiências relacionadas à beleza natural aliada à cultura do vinho.

Seus socalcos ou patamares com as plantações de uvas à beira do rio mostram um cenário maravilhoso. Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior formam um conjunto incrível de regiões vitivinícolas de onde sempre brotaram as uvas destinadas ao famoso Vinho do Porto e, de 15 anos para cá, também fonte de fruta para a produção de grandes vinhos de mesa (como são classificados os vinhos finos portugueses), principalmente os potentes tintos.

Força do não fortificado

Quinta do Crasto (foto) e Quinta do Vallado possuem estrutura completa para receber turistas

No Douro, algumas casas já elaboravam vinhos de mesa há muitos anos, mas, comercialmente, esses vinhos são ainda uma novidade no tradicional mundo da vitivinicultura. Nesses poucos anos dedicados com maior ênfase aos vinhos não fortificados, os resultados são fabulosos. Vinhos espetaculares têm sido lançados ano após ano.

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O que mais os diferencia são as uvas autóctones da região, que são notadamente especiais. Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Tinta Amarela, Tinto Cão e Sousão são algumas das mais destacadas. A casta indígena portuguesa Touriga Nacional é a grande vedete, pois possui características singulares, principalmente nos aromas. Alguns produtores elaboram vinhos varietais com 100% dessa casta, mas os mais destacados são produzidos por vinhas velhas, que geralmente são uma miscelânea das cepas plantadas no mesmo espaço de terra, muitas delas com mais de 100 anos de vida. Os varietais, em sua grande maioria, são produzidos a partir de vinhas que foram plantadas mais recentemente.

Enoturismo é uma das atividades que mais se desenvolve no Douro. São diversas as opções para quem gosta de sossego, lindas paisagens e grandes vinhos

Enoturismo

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Quinta do Crasto e Quinta do Vallado (foto) possuem estrutura completa para receber turistas

Nos últimos anos, o Vale do Rio Douro tem sido amplamente desenvolvido no enoturismo, com hotéis e pousadas de todos os níveis. Uma sugestão para quem gosta de sossego, linda paisagem e excepcionais vinhos é a Quinta do Vallado, localizada nas cercanias do Peso da Régua. Comandada por João Alves Ribeiro (tataraneto de Maria Adelaide Ferreira, a famosa Dona Ferreirinha) e com a enologia a cargo de Francisco Olazabal e Francisco Ferreira (primo de João e também descendente direto de Ferreirinha), a Quinta hoje produz vinhos reluzentes e sensacionais. Muitos deles conquistando prêmios e pontuações astronômicas mundo afora.

O terroir do Douro

O solo do Douro é pobre, o clima varia por extremos entre invernos rigorosos e verões escaldantes, com temperaturas chegando a mais de 40°C com frequência no verão. A região do Douro pertence à formação geológica denominada de complexo Xisto-Grauváquico. Lá, o solo apresenta três classes dominantes: a franco-arenosa, a franca e a franco-limosa. Além desses componentes, possui pedras e cascalhos, que auxiliam sobremaneira o cultivo da vinha, uma vez que permitem uma maior fixação e penetração das raízes, facilitando a absorção da água e seus nutrientes, bem como a absorção da luz/energia, protegendo, por fim, os solos dos efeitos da erosão.

2007 foi uma ótima safra no Douro, com tintos estupendos, profundos, cheios de vida e de grande longevidade

Safras para tintos no Douro

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2000 – Safra de pouco rendimento. Excepcionais tintos foram produzidos, repletos de fruta madura e muito caráter. Os vinhos top estão entre os grandes de sempre. O Quinta do Crasto Vinha da Ponte 2000 talvez seja o mais espetacular tinto que Portugal já produziu.

2001 – Um inverno mais frio. Vinhos mais elegantes e com boa acidez. O Quinta Vale D. Maria foi histórico. Um tinto de extrema finesse e elegância.

2002 – A pior safra dos últimos anos. A chuva foi a grande vilã. Alguns produtores conseguiram escapar das chuvas, mas, de maneira geral, é uma safra que deve ser descartada. Alguns produtores não engarrafaram seus vinhos top.

2003 – Talvez a safra mais quente da região em todos os tempos. A maioria dos vinhos, principalmente os top, surpreenderam. Tintos com força e muita presença, mas de maturação mais acelerada. Quinta Vale Meão, Quinta do Crasto e Quinta Vale D. Maria produziram verdadeiras maravilhas, que ainda estão cheios de vida e com bom potencial de guarda. Atenção total ao nome do produtor.

2004 – Uma safra mais fria, mas com os meses de setembro e outubro compensando. O conjunto é: quase tudo aconteceu na medida certa. Grandes, ricos e longevos tintos. A Touriga Nacional foi um dos grandes destaques. Se encontrar um garrafa do Curriculum Vitae de Cristiano Van Zeller, aposse-se imediatamente. Um vinho inesquecível.

2005 – Safra mais quente, com a fruta atingindo excelente maturação na colheita. Tintos poderosos e muito equilibrados. Mais uma vez os top das casas foram os destaques. O Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa é histórico, colecionável.

2006 – Uma safra mais difícil, com boa quantidade de sol, o que antecipou a colheita. Vinhos menos potentes, mas agradáveis. Não são para longa guarda.

2007 – Tintos estupendos, profundos, cheios de vida e com grande longevidade. Uma safra mais fria e com menos rendimento. O tempo ajudou muito nas semanas que antecederam a colheita. Taninos chegando perto da perfeição. Os top são para a eternidade. O Vallado Adelaide e o Crasto Vinha da Ponte são exemplos de obras de arte líquidas, que vão evoluir ainda por muitos anos.

2008 – Uma safra diferente em tudo. Mais fria, mas com excelente amadurecimento. Os rendimentos também não foram grandes. Os vinhos são muito finos e elegantes. O Quinta do Vale Meão é sensacional, diferente, e talvez o melhor da casa, ao lado do 2004 e 2003.

2009 – Safra muito quente, mas com vinhos absolutamente espetaculares. Não chega a ser igual a 2003, mas com muita semelhança. Ainda muitos estão para chegar ao mercado brasileiro. Dos degustados para esta matéria, todos estavam espetaculares.

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Duero – a grandeza espanhola

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Do lado espanhol, o portentoso rio Duero atravessa algumas regiões e passa nas cercanias de Zamora, onde fica a região vitivinícola denominada Toro, que também produz grandes vinhos, principalmente tintos. A região de Rueda, muito forte na produção de brancos, também tem influência do rio, que passa ao norte de suas demarcações. Contudo, o foco de nossa matéria, na porção espanhola, é somente Ribera del Duero, portanto falaremos dessas regiões em outra oportunidade.

A macrorregião de Ribera del Duero é berço de grandes vinhos tintos que estão entre os melhores do mundo. A produção massiva dessa região é de tintos, com predominância de vinhos à base da casta Tinto Fino, Tinta Fina ou Tinta del Pais. Com esses três nomes a Tempranillo é denominada na região. E a Tinto Fino é a mesma que a casta que a Tinta Roriz – que faz muito sucesso no Douro.

É muito comum haver, em importantes tintos de Ribera, quantidades pequenas de castas como Garnacha (a mesma que a Grenache, na França), Cabernet Sauvignon, Malbec e Merlot, misturadas com a Tinto Fino, que na maioria dos casos é a casta predominante. Temos ainda, como no Douro, vinhos varietais: muitos Tinto Fino puros, além de outros Syrah, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot etc.

Tempranillo, a principal casta do Duero, é conhecida como Tinto Fino, Tinta Fina ou Tinta del Pais

O ícone

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Ribeira é uma terra de produtores tradicionais como Viña Sastre e Vega Sicilia (abaixo), mas também de novos como O.Founier (acima)

Não há como negar a tradição da Bodegas Vega Sicilia, como o grande ícone da Ribera del Duero. São dessa propriedade que nascem os melhores e mais disputados tintos do reino de Juan Carlos. A propósito, a propriedade em questão produz três tintos, todos superlativos: o Vega Sicilia Único, o Vega Sicilia Valbuena 5º año e o não safrado Vega Sicilia Reserva Especial.

Estamos falando de vinhos que têm a uva Tinta del Pais como espinha dorsal, complementadas pelas castas Cabernet Sauvignon e Malbec, entre outras. Vale destacar que o Vega Sicilia Único é, de certa maneira, um dos dois mais longevos vinhos disponíveis no mercado mundial. Ele não só resiste ao tempo, mas, com o passar dos anos, melhora de maneira impressionante. Em visita ao Brasil em 2010, o proprietário, Pablo Alvarez, apresentou dois de seus grandes Único’s, o 1982 e 2000. Esse último ainda é um dos três vinhos de maior pontuação de todos os tempos em ADEGA, com 98 pontos.

O terroir de Ribera del Duero

Geologicamente, o território de Ribera é de sedimentos terciários com predominância de camadas de argila alternadas por camadas de calcário e marga. A pluviometria da região é de moderada a baixa (450 mm por ano) e sua variação de temperatura é bem acentuada, com verões longos e secos, e com temperaturas alcançando mais de 40°C. Como no Douro, em Portugal, também há invernos muito frios, com temperaturas alcançando -18°C.

Em Ribera, 2004 foi um ano espetacular com condições climáticas beirando a perfeição

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Safras para tintos em Ribera del Duero

2000 – Bons tintos foram produzidos, mas sem muito alarde. A maioria deve ser consumida nos próximos anos. O Vega Sicilia Único é talvez um dos mais espetaculares de todos os tempos, ao lado de safras emblemáticas como 1996, 1994 e 1970.

2001 – Simplesmente sensacional “cosecha”. Foi muito celebrada na época, com seus vinhos de extrema potência, fruta abundante e muito equilíbrio. Grande potencial de guarda.

2002 – Depois de um verão quente, tivemos, como no Douro, em Portugal, muita chuva. Poucos vinhos de destaque. Devem ser consumidos mais rapidamente. A Bodegas Aalto produziu grandes tintos, mesmo na adversidade.

2003 – Mais uma semelhança com o Douro. As temperaturas foram recordes. Mesmo assim, os resultados foram muito bons, pois as noites de verão foram frias. Esse delta de temperatura foi interessante para a maturação da uva e tivemos muitos vinhos especiais. De maneira geral, os tintos têm acidez baixa e, com isso, recomenda-se consumi-los nos próximos dois a quatro anos.

2004 – Tivemos um produtor que elaborou um vinho denominado Año de Gracia. Isso diz tudo. Foi um ano espetacular com condições climáticas beirando a perfeição. Produziu-se vinhos de extrema profundidade e potência. Uma safra de tintos que esbanjam equilíbrio, com grande potencial de guarda.

2005 – Mais uma especial safra na região. Maturação fenólica de excelente qualidade, produzindo vinhos com taninos de excepcional qualidade e com profundidade de sobra. Os top têm muito potencial de guarda.

2006 – Uma safra mais “quente”, que não manteve a mesma qualidade das duas anteriores, mas, mesmo assim, as grandes e renomadas casas produziram verdadeiras maravilhas. Genericamente, são tintos mais para consumo rápido. Para se ter uma ideia da importância de saber como foi a safra em cada microrregião, o Hermanos Sastre Pesus é um tinto quase perfeito e levemente superior que seu irmão Pesus 2005.

2007 – Talvez a mais interessante surpresa se compararmos a safra na região com o Douro, do lado português. Safra também mais fria, mas muito inferior aos tintos do país vizinho. Em algumas propriedades, os resultados foram muito ruins e, noutras, nem tanto. Uma safra irregular, em que o produtor e a região específica podem fazer a diferença.

2008 – Safra muito difícil. Setembro foi terrível, com geadas que prejudicaram muito a qualidade da fruta. O “trabalho de adega” para a seleção da uva foi chave. Uma safra também muito irregular, mas com apetitosos tintos, com boa acidez e frescor.

2009 – Semelhantemente às condições do Douro, as temperaturas foram muito elevadas, com algumas vinhas alcançando uma sobrematuração indesejada. Quem conseguiu colher na hora certa, produziu maravilhas. Essa fruta colhida na “hora certa” fez tintos superlativos, excepcionais. A maioria dos grandes tintos ainda não chegou ao mercado brasileiro.

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