A Austrália é uma potência no mundo do vinho há mais de meio século
por Luiz Gastão Bolonhez
Canguru passeando pelos vinhedos da Wakefield
No final de 1999, a revista norte-americana Wine Spectator publicou uma preciosa matéria intitulada "The Wines of the Century" (Os vinhos do séculos). Foram escolhidos pelos editores 12 vinhos para representarem o que o século XX teve de melhor. Ao todo, foram selecionados 11 tintos, sendo 10 de mesa e um fortificado, e um branco, nesse caso, um doce. A França teve sete vinhos na lista, seguida dos Estados Unidos, com dois. Os três últimos países que receberam o laurel de ter um vinho entre os 12 melhores do século XX foram: Itália, Portugal (fortificado - Porto) e a Austrália.
Isso já demonstra a importância da Austrália no cenário vitivinícola mundial, já que outros reconhecidos países produtores de vinho, como a Espanha, por exemplo, ficaram de fora. O Penfolds Grange Hermitage 1955 foi o vinho australiano selecionado. Esse tinto foi produzido pelo enólogo mais importante da Austrália de todos os tempos, Max Schubert, uma verdadeira lenda.
Leia mais:
+ Garrafa de Penfolds bate recorde de preço
+ Os vinhos do Novo Mundo podem envelhecer?
Schubert, que faleceu 1994, utilizou cerca de 90% de Shiraz e 10% de Cabernet Sauvignon para o blend final do Grange 1955. Ele quis fazer uma bebida que se aproximasse de um grande vinho de Bordeaux, com força, presença e muita elegância. Esse vinho mudou a história da Austrália. Desde então, o Penfolds Grange se consolidou como o mais emblemático do país (mesmo perdendo um pouco de sua elegância nos últimos anos). Os últimos Penfolds Grange (desde a safra 1989 ele não leva mais o nome de Hermitage) são mais opulentos e profundos se comparados com os da era Max Schubert. De tão raro, o Brasil tem visto poucas vezes esse vinho disponível por aqui.
A Austrália lidera o ranking de venda de vinhos no mais maduro mercado do mundo, na Inglaterra, há alguns anos. Desde 1985, os vinhos australianos se tornaram os favoritos do exigente público britânico. Cerca de 10 anos depois, os vinhos se tornaram muito populares nos Estados Unidos. Em 1996, o país colocou uma meta de alcançar, em 2025, um volume de negócios (doméstico e exportação) de US$ 4,5 bilhões. E esse objetivo foi atingido em 2003.
Isso mostra a potência que a Austrália é hoje no mundo do vinho. O país tem conglomerados que produzem volumes importantes e, com isso, invadem não só o mercado inglês, como o também o norte-americano, com vinhos - tintos e brancos em sua maioria -a preços muito competitivos e convidativos. No Brasil, a participação dos australianos ainda é pequena, mas, mesmo com volumes baixos, encontramos excelentes exemplares em nosso mercado.
A Austrália passou, nos últimos anos, por momentos muito difíceis e delicados. De um lado, a natureza maltratou o país com enchentes quase sem fim em algumas regiões, deixando muita gente e também muitas parreiras debaixo d'água. Não bastasse isso, tivemos também incêndios que devastaram algumas zonas, trazendo estragos de todos os tipos, incluindo enormes prejuízos na agricultura. No verão de 2006/2007, os incêndios florestais devastaram inúmeros hectares de vinhas em diversas localidades, uma catástrofe do ponto de vista da vitivinicultura.
O outro ponto de crise se deu quando o país tomou, de maneira geral, uma direção para produzir vinhos em quantidade, que de certa maneira comprometeram a qualidade. No início do novo milênio, os importadores ingleses receberam a inusitada oferta de muitos produtores. Era o Bogof (buy one get one free - compre um e ganhe outro), uma agressiva ação de vendas para desovar os enormes estoques que se encontravam nos armazéns da Austrália. Esse movimento, na ocasião das feiras europeias (ProWein/Dusseldorf e LTWF/Londres) de 2002/2003, caíram mal para a imagem do país. O motivo para esse mal-estar foi que, 20 anos antes, os vinhos australianos ganharam o mercado inglês com vinhos de qualidade e com excelente custo-benefício. Além disso, nessa época, o país se destacava com inúmeras vinícolas de porte médio, produzindo vinhos de classe mundial.
Finalmente, podemos ressaltar ainda a concorrência com a vizinha Nova Zelândia, que ficou mais acirrada em diversos mercados nos últimos anos.
Passadas as intempéries, sejam da natureza, sejam do mercado, o país se direciona para uma estabilização, desenvolvendo novamente o equilíbrio entre a produção de vinhos em quantidade e, ao mesmo tempo, com foco em qualidade.
A casta Shiraz (Syrah) tem uma longa e documentada história no Rhône, região do sudeste da França. Em 1998, um estudo conjunto entre a Universidade de Davis, Califórnia, e a estação de pesquisas de Montpellier concluiu, por meio de estudos de DNA, que a casta Syrah é da prole das castas Dureza e Mondeuse Blanche, respectivamente seu pai e mãe.
A Dureza é uma casta tinta da região do Ardeche, próxima ao Vale do Rhône, enquanto que a Mondeuse Blanche, cepa branca, é oriunda de Savoia.
A Syrah, conhecida e batizada como Shiraz na Austrália, possui a potência e a profundidade da Cabernet Sauvignon, sem aqueles quase indomáveis taninos, os aromas explosivos e sutis complexidades da Pinot Noir. Uma casta que produz grandes vinhos nos quatro cantos do mundo. Na Austrália, ela é plantada em todas as regiões do país.
O estilo do Shiraz australiano é sempre mais profundo e encorpado se comparado com seus "irmãos" franceses. Para os apreciadores de vinhos potentes e cheios de vida, é uma grande pedida.
A Austrália é uma enorme ilha do Pacífico que possui uma série de regiões vitivinícolas. O país tem sete grandes zonas. São elas: Victoria e New South Wales, no sudeste, sendo Victoria no extremo sudeste da ilha. Depois, Queensland, ao nordeste, logo acima de New South Wales. Rumando para o oeste, está a macrorregião de South Australia (no centro sul do país), com o Northern Territory logo acima. Por último, o Western Australia, a mais vasta região dentre todas. A sétima zona do país, que também produz vinhos, é a ilha da Tasmânia. As regiões que mais se destacam na produção de vinhos são: New South Wales, Victoria, South Australia e Western Australia.
Essa vasta zona tem como cidade principal Sydney, capital da região. Cerca de menos de 300 quilômetros ao sudoeste de Sydney fica a capital da Austrália, Canberra. É no entorno dessas duas importantes cidades que se encontram as principais denominações. De Canberra, para leste e nordeste, localizam-se: Canberra District, Shoalhaven, Hilltops, Souther Highlands, Cowra, Orange, Mudgee e Hunter Valley. Essa última região, ao norte de Sydney, é a mais destacada e importante denominação de toda New South Wales.
O Hunter Valley é subdivido em Lower e Upper Hunter Valley. As temperaturas de New South Wales durante a estação de desenvolvimento da fruta se assemelha com o clima do Languedoc-Roussillon no sul da França. As nuvens normalmente "temperam" o calor no Hunter Valley. Mudgee é uma das mais ensolaradas regiões. As plantações são, em sua maioria, cerca de 500 metros acima do nível do mar, atingindo, em Mudgee, 800 metros. A presença da Shiraz é muito importante, com maior destaque no Hunter Valley. Temos ainda diversas castas plantadas além da Shiraz, com destaque para Cabernet Sauvignon e Chardonnay, mas com cepas mais inusitadas como Palomino, Mataró, Verdelho e Sémillon, dentre outras. A penetração de vinhos dessa região no Brasil é muito baixa.
Uma das mais importantes regiões do país. Tem como cidade centro, Melbourne. A partir daí ficam denominações vitivinícolas tanto ao noroeste e ao oeste, quanto ao norte e ao nordeste. As principais são: Geelong, Henty, Grampians, Pyrenees, Bedingo, Macedon Ranges, Sunburry, Yarra Valley, Heathcote, Goulburn Valley, Nagambie Lakes, Strathbogie, Upper Goulburn, Glenrowan, King Valley, Alpine Valley, Beechworth e Rutherglen, dentre outras.
Os climas variam muito na região, com o quente continental mais para o noroeste. Solos e altitudes também são de diversos tipos e alturas. Os vinhos mais clássicos são produzidos com altitude média de 500 metros do nível do mar. A diversidade de castas é vasta. Talvez a área com mais estilo de Rhône da Austrália, pois é possível encontrar em Victoria, além dos Shiraz, bons brancos à base de Roussanne, Marsanne e Viognier, as cepas brancas que reinam nessa região francesa.
Vale ressaltar que é dessa região, mais especificamente de Rutherglen, os melhores vinhos doces fortificados da Austrália. Os três mais renomados produtores desse estilo de vinho são Chambers, Morris e Campbells, todos sem presença ainda no Brasil. Esses vinhos são verdadeiras preciosidades.
É dessa região que provêm as uvas para a produção do mítico Grange. A cidade mais destacada é Adelaide. As macrorregiões vitivinícolas estão localizadas ao redor dela. As mais importantes são: ao sul, a Ilha Kangaroo, e, ao sudeste, Limestone Coast. Nos arredores de Adelaide estão Southern Fleurieu, Currancy Creek, Langhorne Creek, Adelaide Hills, McLaren Vale, Adelaide Plains, Eden Valley, Barossa Valley, Clare Valley, Coonawarra e Riverland etc.
Todas elas produzem muito bons vinhos, mas deve-se destacar Barrossa Valley, Eden Valley, Clare Valley e McLaren Vale, como berço de verdadeiras obras-primas da Austrália. São dessas quatro regiões os mais disputados vinhos do país. Além do Grange, ali encontram-se Shiraz maravilhosos de Barossa, Clare e Eden Valleys e McLaren Vale. Neste último, temos - além dos mais prestigiados Shiraz do país - excepcionais tintos à base da casta Grenache. E, por último, vale mencionar que a região de Coonawarra produz muitos Cabernet Sauvignon de respeito.
A diversidade de castas é vasta. Pelas dimensões, os climas variam muito, desde um mais quente e continental em Riverland, para um pouco menos quente, em Barossa Valley, para o mais frio em Coonawarra. As regiões costeiras ao redor de Adelaide recebem brisas marítimas, reduzindo a umidade.
Para se ter uma ideia da grandeza da Austrália, a distância, por rodovia, entre Sidney, em New South Wales, até Perth, a principal cidade do oeste australiano, é de quase 4 mil km. Essa impressionante região tem como destaque as denominações: nas cercanias de Perth há Swan District e Perth Hills. Mais ao sul de Perth há Geografie, Margaret River, Blackwood Valley, Mainjimup, Pemberton, Frankland River, Mount Baker, Albany e Denmark etc. De todas, duas se destacam, Swan District e Margaret River - esta a responsável pelos melhores Cabernet Sauvignon da Austrália, ao lado dos Cabernet de Coonwarra.
Temos também um clima muito variado em todo o Western, desde calor extremo e muito seco no distrito de Swan, uma das mais quentes regiões vitivinícolas do mundo, passando pelo clima de estilo mediterrâneo do Margaret River, com muita chuva e um verão temperado pelas brisas do oceano, chegando a temperaturas mais frias em Frankland River, Mount Baker, Albany e Denmark, que juntas compõem a macrorregião denominada Great Southern.
Além de Shiraz e Cabernet Sauvignon, tem boa presença a Malbec e as brancas Riesling e Chardonnay. É de Margaret River também um dos mais espetaculares brancos do país, o sensacional Leewin State Chardonnay Artist Series.
ADEGA provou alguns dos mais destacados exemplares de vinícolas que dão um panorama do que há de melhor sendo produzido em cada uma das principais regiões vitivinícolas australianas.
Knappstein Riesling Hand Picked 2008 - AD 90 pontos
Angove Shiraz Vineyard Select 2008 - AD 90 pontos
Ebenezer Cabernet Sauvignon 2005 - AD pontos
Fox Creek Shiraz Reserve 2005 - AD 93 pontos
Leasingham Bin 56 Cabernet Malbec 2008 - AD 89 pontos
Mitchelton Print Shiraz 2004 - AD 93 pontos
Mitolo G.A.M. Shiraz 2007 - AD 92 pontos
Peter Lehmann Stonewell Shiraz 2006 - AD 94 pontos
Plexus Shiraz Grenache Mourvèdre 2006 - AD 93 pontos
Wakefield St Andrews Shiraz 2006 - AD 92 pontos
Veja também: